Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

sábado, 10 de junho de 2017

As incoerências do julgamento que absolveu a chapa Dilma-Temer


No julgamento mais importante de sua história, o Tribunal Superior Eleitoral rachou. E Herman Benjamin aproveitou para expor as contradições que levaram à absolvição



FLÁVIA TAVARES COM REPORTAGEM DE MATEUS COUTINHO
Revista Época
O ministro Herman Benjamin proferia seu voto havia mais de 14 horas. Recuperando-se de uma pneumonia, Herman secava a testa com um lenço. Tossia. Tomava fôlego. E prosseguia. Era a quarta sessão do julgamento da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. A primeira fora na noite de terça-feira. A manhã de quarta-feira e todo o dia de quinta-feira também foram dedicados a isso. Ao abrir a sessão de sexta-feira, o presidente do TSE, Gilmar Mendes, expressara seu desejo de encerrar o julgamento até o começo da tarde. Tinha urgência. Esperava que o relator encerrasse seu voto e os outros seis ministros proferissem os seus. Perto das 11 horas, o ministro Luiz Fux passou um bilhetinho a Herman, solicitando que o relator, interrompido dúzias de vezes, acelerasse. Herman brincou que não confiava naquela conta das 14 horas, porque se tratava de um cálculo “não periciado”. Gilmar retrucou que, hoje em dia, “até fita sem perícia vale” – numa referência à gravação da conversa entre Joesley Batista, da JBS, e Michel Temer. “Vejam que ele estava calmo até aqui”, reagiu Herman. Todos riram. O chiste embrulhou a gravidade do que se desenhava naquele plenário. A Corte estava dividida. De um lado, Herman, Luiz Fux e Rosa Weber decidiam por manter as provas e os depoimentos da Odebrecht em suas considerações e, assim, tender à cassação da chapa. De outro, Gilmar, Napoleão Nunes Maia, Tarcísio Vieira e Admar Gonzaga por excluí-las e, consequentemente, absolver a chapa – absolver, acima de tudo, Temer. O 4 a 3 encaminhava a absolvição, consumada na noite da sexta-feira, dia 9.

O relator: o ministro do Herman Benjamin. Ele foi incansável e detalhou com minúcias as provas contra a chapa Dilma-Temer (Foto: Sérgio Lima/ Época)


Apesar de abatido, Herman foi o único dos ministros a permanecer no plenário durante todo o julgamento. Ele pediu apenas um breve intervalo ao meio-dia da sexta-feira – e foi cobrado pelos colegas, que, por sua vez, deixavam o plenário constantemente. Alguns ministros iam para a sala atrás do pleno, outros ficavam em pé na própria tribuna, como foi o caso de Napoleão, o que mais se levantou para conversar com assistentes. O estilo imperturbável do relator, que falou de forma lenta e pausada por tanto tempo, incomodou ministros e advogados. Novamente, embalou-se o aborrecimento com piadas. No café dos ministros, atrás do plenário, um deles provocou: “Vou votar com ele só para ele parar de falar”. Outro brincou que Herman tenta estender sua estada no TSE (seu mandato termina em outubro). Alheio à zombaria, Herman não teve pressa. Estava decidido a expor cada minúcia das provas, vindas da Odebrecht ou não, colhidas em dois anos e meio de processo. E a arrancar dos demais ministros as eventuais incoerências de suas posições.
É preciso moderar a sanha cassadora, porque se coloca em jogo o valor
do mandato, da manifestação popular”
Gilmar Mendes, que não foi tão enfático contra a sanha cassadora em seu voto de 2015

Herman, paraibano de Catolé do Rocha, especialista em Direito do Consumidor e Ambiental, apaixonado por dar aulas, assumiu a relatoria do caso em agosto do ano passado. Desde então, imprimiu celeridade às apurações, acompanhou pessoalmente dezenas de depoimentos e trabalhou discreta e incessantemente. Herman confessou algumas vezes ao longo do julgamento que preferia não ter sido o relator dessa ação. Que prefere o anonimato. Mas não se furtou a consumir 16 horas para ler um resumo de seu relatório de mais de 1.000 páginas, ler seu voto e exibir tudo que averiguara ao longo destes meses. Tudo que quatro de seus colegas optavam por ignorar.

Os ministros que se alinharam no enfrentamento a Herman foram Gilmar, Napoleão, Admar e Tarcísio. Gilmar Mendes se notabilizou por sua verborragia antipetista. Nunca escondeu suas preferências ou sua intensa atuação política. Desde que Temer assumiu a Presidência, Gilmar agiu como uma espécie de conselheiro informal do novo governo. Em nome de uma amizade antiga, dizem os dois, encontraram-se, fora da agenda oficial, ao menos oito vezes desde maio do ano passado. Napoleão Nunes Maia, por sua vez, está acostumado a antagonizar com Herman no Superior Tribunal de Justiça, de onde ambos são oriundos. Seu voto contra a cassação da chapa era fava contada no Planalto. Enquanto transcorria o julgamento, seu sobrinho, Luciano Nunes Maia, era aprovado pelo Senado para uma vaga no Conselho Nacional do Ministério Público. Napoleão aparece em pelo menos uma delação premiada. O advogado Francisco Assis e Silva, da JBS, disse a procuradores que conversou com Willer Tomaz, ex-advogado do grupo, e que Willer relatou ter pedido uma interferência de Napoleão a favor da empresa. Assis disse que Napoleão atendeu ao pedido. O ministro negou veementemente na primeira parte de seu voto, no plenário.

Quando o colegiado decidiu reabrir a coleta de provas em abril, o governo ganhou tempo para nomear dois ministros, no lugar de outros dois que se aposentariam. Admar, que assumiu a vaga de Henrique Neves, atuou na criação do PSD, partido fundado por Gilberto Kassab, hoje ministro de Temer. Em 2010, foi consultor da campanha de Dilma e Temer. Tarcísio Vieira entrou no lugar de Luciana Lóssio e foi advogado de vários partidos, como PT, PMDB e PSDB. Ambos eram vistos pelo Planalto como armas a seu favor no processo. E assim o foram.
A dança com Gilmar

Herman enfrentou Gilmar Mendes e seus seguidores com marcante serenidade. Não alterou o tom de sua combalida voz. Não perdeu a linha. De saída, encurralou os demais. “Não obstante as profundas alterações do quadro político, os fatos e as leis continuam os mesmos. Estou convencido de que tampouco mudou a forma de julgar ou a têmpora dos ministros do TSE. Nós, juízes brasileiros do TSE ou de qualquer instância da magistratura brasileira federal ou estadual, julgamos fatos como fatos, e não como expedientes políticos de conveniência oscilante.” Com Gilmar, Herman protagonizou os embates mais ríspidos. Porque foi a incoerência de Gilmar a que Herman mais se dedicou a explicitar. Para isso, Herman recorreu sem miséria ao voto proferido por Gilmar em outubro de 2015. As ações pela cassação da chapa Dilma-Temer adormeciam no tribunal. A então relatora dos casos, Maria Thereza Assis, arquivara os pedidos do PSDB em fevereiro daquele ano, alegando falta de provas para abrir uma investigação. A pressão pelo impeachment de Dilma cresceu e Gilmar agiu para levar ao pleno um recurso do PSDB que pedia a reabertura dos casos. Gilmar proferiu um voto claro e contumaz pela reabertura das ações. Sabia que uma investigação no TSE seria um fator a mais de instabilidade do governo Dilma. Ao perceber que agora, usando o argumento da instabilidade que uma cassação da chapa poderia causar, Gilmar seria pela absolvição de Temer, Herman esfregou a contradição quanto pôde na toga do colega.

O PRESIDENTE
O ministro Gilmar Mendes. Ele agiu para reabrir a ação em 2015. Agora, ele
diz que se deve levar em conta a “instabilidade” política

(Foto: Sérgio Lima/ Época)


Herman repisou o voto de Gilmar ostensivamente. Ainda na noite de terça-feira, o relator avisou o presidente que faria “dezenas de citações” de seu voto de 2015. Sagaz, Herman passou a chamá-lo de “nosso voto”. E o que o tal voto apregoava? Gilmar versou sobre a necessidade de chegar à “verdade dos fatos” dos crimes cometidos pela chapa. Naquele momento, quando Dilma ainda era presidente, Gilmar liderou uma dissidência, por 5 a 2, para que o TSE unisse as quatro ações contra a chapa Dilma-Temer num só processo – precisamente um chamado de “investigação eleitoral”. O Gilmar de 2015: “A referida conduta relatada na inicial e acompanhada de mínimo suporte probatório pode sim qualificar-se como abuso do poder econômico, o que, a meu ver, justifica a necessária instrução do feito, em busca da verdade dos fatos, respeitando as garantias do contraditório e da ampla defesa”. Agora, o presidente da Corte, o Gilmar de 2017, dava sinais de que a verdade dos fatos não é mais importante do que a instabilidade política que uma eventual cassação causaria.


Herman não estava disposto a deixar Gilmar sair impune. Ao usar trechos do voto do colega, não esperava que Gilmar mudasse sua posição. Mas sabia que poderia irritá-lo e constrangê-lo. Quando Gilmar ponderou que o ímpeto de cassar candidatos eleitos não pode ser exagerado e que o Tribunal Eleitoral cassa hoje mais do que cassavam políticos na ditadura, Herman desancou o colega, elegantemente: “Mas na ditadura os cassados eram a favor da democracia. O TSE cassa hoje quem é contra a democracia”. Gilmar se diz hoje um severo crítico da “sanha cassadora” de mandatos. Não disse isso no voto de 2015. Naquele momento, Gilmar até ressaltava que adota “posição restritiva” quanto a cassações. Mas, em seguida, argumentou que tal “posição minimalista” não poderia “fulminar” a ação proposta pelo PSDB, que se baseava em provas que deveriam ser investigadas pela Corte. Em 2015, Gilmar criticava com ressalvas o ímpeto de cassar. Agora critica o ímpeto de cassar, ponto.

Outra discórdia entre Herman e Gilmar era a ampliação da “causa de pedir”. O que estava em discussão era se Herman, ao incluir os depoimentos dos executivos da Odebrecht e as provas apresentadas por eles, além dos depoimentos de João Santana e Mônica Moura, extrapolava o que o PSDB solicitava em sua petição inicial, de 18 de dezembro de 2014. A questão era capital porque sem esses depoimentos e provas o voto pela cassação da chapa se enfraqueceria. Herman insistia em que a petição inicial, ao falar em “financiamento de campanha mediante doações oficiais de empreiteiras contratadas pela Petrobras como parte da distribuição de propinas”, abrangia a Odebrecht e suas relações espúrias com a chapa Dilma-Temer. Além disso, argumentou o relator, os autores da ação solicitavam na inicial cópia dos inquéritos referentes à Operação Lava Jato – toda ela. Assim, para Herman, as revelações trazidas pelos executivos da Odebrecht estariam incluídas nesse pedido.

Para completar, a decisão da Corte em 2015, liderada por Gilmar, dava aval à instrução tocada por Herman. Naquele ano, quando Gilmar votou pela reabertura das ações, ele disse que era a favor de investigar como fora financiada a chapa e se o dinheiro era oriundo de propina da Petrobras. “Não se cuida em transportar para o Tribunal Superior Eleitoral análise de todos os fatos apurados na Operação Lava Jato”, dizia Gilmar, argumentando que essa não era a competência do TSE. “Busca-se tão somente verificar se, de fato, recursos provenientes de corrupção na Petrobras foram ou não repassados para a campanha presidencial.” Herman destacou uma passagem específica nesse quesito para expor a contradição de Gilmar. Há dois anos, o presidente da Corte disse que era “desnecessário qualquer esforço jurídico-hermenêutico para concluir que recursos doados a partido, provenientes, contudo, de corrupção, são derramados (também!) nas disputas eleitorais, mormente naquela que exige maior aporte financeiro, como a disputa presidencial”. Gilmar dizia que havia fortes indícios, apontados na petição inicial, que trazia trechos do depoimento de Paulo Roberto Costa à Lava Jato, de que dinheiro de propina da estatal abastecera a campanha.

Agora, o “esforço jurídico-hermenêutico” de Gilmar é para dizer que as provas colhidas de março para cá, no que diz respeito à Odebrecht, “matriarca entre os elefantes da manada” na corrupção da Petrobras, não valem. Mais adiante, Herman mostraria ainda a inconsistência de Gilmar ao sugerir que nada colhido de março em diante deveria valer. No dia 4 de abril, o caso foi a julgamento pela primeira vez. A composição do colegiado ainda contava com Henrique Neves e Luciana Lóssio. Por unanimidade, com Gilmar presidente, decidiu-se reabrir a coleta de provas – para se incluírem os depoimentos de João Santana e Mônica Moura. Agora, a turma de Gilmar queria excluí-los.

O CHILIQUEO ministro Napoleão Maia. Ao rebater acusações de que favorecera empresas, ele vociferou contra a imprensa e delatores
(Foto: Sérgio Lima/ Época)



Na manhã de quarta-feira, Gilmar voltou a dizer que a busca pela “verdade real” no processo tem de encontrar limites, sob pena de ter de incluir cada fato novo que surgir enquanto não se encerra o processo. “Agora Vossa Excelência tem mais um desafio: manter o processo aberto e trazer a delação da JBS e talvez na semana que vem do [ex-ministro Antonio] Palocci. Para mostrar que o argumento de Vossa Excelência é falacioso”, exaltou-se Gilmar. Ao argumentar que as notícias da crise não poderiam mover a ação ao infinito, Gilmar não mencionou que, em 2015, dizia que “o noticiário diário reforça o suporte probatório mínimo constante destes autos”. O próprio Gilmar admite agora, reprimindo uma imaginária modéstia, que, não fosse por seu esforço, a ação pela cassação provavelmente já teria derretido na Corte. “Esta ação só existe graças a meu empenho, modéstia às favas. Vossa Excelência só está brilhando no Brasil todo, na TV, graças a isso”, disse Gilmar a Herman. “Processo em que se discute condenação, em qualquer natureza, não tem e não deve ter nenhum glamour pessoal”, o relator replicou. No dia seguinte, Gilmar retomou os trabalhos com uma declaração de imensa amizade por Herman, de mais de três décadas, emotivo com “tudo que já passamos, como a viagem a Águas de São Pedro, de monomotor”. Briga de faca embalada em cordiais “data venia, Vossa Excelência”.


A divisão da corte

O ministro Napoleão Nunes Maia tumultuou o início da sessão de quinta-feira. Embora Herman tivesse pedido repetidamente que queria ler todo o seu voto antes que os demais decidissem sobre a inclusão ou não das provas da Odebrecht, Napoleão queria que isso fosse resolvido logo. Ele, Admar e Tarcísio se posicionaram de um lado; Rosa e Fux de outro. Nenhuma mudança clara no roteiro. Fux, defensor voraz de Herman nas sessões, fez um chamamento firme aos colegas. “Nós somos uma Corte. Avestruz é que enfia a cabeça no chão.” Com a maioria formada pela exclusão das provas, o exercício era assistir a cada ministro justificando sua posição.

O clima na sessão da sexta-feira era de decisão tomada. Às 8h50, o advogado Gustavo Guedes estava só no plenário de cadeiras vermelhas. Primeiro a chegar ao último dia de julgamento, o defensor de Michel Temer dirigiu-se à fila do gargarejo, de frente para o púlpito onde logo estariam os ministros. O assento estampava uma placa retangular dourada com o número 13. “Ironia, meu lugar é o 13. Sentei-me aqui todos os dias”, diz, referindo-se ao número do PT. Abordado em seguida pelo colega Flavio Caetano, que defende a petista Dilma Rousseff, comenta a coincidência do assento. “Não é coincidência, é coerência. O Michel também fez assim e hoje é 13, é coerência”, retruca Caetano. Ambos caíram na gargalhada. Os destinos estavam imbricados.
Eu recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão” Herman Benjamin, ao pedir que os colegas não ignorassem provas colhidas no processo

Herman, com muita paciência, seguiu desnudando as contradições alheias. O ministro lembrou que cada passo que tomou no processo o fez respaldado pelos colegas, que jamais o contestaram no caminho. Como relator, colheu depoimentos que o colegiado decidiu que deveriam ser colhidos. Produziu provas que os ministros que as pediram agora queriam excluir. “Quem quiser rasgar as investigações que o próprio tribunal determinou que o faça sozinho”, disse Herman. Foi então que Herman armou sua arapuca. Insistiu com Gilmar e com os demais se a questão era, então, excluir somente Odebrecht. Ouviu dos colegas que sim. A armadilha seria acionada mais adiante. A discussão jurídica seguinte foi a da avaliação que se faria das doações recebidas pela chapa Dilma-Temer. Herman foi claro: não é possível para o TSE avaliar somente caixa um. Isso tornaria a Corte inócua. Herman falou dirigindo-se ao ministro Admar Gonzaga. “Olho para o ministro Admar porque [ele] disse que só iria examinar caixa um e que o caixa dois não estaria na petição inicial. Então, boa sorte no momento em que Vossa Excelência for examinar apenas caixa um.” Admar contestou, furioso. “Não adianta fazer discurso para a plateia para constranger seus colegas. Vossa Excelência está com aura de relator, querendo constranger seus colegas.” Herman, plácido, replicou. “Nossos votos constrangem – ou não – a nós próprios.” (Mais adiante, numa discussão sobre como saber se o dinheiro de uma campanha era fruto de propina ou não, Fux disse que quem ganha 20 mil e tem 600 mil na conta e não sabe de onde veio tem no mínimo cegueira deliberada. Admar retrucara: “Pode ser alguém como eu. Eu não olho meu saldo”.)

Conforme Herman finalmente leu seu voto, depois de discutidas todas as questões preliminares, a arapuca armada mais cedo foi ficando mais evidente. Herman construiu boa parte de sua argumentação sem usar as provas e os depoimentos da Odebrecht. Examinou falas de Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef, Sérgio Machado. E de Zwi Skornicki. Foi ele quem primeiro relatou o pagamento, em caixa dois, a João Santana e Mônica Moura no exterior. Valor: US$ 5 milhões. Em 2014. Foi o próprio Herman quem disse: “Nada a ver com Odebrecht. Mas confirmado pelos depoimentos dos marqueteiros. O que a Corte vai fazer com esses depoimentos de Mônica Moura e João Santana, que a própria Corte mandou colher?”. O relator revelava, aqui, mais uma enorme contradição dos colegas da Corte. “Essa seria uma decisão memorável se esta Corte extirpar os depoimentos autorizados por esta Corte, ou, pelo menos, pela maioria que está aqui”, disse Herman.

O ADVOGADOO ministro Admar Gonzaga. O Ministério Público queria que ele fosse impedido de julgar por ter advogado para a chapa Dilma-Temer em 2010
(Foto: Sérgio Lima/ Época)


Por longas horas, o relator elencou três episódios que, sem Odebrecht, seriam suficientes para a condenação da chapa: o pagamento de propina com recursos da Petrobras aos partidos oriundo de contrato com empreiteiras, o pagamento de US$ 5 milhões aos marqueteiros e propinas a partidos decorrentes de contratos de sondas da Sete Brasil. Os colegas estavam emparedados.


Herman finalmente passou a ler o trecho de seu voto em que analisava as provas provenientes dos executivos da Odebrecht. Admar, que se sentira tão constrangido na véspera, pôs-se a atacar o relator. Insinuou que Herman estava incluindo trechos inverídicos dos depoimentos de Marcelo Odebrecht e o acusou de não ter distribuído cópias de seu voto aos colegas propositadamente. Herman ficou boquiaberto. Mas rebateu que Admar devia ler os autos, e não votar baseado na opinião dos colegas. “Os depoimentos todos estão à disposição dos brasileiros”. Herman se orgulha muito de ter aberto os autos na internet e mencionou isso várias vezes. Admar aquietou-se. Ele voltaria a ocupar os holofotes na retomada da sessão na tarde da sexta-feira. Herman já encerrara sua leitura, e a sessão prosseguiria para o voto dos demais ministros. O vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, apresentou um pedido de suspeição de Admar, porque ele advogou para a chapa Dilma-Temer em 2010. Gilmar Mendes, que já expressara seu descontentamento com o Ministério Público ao insinuar, sem nenhuma prova, que procuradores estavam combinando versões com delatores da JBS, ficou enfurecido. Exigiu respeito de Dino. Por unanimidade, os ministros rejeitaram o pedido. Ao iniciar seu voto, Admar disse que “engana-se quem acha que eu estou constrangido. Eu estou honrado de ser advogado”.
O medo de Napoleão

Em um ponto da longa sessão da quinta-feira, o ministro Napoleão dissera que, ao defender que juízes não só podiam, como deviam incluir provas relevantes nos autos, Herman assustava a magistratura. Napoleão afirmou que colegas do Ceará ficaram com medo – “o tal do medo líquido”, disse, em referência ao sociólogo Zygmunt Bauman. Com muita ironia, Herman perguntou: “Ficou com medo, Napoleão?”. Gilmar e Napoleão, em momentos distintos, também questionaram com veemência a validade das delações premiadas e do que dizem os delatores. Depois que Herman disse que a delação de Sérgio Machado era uma aula de história da corrupção, por exemplo, Gilmar respondeu, com deboche, que Machado se beneficiara de um dos mais generosos acordos de delação de que se tem notícia. Formava-se ali uma voz uníssona entre Gilmar e Napoleão de crítica às colaborações premiadas firmadas pelo Ministério Público e homologadas pelos juízes tanto em primeira instância quanto no Supremo Tribunal Federal. Voz que, vale dizer, extrapolava o que estava nos autos, já que, como Herman fez questão de frisar, o relator não usou delações como provas, mas colheu novos depoimentos de delatores.

O VOTO DECISIVO
O ministro Tarcísio Vieira. O Planalto contava com ele para ser absolvido, mas ele demorou a sinalizar para que lado iria
(Foto: Sérgio Lima/ Época)


Na sexta-feira, Napoleão teve um chilique. Ele era, pela ordem preestabelecida, o segundo a votar. Ao receber a palavra, começou a vociferar. Estava indignado com uma notícia do site O Antagonista de que um “homem misterioso” lhe entregara um envelope naquela manhã. “Era meu filho, que trazia uma foto de minha neta, que completa 3 anos.” Em seguida, passou a desancar jornalistas que noticiaram que ele foi citado em delações da empreiteira OAS e da JBS. Napoleão acusou a imprensa e os jornalistas com expressões fortíssimas. “Essa pessoa é desqualificada, indigna, incapaz de portar em si a qualidade de ser humano! Não dignifica a liberdade de imprensa quem faz isso”, Napoleão esbravejou. “Não é jornalista quem faz isso! Me desculpe a revolta e a veemência e o perigo de descambar para palavras que não devo dizer.” Em tom de ameaça, o ministro disse que é preciso “dar um freio nisso tudo, ou não vai ter um bom termo”. Napoleão disse que fez um levantamento em seu gabinete e que todas as suas sete decisões referentes à OAS foram contra a empreiteira. Sobre a JBS, Napoleão voltou a desqualificar o instituto da delação premiada. “Se isso não terminar, o final não será bom. Todos nós estamos sujeitos ao alcance dessas pessoas. Publicam o que quiser com quem quiser.” Unindo delatores e jornalistas sob a mesma aba de detratores, o evangélico ministro relatou que fora questionado por seu pastor em Fortaleza. Com o dedo em riste, contou que sua resposta foi: “Com a medida com que me medem serão medidos. E que sobre eles desabe a ira do profeta”. “É uma anátema islâmica e a ira do profeta eu não vou dizer o que é. Mas vou fazer o gesto”, completou Napoleão, levando a mão direita ao pescoço, encenando uma decapitação. A sessão foi suspensa.


A votação seguiu sem incidentes, sem surpresas. O placar de 4 a 3 pela absolvição se confirmou. Dilma Rousseff e Michel Temer receberam um carimbo de lisura da Justiça. O TSE, por sua vez, se apequenou.

09/06/2017

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Relator pede cassação da chapa Dilma-Temer no TSE


Ministro Herman Benjamin considerou sete indícios de caixa dois e propina na campanha.

Outros seis ministros votarão à tarde

Ministro Herman Benjamin no julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE
Ministro Herman Benjamin profere seu voto, durante sessão plenária do TSE, para julgamento da chapa Dilma-Temer, em Brasília - 09/06/2017
(Roberto Jayme/TSE)


Por João Pedroso de Campos
VEJA.COM


Depois de nove horas, divididas em duas sessões no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Herman Benjamin concluiu a leitura de seu voto e pediu a cassação da chapa DilmaTemer por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014. Relator da ação proposta pelo PSDB em 2015, Benjamin aceitou sete acusações que confirmam, no seu entendimento, fraudes eleitorais na reeleição da ex-presidente e do atual presidente, e arrematou seu voto afirmando que o “conjunto da obra” leva à condenação. O relator recusou outras cinco imputações, trazidas ao processo por delações premiadas, testemunhos e perícias, por considerá-las impertinentes à ação.

Na sessão iniciada hoje, por volta das 9h30, Herman Benjamin analisou provas referentes à conta-corrente de propina mantida pela Odebrecht com o Partido dos Trabalhadores (PT); à compra de apoio político à chapa e, assim, tempo de propaganda eleitoral gratuita; aos pagamentos de caixa dois pela empreiteira aos marqueteiros João Santana e Mônica Moura no exterior; e aos gastos com gráficas que prestaram serviços à campanha Dilma-Temer.

“Não há como investigar financiamento ilícito de campanha no Brasil sem investigar a Odebrecht. Mesmo que a Odebrecht não tivesse sido citada nominalmente, nós não teríamos como esquecer a matriarca da manada de elefantes”, declarou Herman Benjamin, que se refere à empreiteira como “matriarca da manada de elefantes que fez da Petrobras uma savana africana para reprodução e rapinagem”.

O relator leu trechos do depoimento de Marcelo Odebrecht, no qual o empreiteiro relata cobranças do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para doações oficiais, que a construtora não queria mais desembolsar para evitar atrair mais atenção à sua generosidade eleitoral.

Odebrecht explicou, no depoimento citado por Benjamin, que a solução, acertada pelo ex-diretor Alexandrino Alencar com o tesoureiro da campanha, Edinho Silva, foi destinar cerca de 27 milhões de reais para a compra de apoio de PCdoB, Pros, PRB, PP e PDT à chapa Dilma-Temer.

A respeito dos pagamentos da empreiteira em contas do casal João Santana e Mônica Moura no exterior, referentes a seus serviços prestados à campanha, Benjamin classificou a relação entre PT, Odebrecht e marqueteiros como de “continuidade e confiança”. Ele citou depoimento de Santana ao TSE em que o publicitário afirmou que a empreiteira “não falhava” nos pagamentos e, assim, não era necessário “colocar a faca no pescoço” do partido para receber.

“O casal podia ser definido como verdadeiro casamento de indústria e comércio. Um tinha a habilidade extraordinária para criação, verdadeiro artista naquilo que fazia licitamente. Do outro [lado], a sua esposa cuidando das finanças e administrando esses aspectos que não interessavam tanto a ele”, comparou Herman Benjamin.

Pressionado pelos colegas a abreviar a leitura, Benjamin concluiu seu voto analisando irregularidades na contratação das gráficas VTPB, Rede Seg e Focal pela chapa composta por Dilma e Temer. Embora as defesas aleguem que os repasses das gráficas contratadas a empresas terceirizadas são alheios à campanha, o relator discorda. Ele enumerou provas que mostram VTPB e Rede Seg como empresas fantasmas, cujo faturamento se resumiu aos serviços prestados à campanha.

Para Herman Benjamin, “é impossível entregar milhões de reais a uma empresa que não existe. Não são valores ínfimos. São valores que podem mudar uma campanha eleitoral”.

Controlada por Carlos Cortegoso, empresário que ficou conhecido como “garçom do Lula” por ter trabalhado em um restaurante frequentado pelo petista em São Bernardo do Campo nos anos 1980, a gráfica Focal foi excluída das ilicitudes analisadas por Herman Benjamin. O ministro considerou que, ao contrário das outras gráficas, a empresa de Cortegoso tem porte para executar os serviços que alega ter prestado à chapa.

Embora tenha considerado como provas em seu voto testemunhos de executivos da Odebrecht e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, todos delatores, Benjamin deixou de fora de suas apreciações provas referentes às doações oficiais feitas pela Cervejaria Petrópolis em nome da empreiteira; ao pagamento de propinas por empreiteiras nas obras das usinas de Belo Monte e Angra 3 e a destinação eleitoral do dinheiro; ao pagamento de caixa dois pelo empresário Eike Batista a Santana e Mônica; e ao pagamento da Toyo Setal à gráfica Atitude, que beneficiou o PT.

O relator entende que essas provas não têm pertinência com a ação. O mesmo argumento deve ser usado pelos ministros Gilmar Mendes, Napoleão Nunes Maia, Tarcisio Carvalho e Admar Gonzaga para excluir de suas análises os depoimentos da Odebrecht e dos marqueteiros.

Ao final da sessão, Benjamin se referiu indiretamente à posição dos colegas. “Recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão”, declarou.

A sessão será retomada às 15h com os votos, nesta ordem, de Nunes Maia, Gonzaga, Vieira, Luiz Fux, Rosa Weber e Mendes.


A estrutura do voto de Herman Benjamin

Irregularidades aceitas como abuso de poder econômico e político:

“Propina gordura” ou “propina poupança” arrecadada de contratos de empreiteiras com a Petrobras;

Pagamento a Mônica Moura pela Keppel Fels em 2014;

Contratos da Sete Brasil para construção de navios sonda e distribuição de propinas ao PT;

Propina ou caixa dois da conta-corrente da Odebrecht com o PT;

Compra de apoio político à chapa, compra de tempo de TV;

Pagamentos de caixa dois pelo Setor de propinas da Odebrecht a “Feira”, codinome de Mônica Moura e João Santana;

Gastos da chapa com as gráficas Rede Seg e VTPB;

Pelo fundamento do conjunto da obra, os vícios levam à cassação da chapa;



Irregularidades excluídas por não se compatibilizarem com as causas da inicial:

Caixa três ou “barriga de aluguel”, a partir de doações oficiais da Cervejaria Petrópolis em nome da Odebrecht;

Pagamento de propinas na construção da usina de Belo Monte e destinação eleitoral do dinheiro;

Pagamento de propinas na construção da usina nuclear de Angra 3 e destinação eleitoral do dinheiro;

Pagamento de caixa dois do empresário Eike Batista a Mônica Moura e João Santana;

Pagamento pela Toyo Setal à gráfica Atitude em benefício do PT;

9 jun 2017


quinta-feira, 8 de junho de 2017

O quadrilhão em apuros


Existiam quatro grandes quadrilhas a saquear o Estado.
O procurador-geral da República reuniu todas elas em um único processo e agora parte para punir seus comandantes.

Lula, como sempre, é o líder deles

A QUADRILHA VAI DANÇAR

Integrantes do "quadrilhão” serão denunciados até setembro pelo procurador-geral da República por crimes que podem chegar a oito anos de prisão. Entre os políticos que fazem parte da quadrilha estão: Mário Negromonte, Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha, João Vaccari, Lula e Antonio Palocci (da esq. para a dir.)
(Crédito: Reprodução)


Débora Bergamasco
e Eduardo Militão
IstoÉ



Políticos apontados como principais chefes da “organização criminosa” incrustada dentro de três partidos – PT, PMDB e PP – devem sofrer um novo revés nas próximas semanas. Antes de deixar o cargo em 17 de setembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vai apresentar a maior parte das denúncias contra os 23 integrantes do chamado “quadrilhão” da Operação Lava Jato. Serão denunciados políticos como o ex-presidente Lula e o ex-ministro Antonio Palocci, pelo PT, os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR) pelo PMDB do Senado, o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) pelo PMDB da Câmara, e o senador Benedito Lira (PP-AL) e o ex-deputado Mário Negromonte (PP-BA) pelo PP. Janot vai apontar esses e outros políticos dos três partidos que sustentaram os governos petistas no poder como mentores de um esquema de arrecadação de dinheiro em estatais e órgãos do governo, em conluio com grandes empreiteiros de grandes obras públicas. A acusação contra eles será a de crime de organização criminosa, cuja pena varia de três a oito anos de cadeia.


De acordo com Janot, os políticos do PT, do PMDB do Senado e da Câmara e do PP formaram um grupo criminoso com o objetivo “de saquear os cofres públicos” beneficiando empresários amigos e financiando as atividades desses partidos. Para a PGR, existe “uma teia criminosa única”, mas com “núcleos políticos” diferentes neste “grupo criminoso”. As cúpulas dos partidos que compõem o “quadrilhão” montaram também um esquema de “enriquecimento ilícito com fim de beneficiar seus integrantes, bem como financiar campanhas eleitorais, a partir de desvios públicos de diversas empresas estatais”, segundo Janot.

O procurador-geral narrou em documentos que integram os quatro inquéritos do “quadrilhão” que, inicialmente, “alguns membros do PP, PMDB e PT, utilizando as siglas partidárias, dividindo entre si, por exemplo, as diretorias de Abastecimento, Serviços e Internacional de Petrobras” para a arrecadação das propinas. “Como visto, a indicação de determinadas pessoas para importantes postos chaves do ente público, por membros dos partidos, era essencial para implementação do projeto criminoso.”

Entretanto, os crimes se arrastaram para outros órgãos do Estado. “Os elementos de informação que compõem o presente inquérito modularam um desenho de um grupo criminoso organizado único, amplo e complexo, com uma miríade de atores que se interligam em uma estrutura com vínculos horizontais”.

Parte do raciocínio do procurador-geral da República sobre o chamado “quadrilhão” está na denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra Lula pela posse do triplex, no Guarujá. Nela, os procuradores narram fatos de um governo regido por propinas, a chamada “propinocracia”, para contextualizar a acusação de que o petista ganhou um apartamento e a armazenagem de bens da empreiteira OAS em troca dos favores que concedeu à empresa de Léo Pinheiro. Lula não foi denunciado pelo crime de organização criminosa exatamente porque essa parte faz parte da denúncia do “quadrilhão” e é tratada no Supremo Tribunal Federal.

A divisão do butim

Para o Ministério Público, está claro que os três partidos comandavam o esquema de arrecadação de dinheiro usando dois vértices comuns no relacionamento com os empreiteiros. O primeiro eram altos funcionários públicos, muitos deles indicados para postos-chave pelos partidos. No entanto, essas indicações de diretores à cargos na Petrobrás eram condicionadas ao pagamentos de propinas para os políticos e suas campanhas eleitorais, por meio de caixa dois ou de doações registradas oficialmente. Na Petrobras, por exemplo, o PT tinha o controle da Diretoria de Serviços, comandada por Renato Duque. O PMDB, controlava a área Internacional, que ficou a cargo de Nestor Cerveró e Jorge Zelada. E o PP, comandava o setor de Abastecimento dirigido por Paulo Roberto Costa.

Esses dirigentes recebiam dinheiro das empresas fornecedoras e partilhavam o “butim” com os políticos. Para isso, se utilizavam do segundo vértice, os operadores da lavagem de dinheiro. Doleiros, lobistas e até tesoureiros dos partidos eram usados em esquemas complexos de repasse de dinheiro em espécie, ou na forma de depósitos no exterior, até chegarem às mãos dos políticos. No PT, quem exercia esse papel era o ex-tesoureiro João Vaccari, que já acumula condenações que superam os 33 anos de prisão. No PP, o principal arrecadador era o doleiro Alberto Youssef , que só está em casa porque fez acordo de colaboração premiada. No PMDB, esse papel era feito pelos lobistas Fernando Soares, Milton Lyra e Jorge Luz, que repassavam o dinheiro para os senadores e deputados peemedebistas.
02.06.17


A cegueira deliberada do TSE



Os ministros Gilmar Mendes e Herman Benjamin
Por Merval Pereira
O Globo


No embate entre a “verdade real” que busca o relator Herman Benjamim, e a “cegueira deliberada” está a essência do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o abuso de poder econômico e político da chapa Dilma-Temer na eleição de 2014. Não foi à toa que o mercado financeiro reagiu positivamente às indicações de que o presidente Michel Temer pode vir a ser absolvido pelo TSE.


A “cegueira deliberada”, neste caso, leva em consideração a suposta estabilidade política do país, no pressuposto de que a manutenção de um presidente reformista com apoio parlamentar, mesmo reduzido, é a garantia de que as medidas certas serão tomadas pelo Congresso. Não importa se esse presidente perdeu a capacidade de governar por ações impróprias, não só ao cargo, mas à atividade política. Não há nada nesse comportamento que se case com a máxima que diz que a Justiça é cega.

O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, já ressaltou várias vezes, em entrevistas e mesmo durante as sessões de julgamento, que é preciso ter equilíbrio e pensar na estabilidade do país ao decidir. O processo está em tramitação há mais de 3 anos porque a lei exige que a denúncia seja feita no máximo 15 dias depois da proclamação do resultado, e nesse período houve muitas mudanças políticas no país, sob a égide da Operação Lava Jato, que se evidenciaram no comportamento de diversos dos seus participantes.

O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, já esteve à frente de um movimento vitorioso para reabrir o processo e incluir nele fatos referentes às investigações da Operação Lava Jato. Foi em outubro de 2015, quando a então relatora Maria Thereza de Assis havia rejeitado, em decisão individual, o pedido do PSDB, e decidira arquivar a ação. Na ocasião, a questão dos limites objetivos da inicial foi apreciada pelo TSE e a maioria do plenário decidiu pela admissibilidade da Aime 761, determinando o prosseguimento da instrução contra o abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014.

Herman Benjamin citou vários trechos do voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento da Aime, destacando a estreita relação do financiamento eleitoral com o esquema de corrupção na Petrobras. Segundo ele, “não há qualquer dúvida de que o aprofundamento da Investigação Judicial Eleitoral [Aije 194358] sobre a Odebrecht foi decorrente, além de menção explícita e direta da petição inicial, de fatos conhecidos correlatos da relação entre a empresa e a campanha presidencial de 2014, o que qualquer cidadão brasileiro minimamente informado tem plena consciência”, afirmou.

Por isso o ministro Gilmar Mendes tem razão quando disse: “Essa ação só existe graças ao meu empenho, modéstia às favas”. Naquele momento, a presidente Dilma ainda estava no cargo e Gilmar Mendes mantinha a coerência de hoje. Dizia que o objetivo não era cassar a chapa, mas analisar nosso processo eleitoral e tomar providências para que os casos de corrupção que estavam vindo à tona na Operação Lava Jato não se repetissem.

O PSDB, autor das ações, é hoje o principal suporte do governo Michel Temer, que assumiu a presidência depois do impeachment da presidente Dilma. E interessa aos tucanos, e também ao PT, que Temer seja absolvido para impedir que o senador Aécio Neves, ex-presidente do partido, e também o ex-presidente Lula, sejam levados de cambulhada em uma eventual condenação de Michel Temer sem o foro privilegiado.

Segundo o relator, ministro Herman Benjamim “a verdade é essa: não se quer aqui nestes autos as provas relativas à Odebrecht. O que se quer é que o TSE feche os olhos sob argumentos técnicos à prova referente à Odebrecht”.

O ministro Gilmar Mendes pontua sempre que, mais do que decidir se cassa ou não a chapa, é preciso trazer à tona o que chama de “corruptocracia”, e ajudar a dar um freio nesses hábitos eleitorais corruptos que dominam a política brasileira. Mas ele sabe que sem punição rigorosa dos que cometeram os desvios, sem coloração partidária, não haverá uma solução para o problema.

Ao comandar a divergência com o relator em relação à inclusão das delações dos executivos da Odebrecht, quer tirar dos autos a “verdade real” que, como diz o relator, “somente os índios não contactados desconhecem”, e fazer com que o julgamento se dê em torno da “verdade dos autos”, esterelizada para alegadamente garantir a estabilidade política do governo.

O Ministro Gilmar Mendes está não apenas sendo incoerente, mas impedindo, se vitorioso, que a corrupção que diz querer combater seja punida num julgamento histórico que, sob sua presidência, poderá ser um marco na justiça eleitoral do país.


08/06/2017




Certificado de qualidade


Imagem relacionada
  EDITORIAL O ESTADÃO


A bem-sucedida luta pela recuperação da Petrobrás, pilhada durante os governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, merece ser vista como um paradigma para todos os setores da economia afetados pela irresponsabilidade criminosa da era lulopetista. O fato de a empresa, há um ano sob o comando de Pedro Parente, conseguir se reerguer em tão pouco tempo, restabelecendo a confiança de acionistas e investidores, é resultado de uma série de medidas saneadoras que tiveram como norte não apenas a eficiência administrativa, mas principalmente a rejeição total aos imperativos ideológicos que haviam amarrado a estatal ao anticapitalismo rançoso do PT.

Os sintomas do sucesso da operação de resgate da Petrobrás, assim, não se limitam aos bons números de seu balanço. O maior certificado de qualidade que poderia ser conferido à administração de Pedro Parente talvez seja a feroz oposição que lhe faz a Federação Única dos Petroleiros (FUP), o principal sindicato da categoria. A FUP anunciou que pretende realizar amanhã um “grande ato político” no Rio de Janeiro, sede da Petrobrás, para dizer que “os petroleiros exigem a saída imediata de Pedro Parente do comando da estatal e a anulação de todas as medidas de sua gestão”.

Se realmente estivessem interessados na saúde da Petrobrás, a ponto de dizerem que “não vamos deixar que destruam a mais importante estatal brasileira”, os petroleiros teriam se insurgido contra a devastação da empresa levada a cabo pelos companheiros petistas e seus associados na ocasião em que o partido estava no poder. Mas isso nunca aconteceu, por razões óbvias: naquela ominosa época, o assalto à Petrobrás era parte de um meticuloso programa de pilhagem de dinheiro estatal arquitetado para financiar a perpetuação da tigrada no poder.

A reação dos que se viram subitamente privados dessa descomunal fonte de recursos e poder, justamente no momento em que se imaginavam invencíveis, não podia mesmo ser outra. No manifesto de convocação para o tal protesto, eles se queixam justamente das medidas que visam a transformar a Petrobrás em uma empresa que segue padrões profissionais de gestão e respeita seus acionistas e investidores, ou seja, que não sirva à estatolatria de um punhado de impostores.

Em linhas gerais, os sindicalistas criticam a “privatização” da Petrobrás, que estaria se dando por meio da venda de ativos e da licitação de campos de exploração do pré-sal sem a participação da estatal, anteriormente obrigatória, além da redução de exigência de conteúdo local. Mas a Petrobrás voltou a respirar e a servir ao melhor interesse do País justamente em razão de todas essas medidas, aliadas a decisões administrativas importantes, como a que acabou com a política de preços vinculada à necessidade de conter a inflação, à custa da saúde da empresa, e a que adequou os investimentos da estatal à sua capacidade financeira, e não mais à agenda política do governo.

O próximo passo da Petrobrás, segundo informou Pedro Parente, é obter o certificado de adesão ao programa Destaque em Governança de Estatais, da Bolsa de Valores de São Paulo. O certificado é um compromisso adicional com a transparência e o profissionalismo da gestão da empresa, com o objetivo de reduzir as incertezas, para os investidores, a respeito da administração de estatais, em razão da sempre possível interferência política. Pedro Parente informou ainda que já está em estudos a adesão ao chamado Nível 2 de governança corporativa, o mais alto da bolsa para companhias com ações preferenciais.

Ainda que haja muito a fazer para que a Petrobrás se recupere plenamente do cataclismo lulopetista, está claro que a empresa vai pelo melhor caminho. Ao provar que o respeito à economia de mercado e às práticas administrativas profissionais é o único meio de fazer a Petrobrás voltar a ser útil ao País, sua atual direção ainda fez o favor de desmascarar os embusteiros que, a título de valorizá-la como símbolo da “soberania nacional”, pretendiam apenas se apossar dela.


07 junho 2017





quarta-feira, 7 de junho de 2017

Uso de avião da JBS complica situação de Temer, avalia Planalto


No segundo dia de julgamento do TSE, clima no Planalto é de tensão

Por Júnia Gama e Eduardo Barreto
O Globo
 
O Palácio do Planalto
Givaldo Barbosa / Agência O Globo / 7-3-2016
 

BRASÍLIA - O clima no Palácio do Planalto neste segundo dia de julgamento do processo de cassação da chapa presidencial no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi de alta tensão. Não tanto pelo que foi considerada uma manifestação “dura” por parte do relator do processo, o ministro Herman Benjamin, mas pelos diversos fatos que vêm, sucessivamente, complicando a situação do presidente Michel Temer. O uso de um avião da JBS, revelado na delação do empresário Joesley Batista, e a forma como a notícia foi tratada no governo foi considerado um agravante da situação do presidente por auxiliares do Planalto.

Para interlocutores do presidente, os acontecimentos “extra-TSE” têm sido fonte maior de preocupação que o julgamento na Corte. Segundo seus assessores, o presidente tem acompanhado com cautela o julgamento, mas a impressão, até o momento, é de que há um placar relativamente consolidado a favor de Temer. As ações em outras frentes, porém, trazem o componente surpresa de um desgaste progressivo e com implicações que ainda não podem ser contabilizadas.

A avaliação é que há uma estratégia deliberada por parte do Ministério Público (MP) para minar Michel Temer ao longo dos dias e que o órgão ainda tem “cartas na manga” não divulgadas. Auxiliares do presidente foram surpreendidos pelo episódio que revelou o uso do avião da JBS e acabaram desmentindo a versão inicial ao ter que admitir que Temer, de fato, viajou em aeronave particular. A resposta apressada, que depois teve de ser remendada, foi vista como equívoco no Planalto. O episódio foi tratado por Temer, internamente, como um “esquecimento”.

O temor agora é sobre o impacto que este episódio e outros relacionados podem ter sobre uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito das investigações contra Temer e sobre a permanência de aliados na base de apoio ao governo no Congresso. O ambiente tenso nesta quarta-feira ficou expresso na proibição a que jornalistas circulassem pelo quarto andar do Palácio do Planalto, onde ficam os gabinetes dos ministros da Casa Civil, da Secretaria de Governo e da Secretaria-Geral. Em fevereiro, o governo havia restringido o acesso da imprensa a esta área, mas a regra não era seguida à risca desde então.

Para um assessor do Planalto, o episódio do avião fragiliza Temer porque ataca frontalmente duas das principais linhas de defesa do presidente às acusações das delações da JBS, nos dois pronunciamentos que fez sobre o tema: a de que Joesley é "falastrão" e a tentativa de mostrar que não tinha relações pessoais com o empresário.

— Não acreditei na narrativa do empresário de que teria segurado juízes. Ele é um conhecido falastrão, exagerado — declarou Temer no último dia 18. Dois dias depois, atacou o delator mais fortemente, ainda sem citar nomes:

— O autor do grampo está livre e solto passeando pelas ruas de Nova York – provocou Temer, na ocasião.


“Eu não sabia”


Versões que Temer teve que rever sobre o caso JBS


O então vice-presidente Michel Temer viajou de São Paulo para Comandatuba (BA) no bimotor prefixo PR-JBS, de propriedade de Joesley Batista, em janeiro de 2011


Depois de negar o uso do avião, o Planalto retificou a informação. Reconheceu que Temer estava a bordo. Menciona, porém, que o presidente não pagou pela viagem e não sabia de quem era o avião


Segundo Joesley, depois do voo, Temer ligou para agradecer pela viagem e por flores que, acreditava, terem sido deixadas pela mãe do empresário, Flora


O presidente esteve com Joesley Batista, em 7 de março, no Palácio do Jaburu


Temer afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que não sabia que estava conversando com um empresário investigado


Até o encontro, Joesley já era investigado em três operações, amplamente noticiadas. A Sepsis, de julho de 2016; a Greenfield, de setembro de 2016; e a Cui Bono, de janeiro de 2017


Temer afirmou, na mesma entrevista, imaginar que Joesley queria falar sobre a operação Carne Fraca, da Polícia Federal


“Ele é um grande empresário. Quando tentou muitas vezes falar comigo, achei que fosse por questão da Carne Fraca. Eu disse: ‘Venha quando for possível, eu atendo todo mundo’


O GLOBO mostrou que a conversa entre Temer e Joesley ocorreu antes da referida operação. O governo afirmou que o presidente "se equivocou, se confundiu".

Um interlocutor do Planalto criticou a posição da Secretaria de Comunicação da Presidência, que soltou duas notas contraditórias em dois dias: antes, o avião era da FAB; depois, era particular, mas Temer "não sabia" quem era o dono da aeronave.

— Se depois de pegar esse avião ele telefonou para agradecer, é difícil refutar que há um relacionamento. E, após seis anos, ele recebe esse empresário no Jaburu naquelas condições? É o contrário do que ele usou para se defender — diz esse assessor.

Por essa razão, uma das avaliações de auxiliares de Temer é que a incerteza que paira sobre o governo não está nos julgamentos do TSE, mas no que ainda está por vir. A estratégia do próprio governo nos últimos dias, de atacar a Procuradoria-Geral da República e acusá-la de estar preparando vazamentos de provas serviu para tentar uma "vacina" a eventuais fatos novos.

Depois que o TSE convocou sessões extraordinárias, a previsão no Planalto é que na segunda-feira o assunto esteja liquidado, a favor de Michel Temer. Quanto à denúncia do STF, o governo avalia que, neste momento, Temer não teria dificuldade em conseguir votos de 172 deputados para derrubar o processo, mas fatos novos podem deixá-lo em situação mais complicada na Câmara.

Enquanto isto, o governo continua na tentativa de manter uma pauta de trabalhos que se sobreponha à crise. Nos próximos dias, a equipe econômica deve entregar ao Planalto um pacote de medidas para estimular a economia, especialmente o comércio. O programa Avançar, que prevê projetos de R$ 53 bilhões, também está no radar.
07/06/2017


TSE: relator suspende leitura do voto e deixa para quinta análise das acusações


Herman Benjamin recomendou rejeitar a maioria dos questionamentos das defesas à regularidade do processo; falta decisão sobre manutenção no processo de delação da Odebrecht.


Por Renan Ramalho e Fernanda Calgaro,
G1, Brasília

Ministros analisam pedidos da defesa no 2º dia do julgamento da chapa Dilma-Temer


O ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), suspendeu nesta quarta-feira (7) a leitura de seu voto no julgamento do processo que investiga a campanha de 2014 e deixou para esta quinta (8) a análise das acusações contra a ex-presidente Dilma Rousseff e o presidente Michel Temer.


Relator do caso e primeiro a votar no TSE, Benjamin se concentrou na sessão desta quarta na análise das chamadas "preliminares" (questionamentos das defesas sobre a regularidade do processo).


Ele defendeu manter no processo relatos de executivos da Odebrecht de que a campanha foi abastecida com dinheiro não declarado (caixa 2) repassado como propina por contratos fechados pela empreiteira com a Petrobras, conforme narrado em acordo de delação premiada.


A decisão sobre a manutenção ou retirada dessas provas dependerá, no entanto, do votos dos outros seis ministros da Corte: Napoleão Nunes Maia Filho, Admar Gonzaga, Tarcísio Neto, Luiz Fux, Rosa Weber e Gilmar Mendes. São necessários quatro votos para uma decisão sobre a questão.
Benjamin diz que investigação sobre Odebrecht foi decorrente da petição inicial


Em cada um de seus votos, os ministros também vão se posicionar pela condenação ou absolvição da chapa vitoriosa em 2014, acusada pelo PSDB de ter cometido abuso de poder político e econômico na campanha, o que teria provocado um desequilíbrio no pleito.



Ao suspender a leitura do voto, Benjamin deixou para a próxima sessão, marcada para se iniciar às 9h desta quinta (8), se vai recomendar a cassação do atual mandato de Temer e a inegibilidade de Dilma por oito anos da a partir de 2018, punições previstas em caso de condenação.


Os ministros decidiram que a sessão desta quinta deve se prolongar por todo o dia até a noite. Se necessário, vão abrir outra sessão na sexta-feira (9) para a conclusão do julgamento.


Ao final da sessão, o advogado de Temer, Gustavo Guedes, disse considerar importante a convocação de sessões extras devido à importância do caso.


“Acho que dá um indicativo de que os ministros compreendem bem a importância e o país espera uma decisão breve”, disse.


Advogado de Dilma, Flávio Caetano concordou que dificilmente haverá pedido de vista por um dos ministros que interrompa o julgamento.


“Não podemos concluir, mas saímos com a sensação de que todos os ministros conhecem já bem o processo e estão preparados para julgá-lo. A menos que surja algo novo, algum incidente que ninguém tenha pensado e isso leve a um pedido de vista, mas, pelo jeito, estão todos prontos para julgar e esse julgamento se define nesta semana", disse.


Voto sobre as preliminares


Durante a leitura da primeira parte de seu voto, Benjamin consumiu quase quatro horas contestando as preliminares levantadas pelas defesas de Dilma e Temer.


Os advogados alegam que as provas da Odebrecht não poderiam ter sido colhidas por iniciativa do relator; que não tiveram oportunidade de acessá-las enquanto estavam em sigilo; e que foram obtidas a partir de vazamentos ilegais.


Benjamin contestou cada um desses argumentos, ressaltando que desde o início do processo, a ação do PSDB já apontava doações à campanha com dinheiro de propina, supostamente atrelado a contratos de empreiteiras com a Petrobras.


Ele também considerou que a lei e o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizam o juiz a “buscar a verdade dos fatos” ao longo do processo.


Quanto ao cerceamento de defesa, afirmou que os advogados puderam questionar os delatores em depoimentos prestados ao próprio processo no TSE.


O ministro também rejeitou o argumento dos vazamentos, afirmando que era “público e notório” que os executivos da Odebrecht haviam fechado delação e que seus depoimentos no TSE foram autorizados pelo ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no STF.

07/06/2017