Por Reinaldo Azevedo
Caros,
vai o meu texto, acho, mais importante sobre Yoani Sánchez. Aqui, deixo
claro que há gente tentando transformá-la numa espécie de interface
entre a ditadura dos Castro e um regime quase democrático. A contracapa
que fizeram para um de seus livros é indecorosa, beirando a indignidade.
Vamos lá.
*
Uma das expressões mais felizes criadas
nos últimos tempos, e que se popularizou, é “vergonha alheia”. Sintetiza
um sentimento que, antes, requeria palavras demais, não é? Como
expressar aquela sensação de constrangimento caso estivéssemos na pele
do outro? Embora a situação vexaminosa não nos atinja, é como se
atingisse; chegamos a experimentar um desconforto até físico. A
vergonha alheia é a câmera subjetiva da… estupidez alheia. Pois é… Nas
vezes em que fui levado a me sentir na pele do senador Eduardo Suplicy
(PT-SP), veio-me isto: desconforto, vontade de que a terra se abrisse
aos meus pés, desejo de acordar de um pesadelo.
Em uma palavra:
VERGONHA.
Em duas palavras: VERGONHA ALHEIA.
Escrevi aqui dois posts
sobre o pensamento detestável, asqueroso mesmo, do petista Breno Altman.
Se, um dia, o seu partido exercer o poder como ele quer que seja
exercido, não tenho dúvida de que ele mandará a mim e a outros tantos
que pensam como eu para o paredão. Se os tempos fossem avessos a
execuções sumárias (“porque pega mal”), ele nos enviaria para um paredão
moral, condenando-nos ao silêncio. No regime que defendemos e com o
qual ele quer acabar, Breno pode falar; no regime que ele defende, nós
seríamos eliminados da história. Breno considera, em suma, que erradicar
o adversário é um etapa superior de civilização.
Ele tem alguma
qualidade? Não chega a ser qualidade, mas uma característica menos
detestável: NÃO É UM FARSANTE! Breno odeia a democracia e não esconde
isso de ninguém. Breno acha legítimo calar o argumento com o berreiro —
ele pratica berreiro também, como deixou claro na Globo News — e não
disfarça. Ninguém tem o direito de dizer que não entendeu direito o que
ele pretende. Qualquer um entende. Ele não doura a pílula.
Mas e
Suplicy?
A
sociedade que este senhor tem na cabeça — se devidamente identificada,
naquela, tudo indica, espessa bruma em que os neurônios lutam
desesperadamente por uma sinapse — não é diferente da de Breno, não!
Suplicy só é um pouquinho mais bondoso e pio. Dá ao acusado o direito de
apresentar provas do que não fez… Ele estava naquele evento de Feira de
Santana, em que acanalha fascista proibiu Yoani de falar. Nesta quarta,
comportou-se como seu interrogador, na ida da blogueira cubana ao
Congresso brasileiro, e, caso não se altere a agenda, tem, na sexta, um
bate-papo com ela na Livraria Saraiva do Shopping Pátio Higienópolis.
Gilberto Dimenstein é o outro interlocutor.
Está
havendo um esforço — talvez seja da Editora Contexto (já digo a razão da
minha desconfiança) — para transformar Yoani Sánchez numa espécie de
boneca de louça da interface entre o regime assassino dos irmãos Castro e
uma nova realidade, que seria, assim, o regime assassino dos irmãos
Castro, mas com rosto mais humano. Há gente atuando para demonstrar que,
se ela está aqui, aquele troço lá não é assim tão mau…
Qual era a
agenda em Feira de Santana? A exibição de um filme que mostra as
agressões à liberdade de expressão em regimes tão diferentes como o de
Cuba e o de Honduras. Os vagabundos impediram a realização do evento.
Mas lá estava Suplicy para “negociar”, então, uma mudança da agenda: em
vez do filme, um debate. Entenderam? A canalha, então, já havia vencido,
mas cumpria dar uma aparência de solução de consenso ao que consenso
não era porque uma imposição dos brucutus. Na TV, o senador apareceu com
as bochechas trêmulas, aparentemente enfrentando os seus aliados do PT e
do PCdoB.
Vale dizer: foi preciso apelar a um deles para proteger Yoani
da fúria… deles. Naquele dia, comprovada a impossibilidade de realizar o
previsto, a única saída decente era o cancelamento do evento. Até
porque não houve debate. A blogueira não conseguiu falar. Aqueles
dinossauros a soldo que estavam lá não deixaram.

No Congresso
No Congresso, nesta quarta, o senador petista continuou na sua
saga indecente. Reproduzo trecho da reportagem da VEJA.com (em azul):
Dois parlamentares, nada
interessados em saber as condições de vida de Yoani em Cuba, trataram de
interrogar a convidada: Eduardo Suplicy pediu que ela pedisse o fim do
embargo econômico à ilha e defendesse o fim da prisão americana de
Guantánamo, em solo cubano. Glauber Braga (PSB-RJ) foi mais longe:
perguntou se ela defendia a libertação de cinco cubanos presos nos
Estados Unidos por espionagem. E ainda quis saber quem financia as
viagens que a blogueira tem feito.
De forma tranquila, Yoani respondeu: defende o fim do embargo e a
libertação dos presos para que o regime cubano tenha menos razões para
justificar o próprio fracasso e desviar o foco da falta de democracia na
ilha. Disse que é contra as violações supostamente praticadas em
Guantánamo. E ainda explicou, detalhadamente, de onde vieram os recursos
de suas viagens – de doações espontâneas e entidades como a Anistia
Internacional.
Suplicy
posa de amigo de Yoani, de homem tolerante, para, de fato, exercer uma
intolerância em certa medida mais ferina e inteligente do aquela de
Breno Altman. Exige que a blogueira se ajoelhe no milho e faça,
indiretamente, juras de amor a seu país — como se isso fosse necessário —
para que tenha, então, legitimidade para falar. Essa tem sido a sua
prática constante.
Ora, é evidente que Yoani é contra o embargo a Cuba
(embora ele seja irrelevante); é evidente que ela só pode falar contra a
permanência de prisioneiros em Guantánamo — e até mesmo contra a
existência da base americana. Qualquer coisa que sugerisse o contrário
serviria de pretexto para ser considerada agente da CIA.
Este
senhor é um dos agentes da degradação dos direitos democráticos.
Atenção! Yoani teria o direito de falar o que bem entendesse, ainda que
fosse favorável ao embargo; Yoani teria o direito de falar o que bem
entendesse, ainda que fosse favorável à existência da base de
Guantánamo, com seus respectivos prisioneiros; Yoani teria o direito de
falar o que bem entendesse, ainda que fosse favorável à prisão dos cinco
cubanos nos EUA.
Suplicy
está tentando demonstrar aos brucutus de esquerda que a cubana não é
assim tão má; que ela não é uma “conservadora”, que ela não é “uma
direitista”, que ela não é “uma reacionária”. EU TAMBÉM ACHO QUE ELA NÃO
É NADA DISSO, MAS É UM ABSURDO QUE SE EXIJA DELA QUE PROVE NÃO SER NADA
DISSO. ESPECIALMENTE QUANDO ELA TEM O DIREITO DE SER TUDO ISSO, SE
QUISER, MANTENDO O DIREITO À PALAVRA! A blogueira cubana foi alvo, há
algum tempo, de um delinquente francês disfarçado de jornalista chamado
Salim Lamrani. Ele a entrevistou — na verdade, mais a ofendeu do que
outra coisa — para demonstrar que é, sim, uma agente da CIA ou algo
assim. Suplicy já cobrou de Yoani em outras circunstâncias que
demonstrasse que aquele bandido intelectual estava errado, que se
explicasse.
EM SUMA, SUPLICY ESTÁ COLADO A YOANI PARA, NA PRÁTICA, FAZER
A DEFESA DO REGIME CUBANO.
E Gilberto
Dimenstein na conversa? Qual é a sua ligação com essa história toda?
Quem o escalou? A Editora Contexto? Não! Não estava nem estou me
oferecendo — antes que as Parcas da desqualificação comecem a vomitar…
Trata-se de mais uma tentativa para, digamos, enfraquecer e edulcorar a
imagem de Yoani como uma adversária do regime. O chefe do onguismo
politicamente correto — divulgador, em larga medida, da mesma visão de
mundo que hostiliza Yoani — vai conversar com ela por quê? Por que não
um Demétrio Magnoli, por exemplo? Não, não estou sugerindo alguém da
minha “igreja de pensamento”.
Em matéria de pensamento, minha religião
tem um só fiel: eu! Em matéria de política internacional, mais
discordamos do que concordamos — aliás, é bem provável que só
discordemos. Eu defendo, sim, o embargo a Cuba, ainda que ele seja
irrelevante (é provável, não me lembro, que Demétrio seja contra). No
que diz respeito à política americana, somos água e óleo; ao Oriente
Médio e à Primavera Árabe, idem. Quando o assunto é Obama, então, a
divergência vai ainda mais longe. Mas Demétrio é da área e foi uma das
primeiras pessoas no Brasil a se interessar pela atuação de Yoani.
O
livro “De Cuba, com Carinho”, tem um posfácio de sua autoria, de 37
páginas.
O que pretendem?
Que Suplicy continue a fazer testes
ideológicos com a blogueira e que Dimenstein a trate como uma espécie de
ciclista das liberdades democráticas? Tenham paciência! “Olhem o
Reinaldo, que reclama da intolerância, sendo intolerante.” Não! Olhem o
Reinaldo escrevendo o que pensa, sem gritar, sem xingar, sem impedir
ninguém de falar. Eu não vou comparecer à Livraria Saraiva para dirigir
impropérios contra Suplicy e Dimenstein.
Yoani: cronista do cotidiano e guia turística?
Pode não parecer, mas há, então, uma patrulha original, prévia,
que já buscou enquadrar a imagem de Yoani num determinado figurino para
não ofender os “companheiros cubanos”. E por que acho que a Editora
Contexto está nessa? Vejam esta imagem. É a contracapa do livro “De
Cuba, com carinho”. Contracapas são escritas sempre pelos editores,
nunca pelos autores. Vejam o que vai ali. Volto em seguida.
Por que
destacar que ela é “alguém que não quer que conquistas obtidas nas
últimas décadas sejam jogadas fora”??? Ora, e por que quereria? Quem
seria idiota o bastante para dizer: “Ah, isso que temos aqui é bom, mas,
como queremos mudar o regime, então vamos dizer que é ruim”? Yoani não é
a petista de sinal trocado de Cuba. Seja lá a que conquista o texto
queria se referir, trata-se de uma boçalidade. Não é a pior. Na última
linha do primeiro parágrafo, a Contexto manda bala: “Mas ela não escreve sobre política”.
Não???
Dispenso-me de repetir o clichê de que tudo é política. Não preciso ser
genérico assim. Reproduzo páginas de seu livro para que vocês avaliem se
Yoani é, assim, mera cronista do cotidiano ou, sei lá, guia turística.
Até onde acompanhei, a Contexto se encarregou de inventar uma Yoani mais
palatável ao regime cubano e às esquerdas xexelentas brasileiras,
embora isso tenha resultado inútil. Os brucutus não se interessam por
matizes. Abaixo, reproduzo uma página do seu livro (imagem logo abaixo) e
uma do posfácio de Magnoli (a seguinte). Volto para encerrar.
Voltei
Se a Contexto estiver certa e se isso não for política, é o
quê? Culinária? Turismo? Um tratado sobre metafísica? A vinda da
blogueira cubana ao Brasil está sendo útil para demonstrar também a
nossa miséria intelectual.
Em Cuba, ao menos, há quem resista à ditadura
— e Yoani é uma dessas pessoas. No Brasil, embora as leis estejam aí
para assegurar o direito à divergência, cada vez mais se procura a
ditadura do consenso.