Numa entrevista que concedera em fevereiro, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) vaticinara: “O Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão”.

Decorridos cinco meses, o senador acha que a realidade ultrapassou as suas previsões: “As coisas que afloraram são mais espantosas do que eu imaginava”.

Dissidente do PMDB, Jarbas acha que José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL), mandachuvas de seu partido, estão “debochando do Senado e do país”. E faz uma nova previsão:

“A presidência de Sarney não chega ao final”. Acha que a gestão do atual presidente do Senado “será abreviada por estrangulamento”.

Vai abaixo a entrevista que o senador concedeu ao blog:

- O recesso parlamentar vai atenuar a crise?

Não. A crise é muito grave. Não é coisa que arrefeça em duas semanas. Ao contrário. O azedume vai se acentuar. Quando recomeçarem os trabalhos, em 3 de agosto, a crise volta com toda a dureza.

- De onde vem essa convicção?

Vem dos fatos que ocorreram antes do início do recesso. Houve muito deboche. Esse deboche vai ser exasperado, atiçando os ânimos.

- A que deboche se refere?

Eu me refiro à representação governista, especialmente a do PMDB, no Conselho de Ética e à pessoa escolhida para presidir o colegiado [senador Paulo Duque].

- O que achou da escolha de Paulo Duque (PMDB-RJ) para presidir o conselho?

É parte do deboche. O fato de ele ser segundo suplente diz muito sobre o que se passa no Senado. É um homem limitado, figura inexpressiva. Não tinha atuação nenhuma no Senado. Demonstrou todo o seu despreparo na sessão de instalação da CPI da Petrobras. No Conselho de Ética será pior. Não há outra palavra para definir o quadro. É um deboche.

- Quem está por trás do deboche?

O Renan, mas não só ele. Essa composição do Conselho de Ética tem o beneplácito de Sarney. Se ele tivesse bom senso, teria evitado isso. Foge do razoável que o Sarney queira ser protegido dessa forma.

- Renan e Sarney debocham de quem?

Eles debocham do Senado e, por consequência, do país. Até onde vai esse deboche eu não sei.

- Em entrevista à Veja, o sr. dissera que Sarney transformaria o Senado num grande Maranhão. Achava que chegaria a tanto?

Não. Nunca imaginei que as denúncias fossem se avolumar nessa proporção. Imaginava que não iríamos progredir na reforma do Senado. Achava que a estrutura permaneceria a mesma, que teríamos de continuar aturando o Agaciel [Maia]. As coisas que afloraram são mais espantosas do que eu imaginava.

- Mantém as ressalvas que fazia ao PMDB?

Minhas ressalvas se agravaram. Os atos praticados agora são muito mais debochados do que os que ocorreram na crise do Renan, há dois anos.

- A crise Sarney é pior do que a crise Renan?

Muito pior, mas muito mesmo.

- Por quê?

Os fatos agora envolvem o presidente da Casa de maneira mais avassaladora. E o exercício do deboche, há dois anos, era mais contido. Agora, passamos do deboche para o achincalhe. É como se eles quisessem pagar para ver. Estão esquecendo que a crise exerce efeitos sobre os senadores também durante o recesso.

- Que efeitos?

Não vai ser fácil percorrer as ruas ouvindo gracejos. Na antevéspera de uma eleição, isso obviamente terá efeitos.

- A crise contamina todos os senadores?

Sem dúvida. Todos pagam o pato. Mesmo os que não têm responsabilidade nenhuma. A aversão ao Senado e à classe política é transferida para todos.

- Quantos senadores vão às urnas?

Dois terços do Senado –54 senadores—estão na ante-sala da eleição. O desgaste pode não grudar em Lula, mas cola no PT e nos senadores governistas que defendem Sarney. O receio de todo mundo é o de que o eleitor decida não votar nos atuais detentores de mandato. Quanto maior o deboche, maiores as problemas dessa gente.

- Acha que há mesmo uma indignação popular?

Ela existe e é grande. Mas poderia ser muito maior. A mídia tem exercido um papel mais contundente do que qualquer partido ou parlamentar.

- Que desfecho prevê para a crise?

Não vejo disposição no Sarney para se afastar. Ele tenta atribuir normalidade a um quadro completamente anormal.

- Qual será o desfecho da crise?

A conjuntura aponta para o imponderável. Nada será favorável a Sarney. Ele esteve na bica de renunciar. Quem o segurou na cadeira foi o Lula.

- O apoio de Lula salvou a presidência de Sarney?

Não. Lula apenas deu uma sobrevida a Sarney. Não acredito na permanência de Sarney na presidência do Senado.

- Acha que a gestão Sarney não chega ao final?

Não. Ele se desconectou da realidade. Acha que as denúncias chovem no molhado. Acredita que, por ter sido presidente da República, está acima de tudo. Mas não há ambiente para a continuidade dele no comando da Casa. A presidência de Sarney não chega ao final.

- Como interromper a gestão de alguém que não se dispõe a renunciar?

Vamos chegar a uma situação de impasse total. Senadores independentes podem decidir não votar mais nenhuma matéria sob a presidência dele. Partidos como o DEM e o PSDB podem fazer o mesmo. Pode-se chegar a um impasse que tornará a saída de Sarney inevitável.

- É coisa para logo?

Não é possível dizer se ocorrerá logo. Mas vai acontecer. Dias atrás, o desfecho parecia uma questão de horas. O que ninguém esperava é que o Lula fosse fazer uma defesa tão contundente do Sarney. Adiou-se o problema. A presidência de Sarney será abreviada por estrangulamento, não por vontade dele.

- Não está exagerando?

Não creio. Vejo a perspectiva de chegarmos a um impasse tal que a saída dele será inevitável. Li no seu blog que Sarney deu graças a Deus pelo início do recesso. Imaginar que duas semanas vão amainar essa crise é de uma infantilidade inacreditável.

- Como avalia o papel do PT na crise?

O PT errou muito. Sua bancada convive com o incômodo de ter tomado a posição correta e depois ter mudado de rumo por conta da interferência de Lula.

- Continua achando que o PMDB quer mesmo é cavar negócios na máquina estatal?

Sem dúvida. Utilizam-se os mandatos para abrir caminho para negócios e safadezas no governo.

- Por que não deixa o partido?

Por falta de opção. Só posso pensar em mudar de partido se tivermos uma reforma política séria e decente. Até lá, prefiro ficar como dissidente no PMDB, sinalizando para a minha base e para a opinião pública do país que o meu PMDB não é esse. O meu PMDB é decente, correto, sem safadezas.