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quarta-feira, 27 de novembro de 2019

TRF-4 contraria entedimento do STF e caso de Lula sobre Atibaia não voltará à 1ª instância

Desembargadores entendem que ordem de alegações finais não prejudicou ex-presidente; por unanimidade, pena do petista foi aumentada para 17 anos, um mês e 10 dias de prisão

Gustavo Schmitt, Dimitrius Dantas, Rayanderson Guerra e João Paulo Saconi
O Globo
Desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) analisam recurso de Lula
Foto: Divulgação

SÃO PAULO E RIO — Por unanimidade, os desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) votaram nesta quarta-feira para que não volte à primeira instância o caso do sítio de Atibaia, no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado. A defesa do petista se baseou em decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir que o processo fosse anulado, uma vez que os réus delatados e delatores foram ouvidos em prazo conjunto no período de alegações finais pela juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Os três desembargadores da turma decidiram que a nulidade não deverá ocorrer uma vez que, na opinião deles, a ordem em que as alegações foram feitas não implicou em prejuízo às partes.

O relator do caso, desembargador João Pedro Gebran Neto, manteve em seu voto a condenação de Lula por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro em relação às reformas feitas pela Odebrecht no imóvel e aumentou a pena de 12 anos e 11 meses de prisão para 17 anos, um mês e 10 dias. Ele foi acompanhado integralmente pelos desembagadores Leandro Paulsen, revisor do caso, e pelo desembagador Thompson Flores.

Como a votação foi unânime, a defesa do ex-presidente só terá direito a um recurso ao TRF-4: o chamado embargo de declaração. Esse tipo de medida não muda a sentença e apenas pode esclarecer pontos.

A 8ª Turma contrariou a decisão recente do STF. Em outubro, a Corte decidiu que réus delatores devem apresentar suas alegações finais antes dos réus delatados. Os advogados de Lula basearam o pedido de nulidade no resultado dos julgamentos do caso do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, Aldemir Bendine e do ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira. Ambos tiveram condenações anuladas pelo Supremo após terem se pronunciado após delatores nas alegações finais.

Ao discordar dos ministros do STF, Gebran considerou que os juízes de primeiro grau não poderiam adivinhar que o STF tomaria essa decisão. Além disso, o magistrado negou que a apresentação das alegações no mesmo prazo tenha causado um prejuízo a Lula e a outros réus.

— Em momento algum se demonstrou a existência de qualquer tipo de prejuízo com a inversão de ordem. E nem houve inversão, houve prazo comum, todos no mesmo prazo e na mesma data — afirmou Gebran.

Segundo o relator do processo, não é possível afirmar que houve vício processual no caso de Lula.

— A jurisprudência do Supremo e do STJ exige a demonstração de prejuízo e, por fim, em tempos de processo eletrônico, os prazos são comuns a todos os réus, não havendo que se falar em ordem diferenciada. Portanto estou rejeitando essa preliminar — disse.

Ao justificar a negativa de uma revisão processual baseada na decisão recente do Supremo, Paulsen mencionou votos proferidos anteriormente por todos os atuais 11 ministros do STF para embasar o argumento de que atos processuais só podem ser declarados nulos quando há prejuízo às partes envolvidas. Na visão do desembargador, isso não teria ocorrido no caso do sítio de Atibaia.

— Os onze ministros que atualmente integram a Suprema Corte são uníssonos no sentido de que os vícios de forma e de procedimento somente implicam nulidade processual quando verificado efetivo prejuízo a parte — declarou Paulsen, que considerou "inócua" a possibilidade de o processo ser revisto em primeira instância.
Responsabilidade 'elevada'

Acompanhado pelos pares, Gebran também manteve a condenação de Emílio Odebrecht e Alexandrino de Alencar por lavagem de dinheiro. Gebran ainda votou pela absolvição do pecuarista José Carlos Bumlai e do advogado Roberto Teixeira pelos crimes de lavagem de dinheiro.

Para o relator, não há dúvida sobre a participação do ex-presidente no esquema de corrupção e pouco importava se Lula era o proprietário real do imóvel. É relevante, para Gebran, o fato de que Lula teria usado o sítio e acabado por se beneficiar das reformas feitas nas obras.

Ao tratar sobre autoria e dolo, Gebran afirmou que é "tranquila" a prova de Lula e Emílio Odebrecht, patriarca da empreiteira, haviam se acertado sobre as reformas. Em delação premiada, Emílio disse que tratou sobre o assunto com o petista logo após Lula deixar o governo. O relator também lembrou que a Polícia Federal (PF) apreendeu documentos na casa do ex-presidente e da ex-primeira dama Marisa Leticia, em São Bernardo do Campo, que comprovariam que o casal tinha conhecimento da reforma no imóvel no sítio.

— Infelizmente, a responsabilidade do ex-presidente Lula é bastante elevada, pois ocupava grau máximo de dirigente da nação brasileira — afirmou o desembargador, que ainda negou todos os pedidos de nulidade feitos pela defesa: — Não há nulidade alguma — disse.

Ao comentar o mérito do processo, o desembargador Paulsen declamou uma canção chamada "Só de sacanagem", famosa na voz da cantora Ana Carolina. De forma inesperada, antes de decidir pela condenação do petista, o magistrado lembrou de versos que citam "malas e cuecas que voam entupidas de dinheiro".

Antes de avaliar o mérito do caso, os desembargadores também negaram o argumento da defesa de que a sentença da juíza Gabriela Hardt incluiria "copia e cola". O advogado de Lula, Cristiano Zanin, criticou o texto e sugeriu que a condenação se baseou em trechos copiados da sentença do ex-juiz Sergio Moro no processo do tríplex do Guarujá (SP). O voto de ambos foi de encontro a uma decisão recente da 8ª Turma, que anulou um processo julgado por Gabriela em que foi comprovada a cópia de trechos.

Em sua argumentação, Zanin lembrou a anulação recente da sentença da magistrada.

— Notem Vossas Excelências que a douta juíza Gabriela Hardt não fez qualquer referência que estava copiando a sentença do juiz Sergio Moro. Simplesmente assumiu como seus os fundamentos e argumentos daquela decisão — afirmou Zanin. — Tem-se exatamente essa situação: a douta juíza Gabriela Hardt copiou ou segundo o laudo pericial elaborado pelo eminente perito Celso Delpichia sua excelência aproveitou sem qualquer referência, sem qualquer indicação de fonte, a sentença do juiz Sérgio Moro. Isso é inadmissível — defendeu o advogado.

O relator, no entanto, afirmou que, dos 3.800 parágrafos da decisão, havia indícios de cópia em cerca de 40. Ele disse ainda que as conclusões da perícia, "além de serem aspectos não essenciais, consideram apenas 1% do texto".

Em relação ao pedido da defesa relativo à atuação de Moro, Gebran usou argumentos que já tinha utilizado na ação do tríplex do Guarujá (SP) para considerar que o atual ministro da Justiça não era suspeito para julgar o caso.
Embate com o MPF

Além de questionar Moro, o advogado de Lula também atacou o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Deltan Dallagnol, que recebeu uma advertência do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) na última terça-feira em razão de críticas feitas ao STF durante uma entrevista.

— É sempre importante ressaltar que inclusive ontem o Conselho Nacional do Ministério Público impôs uma sanção ao chefe da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba justamente por ter criticado essa decisão da Suprema Corte que retirou a competência da Justiça Federal do Paraná para tratar dos assuntos que eu aqui mencionei — declarou Zanin.

Em sua fala de cerca de 15 minutos, o advogado de Lula manteve a estratégia de embate com o Ministério Público e expôs questionamentos aos métodos utilizados pela força-tarefa da Operação Lava-Jato.

O procurador Mauricio Gotardo Gerum, representante da acusação, no entanto, disse que a defesa tem dificuldades de afastar provas contra o petista e adota a estratégia de mover uma cruzada contra o Judiciário e insiste numa tese de "perseguição".

— É uma defesa que se perde no excesso. A dificuldade de afastar as acusações fez com que a defesa adotasse o álibi do lawfare (quando se move o aparelho estatal contra uma pessoa em razão de perseguição política — afirmou o procurador.

Acusação

Lula é acusado de aceitar reformas na propriedade feitas pela Odebrecht e OAS, com dinheiro de propina decorrente de contratos da Petrobras , no valor de R$ 1 milhão. Em fevereiro deste ano, Gabriela Hardt condenou o petista por corrupção e lavagem de dinheiro. Ela ficou responsável por alguns meses pelos processos da Lava-Jato na primeira instância após a saída do ex-juiz Sergio Moro.

Ao se manifestar durante o julgamento, Gotardo Gerum afirmou que Lula poderia ter seu nome marcado na história como um dos maiores estadistas do Brasil, mas teria preferido se corromper em vez disso.

— Restou plenamente comprovado que Lula se corrompeu. Veja o que temos aqui? Obras pagas por pessoas que se beneficiaram das gestões Lula feitas num sítio que era por ele utilizado. Isso é crime? No nosso Código Penal é crime de corrupção. Provados os crimes de corrupção, não há dificuldade de caracterização dos crimes de lavagem — disse o procurador.

Ao fazer referência à cena política dos dias de hoje, Gerum disse que Lula teria contribuído para o descrédito do discurso da igualdade social e de uma bandeira ao aceitar fazer parte de um esquema de corrupção,

— O desequilíbrio político que permite que hoje se chegue ao cúmulo de dar alguma atenção a ideias terraplanistas ou ainda, o que é pior, porque muito mais nocivo, de se reverenciar ditadores e figuras abjetas e torturadores tem muito a ver com o desvirtuamento de uma bandeira que, concorde-se com seus princípios ou não, tem importância fundamental no jogo democrático — pontuou o procurador.

O ex-presidente ficou preso entre abril de 2018 e novembro de 2019, quando a orientação do STF era diferente, em razão de outro processo da Lava-Jato. No caso do tríplex do Guarujá, ele foi condenado a nove anos e meio pelo ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça no governo do presidente Jair Bolsonaro. Depois, o TRF-4 aumentou a pena para 12 anos e um mês, permitindo que fosse preso.

Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a reduziu para oito anos, dez meses e 20 dias, mas ele continuou preso. Ele foi solto somente depois que o STF mudou seu entendimento e decidiu que a prisão só pode ocorrer quando houver o trânsito em julgado, ou seja, quando não for possível mais recorrer da condenação.

27/11/2019





quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Procuradora do caso Marielle diz a jornalistas que porteiro mentiu ao mencionar casa de Bolsonaro



Bolsonaro
 Bolsonaro concede entrevistas a jornalistas durante viagem à Arábia Saudita Ricardo Senra/BBC News Brasil


BBC News Brasil

Uma promotora do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro disse a jornalistas na tarde desta quarta-feira (30/10) que o porteiro mencionado ontem em reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, mentiu em seu depoimento à Polícia Civil do Rio.

O porteiro disse aos investigadores que uma pessoa na casa de Jair Bolsonaro, no condomínio Vivendas da Barra, autorizou a entrada do ex-PM Élcio Vieira de Queiroz no local, na tarde de 14 de março de 2018. Horas depois, durante a noite, Élcio e outro ex-PM, Ronnie Lessa, teriam assassinado a vereadora Marielle Franco e o motorista dela, Anderson Gomes.

A promotora Simone Sibilio disse a jornalistas de diferentes veículos que teve acesso à planilha da portaria do condomínio e também ao registro de áudio do interfone. Segundo ela, o material mostra que o porteiro interfonou para a casa 65, de Ronnie Lessa — e teria sido ele a autorizar a entrada de Élcio, e não alguém na casa de Bolsonaro.
O que disse o porteiro, segundo o JN

Segundo a reportagem do Jornal Nacional, o porteiro do condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, disse em depoimento à Polícia Civil do Rio de Janeiro que, no dia do assassinato, um dos suspeitos se dirigiu até o conjunto de casas onde vivia o então deputado federal Jair Bolsonaro, horas antes do crime.

Ao porteiro, o ex-policial-militar Élcio Vieira de Queiroz teria dito que iria à casa de número 58 — que pertence ao presidente.

Ao recebê-lo na guarita, o porteiro teria ligado na casa 58 para confirmar se o visitante poderia entrar, e alguém na residência autorizou a entrada do veículo, um Renault Logan. Em dois depoimentos à Polícia Civil do RJ, o porteiro disse ter reconhecido a voz de quem atendeu como sendo a do "Seu Jair", segundo o Jornal Nacional.

Após entrar no condomínio, ele não foi à casa de Bolsonaro, segundo a testemunha: ele dirigiu até o imóvel 66. É onde mora Ronnie Lessa, acusado de fazer os disparos que mataram Marielle e Anderson.

"O porteiro ou se equivocou, ou não leu o que assinou. Pode o delegado ter escrito o que bem entendeu e o porteiro, uma pessoa humilde, ter assinado embaixo", disse Bolsonaro a jornalistas na Arábia Saudita.

"Nós sabemos que (porteiros) são pessoas humildes, que quando são tomados depoimentos, sempre ficam preocupadas com algo. O porteiro está sendo usado pelo delegado da Polícia Civil, que segue ordens do Sr. (Wilson) Witzel, governador (do Rio)."

O advogado do presidente da República, Frederick Wassef, disse que é impossível Bolsonaro ter falado com Élcio ao interfone — o presidente estaria em Brasília no dia da morte de Marielle, conforme registro de votações da Câmara dos Deputados e vídeos postados por Bolsonaro nas redes sociais.

Carlos Bolsonaro, filho do presidente, publicou no Twitter vídeo que diz mostrar o registro de ligações recebidas pelo condomínio. Segundo ele, "os horários (das ligações) não batem com a revelação feita pelo Jornal Nacional" — ele afirma que a ligação das 17h13 foi não para a casa de Jair Bolsonaro, mas sim para uma residência de número 65, em que se anuncia a chegada de um homem chamado Élcio.
Witzel Image caption A vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018 juntamente com o motorista Anderson Gomes

Durante a entrevista a jornalistas na Arábia Saudita, Bolsonaro acusou Wilson Witzel de tramar para destruir sua reputação.

"No dia 9 de outubro, às 21h, eu estava no Clube Naval do Rio de Janeiro quando chegou o governador Witzel. Foi uma surpresa para os dois. Ele chegou perto de mim e falou o seguinte: 'O processo está no Supremo.' Perguntei que processo. 'O processo da Marielle. O porteiro citou seu nome'", disse o presidente.

Ele continuou: "Ou seja: Witzel sabia do processo que estava em segredo de Justiça e comentou comigo. No meu entendimento, o sr. Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil para tentar me incriminar ou ao menos manchar o meu nome com esta falsa acusação."

O presidente da República disse que o governador do Rio de Janeiro era uma pessoa desconhecida que teria usado a popularidade da familia Bolsonaro para se eleger.

"Colou no Flávio Bolsonaro e em mim para poder se eleger governador do Rio de Janeiro. Depois de eleito, elegeu Flávio e eu como inimigos. Por que ele tem essa tara em cima de mim e do Flávio? Porque ele quer destriuir a minha reputação atacando o que de mais sagrado eu tenho que é o combate à corrupção e a honestidade."

Em nota, divulgada na terça, Witzel, afirmou não transitar "no terreno da ilegalidade", negou ter vazado qualquer informação da investigação à TV Globo e disse ter sido atacado injustamente.

"Lamento profundamente a manifestação intempestiva do presidente Jair Bolsonaro. Ressalto que jamais houve qualquer tipo de interferência política nas investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia Civil."

E acrescentou: "Não farei como fizeram comigo, prejulgar e condenar sem provas".

Pouco depois da divulgação da reportagem do JN, o presidente transmitiu um vídeo ao vivo em sua conta no Facebook. A transmissão foi ao ar pouco antes das 22h em Brasília, ou cerca de 4h da manhã na Arábia Saudita.

"Qual é a intenção disso tudo? A intenção é sempre a mesma: o tempo todo ficam em cima da minha vida, dos meus filhos, quem está próximo de mim. O processo corre em segredo de Justiça e de repente vaza. Vaza pra quem? Pra Globo. É sempre a Globo dar o furo (de reportagem)!", disse em outro momento o presidente.

Em nota à imprensa, a rede Globo afirmou que "reitera que teve acesso ao livro da portaria e, como deixa claro a reportagem, informou-se com múltiplas fontes sobre o conteúdo do depoimento do porteiro. Não mentiu. Dada a relevância dos fatos, a Globo cumpriu a sua obrigação de informar o público, revelando o que disse o porteiro e todas as suas contradições, que ela própria apurou. A Globo não tem nenhum objetivo de destruir quem quer que seja, mas é independente para informar com serenidade todos os fatos, mesmo aqueles que possam irritar as autoridades. E assim pode agir, justamente porque não depende nem nunca dependeu de verbas de governos, embora a propaganda oficial seja legítima e legal."

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, pediu nesta quarta-feira (30/10) à Procuradoria Geral da República e à Polícia Federal que investiguem o depoimento do porteiro do condomínio.

À Folha de S. Paulo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que o episódio é um "factoide" e que remeterá ao Ministério Público Federal o pedido feito por Moro para que se investiguem as circunstâncias do depoimento do porteiro do condomínio.
30 de outubro de 2019



segunda-feira, 28 de outubro de 2019

CÂMARA DE REVISÃO DO MPF IMPÕE NOVA DERROTA A TOFFOLI


Resultado de imagem para Dias Toffoli e relatado por Alexandre de Moraes –

Por Claudio Dantas
O Antagonista
 

A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal impôs nova derrota ao inquérito inconstitucional aberto por Dias Toffoli e relatado por Alexandre de Moraes – e que censurou Crusoé e O Antagonista.

Em decisão colegiada na última sexta-feira, o órgão manteve decisão de arquivamento do MPF em Guarulhos, para onde foi um dos “filhotes” da investigação que apura crimes de difamação de ministros do STF e contra a segurança nacional.




A Procuradoria já havia se manifestado pelo arquivamento, mas o juiz federal discordou, “dada a subordinação funcional do juízo de primeiro grau às determinações do STF”, embora sem expressar “juízo de valor acerca de seu acerto ou não”.

O MPF recorreu então à 2ª CCR.

Em voto acolhido por unanimidade, o procurador Claudio Dutra Fontella ressaltou a “nulidade” e a “inconstitucionalidade” dos autos, derivados “de procedimento inquisitorial em que constatados vícios insanáveis de origem, forma e competência, levado a efeito perante o STF”.

“Com o advento da Constituição Federal de 1988, o sistema processual penal nacional deixou para trás o então sistema inquisitorial e fez clara opção pelo sistema acusatório. Nesse novo contexto, estabeleceu as diretrizes para promover uma alteração importante nas investigações e também no processamento das ações penais, reconhecendo como função institucional do Ministério Público a promoção privativa – titularidade ativa – da ação penal pública (CF, art. 129, inciso I).”

O MPF também atacou a “incompetência absoluta do juízo (STF)” para processar cidadão que não detém foro especial. Para o procurador, tampouco as críticas feitas pelo investigado na rede social se enquadram em crimes contra a honra ou a segurança nacional.

“Verifica-se que as expressões utilizadas pelo investigado nas publicações realizadas na rede social Facebook, embora possam ser consideradas depreciativas e até mesmo grosseiras, não refletem um contexto de ataque deliberado à honra das supostas vítimas, mas sim o ânimo de criticar a conduta funcional dos agentes públicos.”

Ele lembrou que a liberdade de expressão é “garantida a todos pela Constituição Federal (art. 5º, inciso IX) abrange o direito de crítica”. “Este autoriza que mesmo autoridades públicas possam sofrer críticas dos cidadãos pelos seus atos, ainda que se tratem de críticas injustas e veementes.”


28.10.19

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Marcos Valério cita Lula como um dos mandantes da morte de Celso Daniel




Em depoimento inédito, o operador conta que o ex-presidente deu aval para pagar a chantagista que iria apontá-lo como envolvido no assassinato do prefeito

  Revista Veja


ELE VOLTOU
 No depoimento, que também foi gravado em vídeo, Valério reproduz o diálogo que teve com Ronan Maria Pinto, em que ele teria dito que apontaria Lula como o “cabeça da morte de Celso Daniel” (./.)

No fim da década de 90, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza começou a construir uma carreira que transformaria radicalmente sua vida e a de muitos políticos brasileiros nas duas décadas seguintes. Ele aprimorou um método que permitia a governantes desviar recursos públicos para alimentar caixas eleitorais sem deixar rastros muito visíveis. Ao assumir a Presidência da República, em 2003, o PT assumiu a patente do esquema. Propina, pagamentos e recebimentos ilegais, gastos secretos e até despesas pessoais do ex-presidente Lula — tudo passava pela mão e pelo caixa do empresário. Durante anos, o partido subornou parlamentares no Congresso com dinheiro subtraído do Banco do Brasil, o que deu origem ao escândalo que ficou conhecido como mensalão e levou catorze figurões para a cadeia, incluindo o próprio Marcos Valério. Desde então, o empresário é um espectro que, a cada aparição, provoca calafrios nos petistas. Em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) já o condenara como operador do mensalão, Valério emitiu os primeiros sinais de que estaria disposto a contar segredos que podiam comprometer gente graúda do partido em crimes muito mais graves. Prometia revelar, por exemplo, o suposto envolvimento de Lula com a morte de Celso Daniel, prefeito de Santo André, executado a tiros depois de um misterioso sequestro, em 2002.



AVALISTA
Lula foi informado sobre o pagamento ao chantagista (Ricardo Stuckert/PT)





Na época, as autoridades desconfiaram que a história era uma manobra diversionista. Mesmo depois, o empresário pouco acrescentou ao que já se sabia sobre o caso. Recentemente, no entanto, Valério resolveu contar tudo o que viu, ouviu e fez durante uma ação deflagrada para blindar Lula e o PT das investigações sobre o assassinato de Celso Daniel. Em um depoimento ao Ministério Público de São Paulo, prestado no Departamento de Investigação de Homicídios de Minas Gerais, a que VEJA teve acesso, o operador do mensalão declarou que Lula e outros petistas graduados foram chantageados por um empresário de Santo André que ameaçava implicá-los na morte de Celso Daniel. Mais: disse ter ouvido desse empresário que o ex-presidente foi o mandante do assassinato.
Até hoje, a morte do prefeito é vista como um crime comum, sem motivação política, conforme conclusão da Polícia Civil. Apesar disso, o promotor Roberto Wider Filho, por considerar graves as informações colhidas, encaminhou o depoimento de Valério ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público, que o anexou a uma investigação sigilosa que está em curso.



CRIME POLÍTICO

Celso Daniel foi morto como queima de arquivo, em 2002
(Epitácio Pessoa/Estadão Conteúdo)
No depoimento ao MP, também gravado em vídeo, Valério repetiu uma história que contou em 2018 ao então juiz Sergio Moro, envolvendo na trama praticamente todo o alto-comando petista — só que agora com mais detalhes e com Lula como personagem fundamental. A história começa, segundo ele, em 2003, quando Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula, convocou-o para uma reunião no Palácio do Planalto. No encontro, o anfitrião afirmou que o empresário Ronan Maria Pinto, que participava de um esquema de cobrança de propina na prefeitura de Santo André, ameaçava envolver a cúpula do Planalto no caso da morte de Celso Daniel. “Marcos, nós estamos com um problema. O Ronan está nos chantageando, a mim, ao presidente Lula e ao ministro José Dirceu, e preciso que você resolva”, teria dito Carvalho. “Ele precisa de um recurso, e eu quero que você procure o Silvio Pereira (ex-secretário-geral do PT)”, acrescentou. Valério conta que, antes de deixar o Palácio, tentou levantar mais informações sobre a história com o então ministro José Dirceu. “Zé, seguinte: o Gilberto está me pedindo para eu procurar o Silvio Pereira para resolver um problema do Ronan Maria Pinto. Disse que é uma chantagem”, narra Valério no depoimento. A resposta do então chefe da Casa Civil teria sido curta e grossa: “Vá e resolva”.


TESTEMUNHA 
Luizinho revelou que a prefeitura era usada como caixa do PT
(Bruno Santos/Folhapress)





Valério compreendeu que “resolver” significava comprar o silêncio do chantagista. No depoimento, ele relata que procurou o petista João Paulo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, a quem uma de suas agências de publicidade prestava serviços. Cunha, mais tarde condenado no mensalão, orientou-o a procurar o deputado Professor Luizinho, que tinha sido vereador em Santo André e, portanto, conhecia bem o problema. Segundo o empresário, Luizinho lhe confidenciou que Celso Daniel topou pagar com recursos da prefeitura a caravana de Lula pelo país, antes da eleição presidencial de 2002, mas não teria concordado em entregar a administração à ação de quadrilhas e àqueles que visavam ao enriquecimento pessoal. “Uma coisa era o Celso bancar as despesas do partido, da direção do partido e do próprio presidente. Outra era envolver a prefeitura em casos que beiravam a ação de gângster”, teria afirmado o deputado, conforme a versão de Valério. Seguindo a orientação recebida de Gilberto Carvalho, Valério procurou Silvio Pereira (secre­tário-­geral do PT) e perguntou se o assunto era mesmo grave e se realmente envolvia Lula, Zé Dirceu e Gilberto. Resposta: “Ele falou assim: ‘Esse assunto é mais sério do que você imagina’.”. Pereira pediu então a Valério que se encontrasse com o chantagista.

O SEGREDO
Ronan Pinto: pedido de dinheiro em troca do seu silêncio
(Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/.)




A reunião, segundo Valério, ocorreu num hotel em São Paulo. “Eu já avisei a quem eu devia avisar, Marcos, eu não vou pagar o preço sozinho”, teria sido a ameaça de Ronan. O então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, preso no mensalão e no petrolão, também estava no encontro. “Se não resolver o assunto, eu já senti, esse homem vai explodir de vez, vai explodir o presidente, o Gilberto e o José Dirceu”, disse Valério a Delúbio depois da reunião. O empresário e o tesoureiro discutiram a melhor forma de arrumar o dinheiro para pagar a chantagem. Deu-­se, então, o encontro do mensalão com o petrolão. O petista Ivan Guimarães, que à época era presidente do Banco Popular do Brasil, lembrou os colegas de partido de que fundos de pensão mantinham aplicações milionárias no Banco Schahin. Era a hora de pedir uma retribuição. O banco aceitou fazer um “empréstimo” de 12 milhões de reais em troca de um contrato de operação com a Petrobras, no valor de 1,6 bilhão de reais. O promotor Roberto Wider quis saber de Valério se ele conversou com Lula sobre esse episódio. O empresário disse que sim. “Eu virei para o presidente e falei assim: ‘Resolvi, presidente’. Ele falou assim: ‘Ótimo, graças a Deus’.”. Mas não foi apenas isso. Valério contou ao promotor que Ronan Maria Pinto, quando exigiu dinheiro para ficar calado, declarou que não ia “pagar o pato” sozinho e que iria citar o presidente Lula como “mandante da morte” do prefeito de Santo André. Nas palavras de Valério, Ronan ia “apontá-lo como cabeça da morte de Celso Daniel”.


MEDO
Carvalho: aviso a Valério sobre a “bomba” que estava prestes a explodir
(Pedro Ladeira/Folhapress)



Na história recente da política brasileira, ninguém exerceu o papel de operador com tamanho protagonismo como o empresário Marcos Valério. Dono de agências de publicidade, Valério começou a atuar em esquemas de desvio de recursos públicos no governo de Eduardo Azeredo (PSDB), em Minas Gerais. Petistas mineiros conheciam muito bem os bons serviços prestados por ele aos rivais tucanos. Por isso, tão logo Lula assumiu a Presidência da República, abriram-se as portas do governo federal ao empresário. Rapidamente, Valério se tornou o homem do dinheiro sujo do PT e, nessa condição, cumpriu de missões prosaicas a estratégicas. Ele conta que se reunia com o então presidente ao menos uma vez por mês. Palpitava até sobre a indicação de ministros. A compra de apoio parlamentar era realizada às sombras, numa engenhosa operação financeira que envolvia bancos, dirigentes de partidos e dezenas de políticos — tudo na surdina. O empresário só assumiu o centro do tablado depois de VEJA revelar, em 2005, que o PTB operava um esquema de cobrança de propina nos Correios. Sentindo-se pressionado, Roberto Jefferson, o mandachuva do partido, reagiu delatando o mensalão e apresentando ao país o “carequinha” que operava os cofres clandestinos do PT. O resto da história é conhecido. O STF reconheceu a existência do esquema de suborno ao Congresso, considerou-o uma tentativa do PT de se perpetuar no poder e condenou os mensaleiros à cadeia. Lula, apesar de ser o beneficiado principal do esquema, nem sequer foi processado.



A SOLUÇÃO
Dirceu: autorização para negociação com o chantagista
(Mateus Bonomi/Agif/AFP)



Por causa disso, Valério sempre pairou como um fantasma sobre o PT e seus dirigentes. No auge das investigações sobre o mensalão, ele próprio tentou chantagear o partido dizendo que se não recebesse uma bolada implicaria o então presidente da República no caso. Anos mais tarde, uma reportagem de VEJA revelou que a chantagem surtiu efeito, e o dinheiro foi depositado numa conta dele no exterior por um empreiteiro amigo. Durante a CPI dos Correios, Valério de fato poupou Lula. Ele só testemunhou contra o ex-presidente quando já estava condenado pelo Supremo. No depoimento ao MP, Valério disse que não aceitou pagar ao chantagista Ronan Maria Pinto do próprio bolso, como queriam os petistas, mas admitiu ter participado do desenho da transação realizada para levantar os recursos. De onde eles vieram? Do petrolão, o sucessor do mensalão.



ACUSAÇÃO
João Paulo: afirmação de que Ronan estava envolvido com a morte do prefeito
(Aloisio Mauricio/Fotoarena)





As investigações da Operação Lava-Jato já confirmaram metade da história narrada por Marcos Valério. Para quitar a extorsão, o Banco Schahin “emprestou” o dinheiro para o empresário José Carlos Bumlai, amigo de Lula, que pagou ao chantagista. O banco já admitiu à Justiça a triangulação com o PT. Ronan Maria Pinto já foi condenado pelo juiz Sergio Moro por crime de corrupção e está preso. Valério revelou mais um dado intrigante. Segundo ele, dos 12 milhões de reais “emprestados” pelo banco, 6 milhões foram para Ronan e a outra parte foi entregue ao petista Jacó Bittar, amigo de Lula e ex-conselheiro da Petrobras. Jacó também é pai de Fernando Bittar, que consta como um dos donos do famoso sítio de Atibaia, que Lula frequentava quando deixou a Presidência. As empreiteiras envolvidas no petrolão realizaram obras no sítio à pedido do ex-presidente, o que lhe rendeu uma condenação de doze anos e onze meses de prisão. No interrogatório, o promotor encarregado do caso perguntou a Marcos Valério se havia alguma relação entre o dinheiro transferido a Bittar e a compra do sítio. Valério respondeu simplesmente que “tudo se relaciona”. O promotor também perguntou sobre as relações financeiras do empresário com o governo e com o ex-presidente Lula:

“— O caixa que o senhor administrava era dinheiro de corrupção?”
“— Caixa dois e dinheiros paralelos de corrupção, propina e tudo.”
“— Do Governo Federal?”
“— Sim, do Governo Federal.”
“— Na Presidência de Lula?”
“— Na Presidência do presidente Lula.”
“— Pagamentos para quem?”
“— Para deputados, para ministros, despesas pessoais do presidente, todo tipo de despesa do Partido dos Trabalhadores”.



PERIGO 
Pereira: confidência de que o problema era ainda mais grave que a tentativa de extorsão contra o ex-presidente (Domenico Pugliese/.)




Condenado a mais de cinquenta anos de cadeia, Valério começou a cumprir pena em regime fechado em 2013. Em setembro passado, progrediu para o regime semiaberto, o que lhe dá o direito de sair da cadeia durante o dia para trabalhar. O cumprimento de suas penas nunca ocorreu sem sobressaltos. Ele já foi torturado num presídio e teve os dentes quebrados. Em 2008, quando esteve preso em decorrência de um processo aberto para investigar compra de prestígio, Valério foi surrado por colegas de cela que, segundo ele, estariam a serviço de petistas. Essa crença se sustenta numa conversa que o empresário teve, anos antes, com Paulo Okamotto, amigo e braço-direito de Lula. “Marcos, uma turma do partido acha que nós devíamos fazer com você o que foi feito com o prefeito Celso Daniel. Mas eu não, eu acho que nós devemos manter esse diálogo com você. Então, tenha juízo”, teria lhe dito Okamotto. “Eu não sou o Celso Daniel não. Eu fiz vários DVDs, Paulo, e, se me acontecer qualquer coisa, esses DVDs vão para a imprensa”, rebateu o empresário, segundo seu próprio relato.



AVISO
Okamotto: ele disse que Valério poderia ter o mesmo fim de Celso Daniel
(J. Duran Machfee/Futura Press)




Até hoje, o assassinato de Celso Daniel é alvo de múltiplas teorias. A polícia concluiu que o crime foi comum. Já o Ministério Público sempre suspeitou de motivação política, principalmente diante das evidências de que havia um esquema de cobrança de propina de empresas de transporte público em Santo André, que teria irrigado o caixa do PT. Se Valério estiver dizendo a verdade — e é isso que as novas investigações se propõem a descobrir —, a morte do prefeito teria o objetivo de esconder que a prefeitura de Santo André funcionava como uma gazua do PT para financiar não só as campanhas políticas mas a boa vida de seus dirigentes, incluindo Lula. A morte de Celso Daniel, portanto, poderia ter sido realmente uma queima de arquivo. Irmãos do prefeito assassinado concordam com essa tese e sempre defenderam a ideia de que a possível participação de petistas no crime deveria ser apurada. O novo depoimento, embora não traga uma prova concreta, colocou mais fogo numa velha história.

25 out 2019

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Sem a prisão em segunda instância, a impunidade vai se intensificar, diz Dallagnol


Em entrevista à revista Istoé, o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol afirma que, sem a prisão em segunda instância, a impunidade dos corruptos e criminosos vai aumentar.

Milhares de corruptos, assassinos, estupradores e traficantes serão libertados se o STF abrir a gaiola, garantindo a impunidade.

Só no âmbito da Lava Jato, 38 presos irão para as ruas, inclusive o ex-presidente presidiário Lula, o queridinho de certas castas institucionais:

Nos últimos cinco meses, Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa da Lava Jato, teve a vida virada do avesso. Depois de ser reconhecido, ao lado do ex-juiz Sergio Moro, como um dos responsáveis pelas investigações que levaram 150 pessoas poderosas para a cadeia por corrupção – entre elas o ex-presidente Lula –, o jovem procurador da República, de 39 anos, passou a ter seu trabalho questionado após a invasão de seu Telegram por um grupo de hackers que roubaram mensagens de suas conversas com o atual ministro da Justiça e outros colegas. A divulgação dos diálogos pelo site The Intercept colocaram em dúvida algumas de suas ações. Para ele, no entanto, ficou demonstrado que não houve nada de irregular nos procedimentos: “Nenhum inocente foi condenado”.

O procurador entende ter sido “vítima de fofocas”, como ele classifica a chamada vaza jato, e que agora o pior já passou. Em razão disso, decidiu conceder uma longa entrevista exclusiva à ISTOÉ, na qual aproveitou para expressar suas apreensões quanto ao futuro da Lava Jato. O procurador entende que a operação está em xeque e que o STF está prestes a tomar uma decisão que pode provocar retrocessos no combate à corrupção: o fim da condenação após julgamento em segunda instância. “A decisão do STF sobre o tema definirá se queremos ou não voltar a ser o paraíso da impunidade de poderosos”. O procurador acredita que se o condenado puder apelar até a última instância para somente então ir preso, o Supremo estará colocando em liberdade milhares de corruptos, homicidas, traficantes e estupradores. “Somente na Lava Jato serão soltos 38 presos”. Entre eles, o ex-presidente Lula.

Provas ilícitas

Além dessa iniciativa, outras medidas no âmbito do STF ameaçam a continuidade da Lava Jato, de acordo com o procurador. A decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de suspender as investigações de ações baseadas em dados do Coaf, e que favoreceram o senador Flávio Bolsonaro, seria uma dessas. Para Dallagnol, a lei neste caso foi contrariada. Outra ação do STF que pode abalar a operação, em sua visão, é o julgamento do tribunal do pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro por ter condenado o ex-presidente Lula no tríplex movido por pretensas “motivações políticas”, de acordo com os advogados do petista. Eles pedem a anulação da sentença. Dallagnol lamentou que o ministro Gilmar Mendes tenha admitido usar os diálogos do ex-juiz com procuradores para contribuir com a tese da anulação do julgamento. “A Constituição proíbe o uso de provas ilícitas”, criticou o procurador.

Dallagnol diz enxergar nesses movimentos uma espécie de ofensiva destinada a inviabilizar a operação, como ocorreu no passado com a Castelo de Areia e a Satiagraha, anuladas pela Justiça, “apesar das provas materiais dos crimes”. Ele não tem dúvida de que a vaza jato fez parte de processo semelhante. Apesar dos ataques sofridos, Dallagnol aposta que a Lava Jato resistirá. Somente este ano, de acordo com seu levantamento, foram executadas nove das 66 fases da operação até aqui realizadas desde 2014. Também no mesmo período firmou dezenas de acordos com criminosos para a recuperação de R$ 2 bilhões em dinheiro desviado da Petrobras. Ele reconhece, porém, estar com fôlego mais curto depois de cinco anos à frente da operação e admite: pode deixar a chefia da força tarefa nos próximos meses. Deltan estuda aceitar o cargo de procurador regional da República no Paraná: “Estou refletindo sobre o assunto”.

ENTREVISTA

O que o senhor acha do fim da condenação em segunda instância, decisão que o STF pode tomar nos próximos dias?

A decisão definirá se queremos ou não voltar a ser o paraíso da impunidade de poderosos. Já a discussão jurídica diz respeito à interpretação do princípio da presunção da inocência no Brasil. De um lado, há quem lhe dê uma conotação absoluta e, assim, exija o julgamento do último recurso possível antes da prisão. De outro lado, está quem defende que nenhum princípio constitucional é absoluto. Assim, a presunção da inocência deve ser compatibilizada com a eficiência da Justiça. No mesmo sentido, a leitura histórica do princípio é de que foi criado para garantir que a prisão ocorra após um julgamento em que o ônus da prova é da acusação.

Há ministros que defendem que o réu deve aguardar a última instância para ir preso.

Vários países que acolhem a presunção de inocência permitem que a prisão ocorra após a primeira ou segunda instância. No Brasil, são as duas primeiras instâncias as únicas que examinam fatos e provas, de modo que não faria sentido aguardar as duas subsequentes para a prisão. Outra questão relevante é a necessidade de preservar a estabilidade e segurança jurídica dos precedentes do Supremo – há apenas três anos a Corte autorizou a prisão em segunda instância.


A posição de Gilmar Mendes contraria o histórico de decisões dos tribunais

O senhor entende que pode haver um grande número de criminosos soltos por conta dessa decisão?
Essa é uma questão de segurança pública que transcende a Lava Jato. O Supremo soltará, além de corruptos, também homicidas, traficantes e estupradores. Segundo a imprensa tem noticiado, até 190 mil presos poderão ser soltos caso o STF exija um julgamento de terceira ou quarta instância para a prisão. Na Lava Jato, 38 pessoas serão afetadas – o que representa mais de 20% dos condenados. Agora, o que preocupa ainda mais são os efeitos futuros da decisão. A impunidade, especialmente dos poderosos, se intensificará.

O que o senhor achou da decisão do STF que mandou suspender investigações com base em dados do Coaf, como foi o caso do senador Flávio Bolsonaro?
A decisão impediu que a Receita e o Coaf informem detalhadamente crimes ao MP sem prévia autorização judicial e suspendeu investigações que contêm tais comunicações. A decisão que beneficiou o senador Flávio Bolsonaro contraria a lei. A Lei Complementar 105 prevê expressamente que essa comunicação não caracteriza violação de sigilo. Aliás, é uma obrigação de todo servidor público informar crimes de que tenha conhecimento. Milhares de investigações estão sendo impedidas ou correm risco de anulação. Só a Lava Jato recebeu mais de 500 comunicações de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro feitas pela Receita. O número de relatórios do Coaf sobre lavagem de dinheiro caiu mais de 80%. De uma média de 741 mensais no primeiro semestre, caiu para 136 no mês seguinte à decisão.

O STF deve julgar em breve também o pedido do ex-presidente Lula para a anulação da sua condenação no caso do tríplex, alegando a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. O que o senhor acha disso?
Hoje, a condenação não é mais do ex-juiz Sergio Moro, mas de três desembargadores e quatro ministros do STJ, os quais, de forma unânime, confirmaram a condenação. Cinco desses sete julgadores foram nomeados pelo próprio ex-presidente Lula ou por sua sucessora, a ex-presidente Dilma. Ao longo do processo, o juiz seguiu o mesmo padrão dos demais casos e isso o levou a negar vários pedidos do MP e a deferir diversos da defesa, o que corrobora sua imparcialidade. O julgamento está solidamente embasado nos fatos, nas provas e na lei. Além disso, dados que levantamos mostram que a duração do processo e as penas aplicadas ao ex-presidente estão dentro da média dos demais casos da operação. O ex-presidente recebeu o mesmo tratamento dos demais réus da Lava Jato.

O senhor pediu para que o ex-presidente Lula cumpra o resto da pena do tríplex em prisão domiciliar, mas ele não quer ir para casa com tornozeleira. Ele pode se recusar a deixar a cadeia?
O pedido foi feito pelos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, que integro, para que a lei seja cumprida. O estado não pode exercer seu poder para além do que a lei permite, o que caracterizaria excesso de poder. Ninguém pode ficar preso em um regime mais grave do que a lei determina. O ex-presidente deve cumprir pena como qualquer preso, nem menos, nem mais.

O ex-presidente afirma que o senhor e o ministro Moro o condenaram por razões políticas.
O ex-presidente é um dentre 150 condenados e 466 acusados na Lava Jato. Foram atingidas mais de uma dezena de siglas partidárias. Políticos de diferentes partidos foram presos. O fato é que ele responde a outros sete processos, em diferentes Estados, onde atuam agentes públicos independentes. Ou seja, também não se trata de um procurador e de um juiz. Dizer que dezenas de procuradores e julgadores de diferentes lugares e instâncias formaram um conluio para condenar inocentes é produzir uma teoria da conspiração sem amparo na realidade.
A medida do STF (que beneficiou o senador Flávio Bolsonaro) contraria a lei

O senhor acha que está havendo retrocesso em matéria de combate à corrupção?
Com certeza, todo mundo está vendo isso. Pela primeira vez na história, a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) enviará ao Brasil uma missão de alto nível que soa como uma advertência em razão dos retrocessos no combate à corrupção. Analisarão decisões de tribunais e leis como a de abuso de autoridade.

A Lava Jato acabou?
A Lava Jato é um grande trabalho institucional em que estão envolvidos centenas de servidores públicos. E esse trabalho continua em pleno vapor. Em 2019, já oferecemos mais denúncias do que em quatro dos cinco anos da operação e o ano ainda não acabou. Neste ano, foram feitas nove fases da Lava Jato e os acordos realizados com criminosos já ultrapassaram R$ 2 bilhões de reais. Ainda há muito por fazer no ano que vem, se as leis e as decisões superiores permitirem.

O senhor vai mesmo deixar a coordenação da Força Tarefa da Lava Jato para assumir o cargo de Procurador-Geral da República do Paraná?
Estou há 17 anos no MPF e cinco anos na Lava Jato, uma operação bastante intensa, o que naturalmente gera um cansaço. Tenho ainda um histórico de atuação e tempo de serviços prestados que permitiriam me candidatar à promoção. Ainda tenho tempo para refletir.

O presidente Bolsonaro apoia ou está contra a Lava Jato?
O Executivo tem enviado mensagens ambivalentes no tema anticorrupção. Por um lado, veta regras da lei de abuso de autoridade que amarrariam investigações legítimas contra poderosos e isso favorece a atuação contra a corrupção. Por outro, faz interferências que prejudicam a autonomia dos órgãos de investigação. Caso se crie um ambiente em que um policial ou auditor tenha medo de ser punido quando mexer com grandes interesses, isso prejudicará o interesse público.

Nos últimos cinco meses, o senhor foi vitima de ataque de hackers que roubaram mensagens do seu Telegram e as repassaram ao site The Intercept. Qual lição o senhor tirou do caso?
Que valeu a pena tudo que investimos para dar transparência ao nosso trabalho nos últimos cinco anos. O embasamento de cada investigação nos fatos, nas provas e na lei, a publicidade dos processos e o amplo escrutínio da Lava Jato feito pela sociedade e pela Justiça permitiram que a população desenvolvesse uma confiança muito grande no trabalho, o qual resistiu aos ataques.

Apesar dos diálogos envolvendo o senhor e o ex-juiz Sergio Moro não terem revelado nenhuma ação criminosa, o senhor reconhece como verdadeiras as conversas?
Está claro que mensagens foram roubadas por um hacker com largo histórico criminal. Além disso, é impossível recordar de milhares de conversas em cinco anos e não temos mais as mensagens originais para comparação. Muito antes de qualquer divulgação, recebemos orientação para encerrar a conta no Telegram, o que apagou as mensagens, a fim de proteger investigações sigilosas. Até lembramos de temas tratados, mas as acusações de ilegalidades não procedem. Vemos claramente a descontextualização ou deturpação das mensagens, que foram colocadas sob a visão dos advogados dos réus. Se fôssemos seguir o que os advogados dos réus defendem, pediríamos a anulação dos processos, a absolvição de todos os réus e a devolução do dinheiro recuperado.

O senhor acha que houve uma inversão total de valores, em que os criminosos viraram vítimas e os procuradores culpados?
Há uma campanha de vilanização do trabalho legítimo e legal das instituições responsáveis pela persecução penal. No passado, já vimos isso ocorrer em operações como a Castelo de Areia e a Satiagraha, em que tivemos autoridades atacadas com o intuito de desmerecer todo o trabalho investigativo e possibilitar a anulação das operações, apesar do amplo acervo de provas materiais dos crimes. Estamos vivendo o mesmo processo. Agora, atacam o Ministério Público e a Justiça Federal. Cria-se uma acusação genérica de supostos excessos, quando o que cabe é perguntar: qual decisão ou condenação foi equivocada? A onda difamatória é aproveitada por quem tem por intuito anular as condenações, ignorando as provas.

O ministro Gilmar Mendes defende a utilização dos diálogos roubados do seu Telegram nos processos contra o senhor e o ministro Moro. O que o senhor acha disso?
A Constituição proíbe o uso de provas ilícitas.

Esse seria mais um golpe contra a Lava Jato?
Essa posição do ministro Gilmar Mendes contraria todo o histórico de decisões dos tribunais.

Os movimentos fazem parte de uma articulação para acabar com a Lava Jato?
Desde que a Lava Jato atingiu poderosos, sempre houve uma articulação para acabar com ela.

Acusam o senhor de ganhar dinheiro com as palestras.
A Constituição autoriza juízes e membros do Ministério Público a desempenhar uma única atividade, além de sua função pública, que é a docência. Tanto o Conselho Nacional de Justiça, como o do MP, entendem que palestras se enquadram no conceito de atividade docente. Em 2017, o plenário do Conselho Nacional do MP avaliou minhas palestras e decidiu de modo unânime que são legais e legítimas. Todo o valor é declarado em imposto de renda. Por uma decisão pessoal, grande parte do que recebo vai para a filantropia. A maioria das minhas palestras, falando sobre o combate à corrupção, sempre foram gratuitas.

Qual é sua maior preocupação no combate à corrupção hoje?
É que o imenso esforço anticorrupção da sociedade nos últimos cinco anos se perca, como aconteceu na Itália. Lá, após a operação Mãos Limpas, leis foram mudadas para anular processos e impedir novas investigações. Aquele país continua com elevados índices de corrupção.


18 de outubro de 2019