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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Parte 6 - “Braços abertos num cartão postal e punhos fechados na vida real”

Rio de Janeiro, sede das Olimpíadas e território de gangues

Parte 6
Por Gunter Axt

Neste sentido, o Rio de Janeiro tornou-se uma espécie de exacerbação da distopia descrita por Mike Davis no seu famoso livro de 1990 sobre Los Angeles - "Cidade de Quartzo".

Davis mostra como o rápido crescimento urbano no capitalismo tardio produziu uma espécie de apartheid sócio-espacial, catapultando os índices de violência, até como reação às maquiagens revitalizantes, cujo objetivo final foi esconder os problemas para propiciar a ilusão da fruição consumista.

O Rio de Janeiro é um patrimônio cultural nacional.

Talvez os cariocas estejam mostrando não estarem em condições de enfrentar o problema sozinhos. Talvez esteja na hora do País inteiro discutir o problema do Rio de Janeiro, ainda que isto possa representar alguma perda de autonomia regional.

Se houvesse vontade política para contingenciar verbas municipais, estaduais e federais, é bem provável que no espaço de uma década, as favelas do Rio pudessem estar urbanizadas e dotadas de equipamentos de lazer, cultura, segurança e educação, como qualquer outro bairro.

Programas sociais inteligentes poderiam ajudar reverter a cultura da violência.

Já existe know how no Brasil e no mundo para isto.

A Polícia poderia ser prestigiada, treinada e aparelhada. Um Tribunal Militar idôneo poderia ser instalado para sanear a força pública. Uma força tarefa federal poderia investigar amplamente autoridades civis, militares, policiais, encarcerando a turma ligada ao crime organizado. Leis mais severas poderiam agravar punições para autoridades públicas corruptas. Modernas prisões de segurança máxima pode
riam pôr fim às escolas para criminosos em que se converteram nossos presídios.


Na Itália, em Chicago e em Bogotá consegui-se, em épocas diferentes, razoável sucesso na luta contra a violência e a corrupção.

Por que não se lograriam avanços também no Rio de Janeiro?

Não, mas as pessoas, em delírio alienado, preferem acreditar que o artigo de Jon Lee Anderson tenha feito parte de uma conspiração, fracassada, para denegrir a candidatura do Rio para a sede das Olimpíadas.

Mas afinal, o que querem?

Que os estrangeiros compartilhem da nossa esquizofrenia?

Que se joguem na beira da praia acreditando estarem fruindo o melhor dos mundos, enquanto as pessoas morrem como moscas logo ali ao lado?


Fiel ao estilo literário que o consagrou, Jon Lee Anderson humaniza seus interlocutores.

Conta um pouco de sua trajetória de vida, fala de suas famílias, descreve a roupa que estão vestindo. Dá voz às pessoas, ouve várias versões. Seu artigo é o retrato de vidas estraçalhadas, de uma população que vive em territórios controlados pelas gangues, onde o estado e a democracia simplesmente não se fazem presentes.

Desde o assassinato brutal de Tim Lopes, os jornalistas brasileiros não sobrem mais os morros, como Jon agora o fez. Ele não pretende dar uma receita para a solução dos nossos problemas de segurança pública. Com pinceladas vigorosas, pinta o pesadelo descrito em filmes de ficção científica, mas que no Rio de Janeiro é palpável à luz do dia.

O personagem do pastor evangélico Sidney é particularmente inquietante, tanto por representar a única instituição a dialogar com os chefes mafiosos, enfatizando ainda mais a ausência total do estado, quanto pela maneira ambígua com que esta relação se dá.

Está na hora de agente compreender que as contradições que tisnam nossa sociedade não podem ser empurradas indefinidamente para baixo do tapete. Até quando vamos fechar os olhos para a calamidade que se abateu sobre o Rio? Há gente sofrendo, há gente morrendo. Tudo isso, na melhor cidade do mundo para se viver. Precisamos encarar aquilo que realmente somos. Talvez ainda haja tempo para melhorarmos.

É tarefa complexa, mas de modo algum impossível. Nosso principal trunfo não é a oportunidade de sediar as Olimpíadas, nem a beleza estonteante da paisagem, mas o caráter único da nossa multidão, quase sempre pacífica, acolhedora, intercultural, mestiça e alegre.


Gunter Axt nasceu em Porto Alegre, em 1969. Bacharelou-se em História pela UFRGS, onde também defendeu dissertação de mestrado, em 1995. Doutorou-se em História Social pela USP, em 2001. Desenvolveu pós-doutorado junto ao CPDOC da FGV-RJ e foi professor visitante na Université Paris VII, Denis Diderot.

Foi consultor de várias instituições, dentre as quais o Poder Judiciário e o Ministério Público do RS, o Conselho da Justiça Federal e o Supremo Tribunal Federal.

É pesquisador associado do Laboratório de Estudos da Intolerância (LEI), da USP. Escreve regularmente em revistas de cultura e política, de São Paulo e de Porto Alegre.

Entre artigos, livros e capítulos de livros, publicou diversos títulos, tendo se especializado gestão cultural e em história política, econômica, judiciária e cultural do Brasil.


COMENTÁRIO DO LEITOR

Temos na verdade dois mundos convivendo e às vezes entrando em choque, o mundo “oficial” e aquele outro mundo à margem, da Lei, da Ética, da Civilidade, e como tal eles fazem à moda dos bandoleiros da Idade Média suas próprias leis e justiça.

Trata-se de sobrevivência.

Estamos rumando a uma feudalização, em termos modernos, mas será assim, contrataremos nossos próprios exércitos de defesa particular, muraremos nossas vidas e emfim voltaremos ao escambo, hahah
a...

Trataremos de sobreviver.
Por Adriano Schemoel

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