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domingo, 12 de julho de 2009

ESQUENTAMENTO DE CURRÍCULO 2

continuação do post acima

ESQUENTAMENTO DE CURRÍCULO

A Experiência de um Ghost Writer

Por Waldo Luís Viana*

“As pessoas inteligentes têm um direito sobre as ignorantes; o direito de instruí-las.” (Ralph W. Emerson)

Sei muito bem que, num país como o Brasil, vergado pelos vícios da cultura latina e portuguesa, afirmar que consegui escrever “originalmente” em quase 30 especialidades, ao invés de me trazer medalha ou diploma de “notório saber”, poderia me conduzir à sanha vingativa de algum invejoso opositor, pronto a me denunciar como impostor e tentando me jogar no primeiro camburão!

Não tenho culpa, entretanto, de ter sido procurado por centenas de estudantes, sem tempo ou não!, preocupados em cumprir as exigências de seus cursos e que conseguiram, por mérito próprio, receber os merecidos graus. Sim, porque não fiz concurso por nenhum deles, nem apresentei trabalhos diante de comissões avaliadoras. Abençoando-os com paciência, de longe, sempre me limitei a sorrir...

Cumpre notar, ainda, que os trabalhos acadêmicos produzidos por eles muitas vezes são arquivados nas bibliotecas universitárias, à disposição das traças, sem reverter em qualquer contribuição útil para o panorama científico e cultural do povo brasileiro.

Servem somente como crédito suplementar para a colação de grau e mais nada! Após o ato, o estudante liberta-se da subserviência em relação ao orientador metido a sábio e pode prosseguir na vida, escolhendo atividade laboral própria ou tornando-se até novo professor, repetindo todo o funesto ciclo descrito até aqui.

Nossas universidades, infelizmente, são centros repetidores de cultura e vaidades, não tendo recebido, por causa disso, nenhum prêmio Nobel, o que é fato grave num país desse tamanho, com saúde e educação quase perfeitas, como temos exaustivamente ouvido de nosso presidente, erudito e guia...

Quando nos reportamos, por outro lado, ao tal currículo Lattes, uma invenção que procurava, na origem, selecionar uma elite de mestres e doutores acima dos abafados mortais, aí então percebe-se a tendência aos abusos em relação à credibilidade que tais relatos deveriam manter junto à sociedade civil.

Jamais quis fazer mestrado ou doutorado no Brasil, por conhecer como as peças se movimentam, embora tenha sido convidado para cursar doutorado em jornalismo no exterior (na Suíça) e guardo os documentos comprobatórios comigo, porque conheço muito bem, no lombo, a maldade alheia, principalmente a pior de todas: a intelectual...

Quanto às novidades recentes com respeito aos enganos de alguns políticos sobre os próprios feitos intelectuais – obviamente eles não sabiam de nada sobre o esquentamento de seus currículos – não se fala em falsidade ideológica, porque está na moda dizer que eles não são pessoas comuns nem que haverá qualquer consequência legal sobre suas tão suaves mentiras acadêmicas! Nesse sentido, essas figurinhas carimbadas continuarão sendo mesmo gênios da raça!

Todos sabem que um mestrado ou doutorado só se conclui com as dissertações (sempre dedutivas) ou as teses (que podem ser dedutivas ou indutivas). Hoje em dia, os trabalhos enxundiosos (com mais de trezentas páginas e cheios de citações) estão inclusive fora de moda, porque as comissões avaliadoras desconfiam da falsa erudição dos candidatos.

Se o cara sabe ou não sabe, pode exibir ou não a própria “sabedoria” em mais ou menos cento e cinquenta páginas, lembrando a recomendação de Jorge Luís Borges, que afirmava que livro com mais de duzentas páginas mereceria ser lido com relativa desconfiança...

Poder-se-ía afiançar também que minha atividade de ghost writer é fruto da indigência de nosso quadro educacional, com o que concordo plenamente. Sou um profissional-meio, alcançado pelos desesperados e espertos, em virtude da injusta situação de nossa vida acadêmica: acesso difícil dos não aquinhoados a cursos universitários, ricos nas universidades públicas, pobres, como sempre, nas privadas, faculdades mal aparelhadas e professores mal preparados e pagos – tudo conflui para que o bacharelado, o mestrado e o doutorado sejam nichos de falsos operadores de ciência e de vaidades inchadas e imerecidas!

Muitos poderiam dizer, ainda, que pratiquei plágios e contrafações em meus escritos. Pura mentira de despeitados! Na verdade, sempre escrevi o que estudei e produzi textos originais, livremente cedidos, mas jamais desejei, em meu trabalho, reinventar a roda.

Assim, basta utilizar as expressões: “segundo, conforme e de acordo com” e prosseguir nas citações infindáveis de pensadores circulares, que repetem, por responsabilidade, os medalhões nas respectivas áreas de estudo.

Esse medo coletivo de ousar e inovar os conduz, em última análise, a concluir cursos, alcançar os graus e manter os empregos na comunidade acadêmica, que é corporativa, conservadora e dura! Afinal, nas áreas do conhecimento em que não se inova nada e se pesquisa muito pouco – os mestrandos e doutorandos bem o sabem – basta repetir, de outro modo, o que ensinam os “medalhões”. É mais seguro!

Nossas autoridades é que, ao esquentarem os currículos para fingir competência, continuam na repetitiva atividade de enganar os eleitores, dilatando a própria vaidade rumo às próximas eleições, embora o povo, na verdade, não se interesse por diplomas, o que já está sobejamente comprovado.

Os estudantes e postulantes aos canudos, por seu turno, só desejam colar rapidamente os graus, apenas para se livrarem dos altos custos das mensalidades e do mandonismo beócio de alguns professores. Nem sentirão saudades daquele período de enormes gastos para obter certificados, vez que entendem bem o quanto estarão distanciados das realidades do mercado. Sabem, de fato, o quanto as universidades estão longe da sociedade brasileira real!

Na verdade, esquentar currículo, no Brasil, é semelhante à lavagem de dinheiro: trabalho para candidatos espertos, especialistas em ganhar eleições, porque tais figuras só precisam de malícia, vaidade e ambição, ingredientes jamais medidos pelas agruras da vida acadêmica!

Hoje, após tantos anos de serviço à clientela acadêmica, molhando papel com tinta, prefiro escrever livros e estou me especializando mais nisso. É mais tranquilo, porque os estudantes brasileiros são muito estressados e imediatistas. A clientela de livros é, porém, mais alta e refinada, além de não me procurar com o espírito predisposto e perturbado das autoridades especializadas em forjar currículos: à beira de um ataque de nervos...

*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e livrou-se do fome-zero e do bolsa-família exercitando a nobre arte de escrever...

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