Na quarta,
cumprida a agenda, os ministros decidirão se são ou não cabíveis os
chamados embargos infringentes — aquele recurso que prevê um novo
julgamento caso, numa condenação, haja pelo menos quatro votos
divergentes.
Admitida essa possibilidade, é grande a chance de que
condenados como José Dirceu e João Paulo Cunha tenham revistas suas
respectivas penas, livrando-se da cadeia. Diga-se desde já: o STF não
tem de encarcerar ninguém só para dar o exemplo. O que se espera,
marque-se de novo, é que cumpra a lei.
Foi aqui
Foi este blog que aventou pela primeira
vez não uma hipótese, uma tese ou uma causa; foi este blog que primeiro
se lembrou de ler a Lei 8.038, que dispõe sobre processos penais em
tribunais superiores. O texto foi publicado, atenção!, no dia 13 de
agosto do ano passado. Completa um ano amanhã (clique aqui para ler a íntegra).
Título, então, do artigo: “Mensalão
– Tio Rei leu a lei e dá fé: ‘Não! Decisão do Supremo não pode ser
reexaminada, não! Não cabe embargo infringente. Ou me digam onde isso
está escrito! Vamos debater!”.
Pois é.
Com efeito, o Artigo 333 do Regimento Interno do Supremo, como se lê
abaixo (em vermelho) prevê os embargos infringentes:
“Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:
(…)
Parágrafo único. O cabimento dos
embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de
quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em
sessão secreta.”
Ocorre que a Lei 8.038, que é de 1990, simplesmente ignora essa possibilidade. Escrevi, então, há um ano (em azul):
A Lei 8.038 (…) não trata de
“embargos infringentes” — vale dizer: da possibilidade de haver um
reexame da decisão da maioria. Essa lei é de 1990. Na prática, (…) ela
revogou o Artigo 333. Os advogados de defesa até podem vir com essa
história. Suponho que os ministros do Supremo, responsáveis que são,
dirão o óbvio: um artigo de um regimento interno, mesmo do Supremo, não
pode mais do que a lei.
Há mais:
até a Constituição de 1988, o Regimento Interno do Supremo era
recepcionado pela Carta com a força de lei. A partir do novo texto, não
mais.
E o próprio tribunal, na prática, já reconheceu que é assim, como
demonstrou num artigo, naquele
mesmo dia 13, o procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Lênio Luiz
Strek.
Se argumento faltasse à evidência de que não cabe embargo
infringente, Strek apresentou o definitivo: o Regimento Interno do
Supremo admitia também esse tipo de recurso em caso de Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI).
Mas aí veio uma lei, a 9.868, que é de
1999, e não abrigou tal instrumento. O que fez o Supremo? Declarou o
óbvio: o trecho de seu regimento que previa, então, o embargo
infringente para ADI havia perdido validade.
Ora,
minhas caras, meus caros, os ministros que eventualmente sustentarem que
cabem, sim, embargos infringentes em ações penais terão de responder:
por que a aprovação da Lei 9.868 tornou sem efeito um artigo do
regimento, mas a da Lei 9.038 não provocaria o mesmo efeito?
Subjornalismo estatal-petista
Os sites e blogs que se dedicam com fúria
ao subjornalismo a serviço do PT, financiados por Caixa Econômica
Federal, Banco do Brasil e outras estatais, chamam isto que estou a
escrever de “pressão da mídia”. Uma ova! Em primeiro lugar, porque não
sou “a” mídia; sou apenas o Reinaldo. Em segundo lugar, mas ainda mais
importante, porque se trata de cumprir ou de não cumprir a lei. Não é
nada além disso. O tribunal estará, aí sim, funcionando como corte de
exceção caso aceite os embargos.
No dia 24 do mês passado, a ex-ministra do Supremo Ellen Gracie escreveu o seguinte no jornal O Globo:
“(…) a lei nº 8.038/1990 deu nova
configuração ao processamento das causas de competência originária dos
tribunais superiores. Quem consultar o Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal encontrará, de fato, entre os artigos 230 e 246 a
normativa que regia o processamento da Ação Penal Originária.
Ela,
porém, foi substituída por lei posterior que sobre a matéria dispôs
integralmente. Essa lei nova, a de nº 8.038/1990, não previu
recorribilidade às decisões de única instância dos tribunais superiores,
em matéria penal. E, não o tendo feito, a disposição regimental
constante do art. 333, I, cai por terra, revogada nos termos do § 1º, do
art. 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
A lei
posterior revoga a anterior (…) quando regule inteiramente a matéria de
que tratava a lei anterior. Nem nas hipóteses de condenação pelos
Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais de Justiça, nas ações
penais originárias, cabem embargos infringentes, pois esse tipo de
recurso só é oponível a acórdão proferido em apelação ou em recurso em
sentido estrito. Foi o que ficou magistralmente estabelecido pelo
ministro Celso de Mello no julgamento do HC 72.465, em 5/9/95.”
João Paulo Cunha
Muito bem! Na quarta, está previsto que o
Supremo julgue recurso interposto pela defesa de Delúbio Soares, que se
antecipou aos demais condenados e já entrou com o embargo infringente.
Se considerado admissível no seu caso, admissível será no de 10 outros:
José Dirceu, João Paulo Cunha, João Cláudio Genu, Breno Fischberg, José
Genoino, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e
José Roberto Salgado.
Para João
Paulo Cunha e José Dirceu, um novo julgamento pode significar a
diferença entre ir e não ir para a cadeia. O embargo infringente, se
aceito, implica a escolha de um novo relator e de um novo revisor.
Também a Procuradoria-Geral da República tem de se posicionar de novo.
Cinco ministros absolveram Cunha da acusação de lavagem de dinheiro:
Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Marco
Aurélio Mello. Desses, quatro ainda se encontram no tribunal (Peluzo se
aposentou).
Condenaram o deputado por esse crime seis ministros: Ayres
Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e
Carmen Lúcia — cinco continuam na casa (Britto deixou o tribunal).
Assim, num eventual novo julgamento, o placar contra o deputado é de
cinco a quatro. Em lugar de Peluso, entrou Teori Zavascki.
Se ele
repetir o voto do antecessor, haverá um cinco a cinco, e caberá a Luís
Roberto Barroso a decisão. Britto, que o antecedeu na cadeira, condenou
João Paulo. O que faria o novo ministro?
Cunha foi
condenado a três anos de cadeia por corrupção passiva, a três anos e
quatro meses por peculato e a três anos por lavagem de dinheiro — nove
anos e quatro meses no total. Se, num eventual novo julgamento, fosse
inocentado desse último crime, não cumpriria um só dia dos seis anos e
quatro meses restantes em regime fechado — vale dizer: não iria para a
cadeia.
José Dirceu
Vamos ver o caso de Dirceu. Ele foi
condenado a sete anos e 11 meses de reclusão por corrupção ativa.
Só
três o inocentaram. Mas recebeu quatro absolvições para o crime de
formação de quadrilha (3 anos de cadeia): Ricardo Lewandowski, Dias
Toffoli, Rosa Weber e Carmen Lúcia.
Todos continuam no tribunal, e
Dirceu, pois, mantém esses votos. Condenaram o chefão por esse crime os
seguintes ministros: Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco
Aurélio Mello, Celso de Mello e Ayres Britto. Dos seis, cinco ainda são
ministros. O placar, pois, contra Dirceu está agora em cinco a quatro.
Para ser
absolvido, ele precisa do voto dos dois novos: de Teori Zavascki, que
substituiu Peluzo (que não votou no caso Dirceu porque já havia deixado o
STF) e de Barroso, que substituiu Britto — que votou pela condenação.
Chegamos ao busílis.
Zavascki e Barroso
É nesse ponto que devemos voltar ao
recente julgamento do senador Ivo Cassol (PP-RO), que foi absolvido
justamente do crime de formação de quadrilha.
Zavascki e Barroso se
alinharam com a tese que Rosa Weber e Dias Toffoli defenderam no
julgamento dos mensaleiros e entenderam que a formação eventual de um
grupo para a prática de determinado crime não configura a formação de
quadrilha.
Havendo novo julgamento, se os dois se juntarem àqueles
quatro também no caso de Dirceu, ele se livra dessa condenação, e sua
pena se reduz a sete anos e 11 meses e pode ser cumprida em regime
semiaberto. Como praticamente não há instituição no Brasil para esse
regime, Dirceu ficaria solto.
Caminhando para o encerramento
No caso de serem admitidos os embargos
infringentes, Zavascki e Barroso repetiriam o voto que deram para
Cassol? Como saber?
Ocorre, meus caros, que o risco de desmoralização do
Supremo não está apenas na possibilidade de redução das penas dos
mensaleiros — no caso de Dirceu e João Paulo, pode ser a diferença entre
ir ou não para a cadeia.
O que já
se afigura intolerável é estender o julgamento por tempo indefinido. No
mês de junho, o escândalo do mensalão completou 8 anos! E que se note:
ninguém está a pedir que se ignore a lei em nome da celeridade.
O que se
está a pedir é que se cumpra a lei: a Lei 8.038. Se não for o Supremo a
declarar a sua validade, será quem? Zavascki e Barroso, em suma, vão
escolher um caminho. No caso da perda automática de mandato de
parlamentares condenados em última instância, deram votos desanimadores.
Juntaram-se ao grupo que abre as portas para que alguém seja deputado
ou senador de dia e presidiário à noite. Alegaram amor ao texto
constitucional. Já provei que
não é bem assim.
Espera-se que, desta feita, demonstrem apego à letra
da Lei 8.038, que pode mais do que um Regimento Interno e tem o óbvio
poder de tornar sem efeito os seus dispositivos.
Que Brasil eles
escolherão?
12/08/2013
Blog Construindo pensamentos