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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A grande família




Demissão de Erenice Guerra alimenta suspeitas sobre a montagem de um balcão de negócios no ex-ministério da candidata Dilma Rousseff

Editorial da Folha


A ministra Erenice Guerra, braço direito e substituta da petista Dilma Rousseff na Casa Civil, não resistiu a mais uma reportagem com relatos acerca de atividades de tráfico de influência e cobrança de comissões supostamente praticadas por membros de sua família.

A Folha trouxe, na edição de ontem, a explosiva história de uma empresa que afirmou ter sido orientada a procurar a Capital Consultoria, de um filho da então secretária-executiva do ministério, para liberar um empréstimo bilionário do BNDES.

Segundo os autores da denúncia, em conversas gravadas pela reportagem, houve troca de e-mails com um assessor da Casa Civil e realizou-se uma reunião entre representantes da empresa que pleiteava o empréstimo e Erenice.

A firma do filho da ministra demissionária teria cobrado pelo serviço seis pagamentos mensais de R$ 40 mil, além de uma "taxa de êxito" -um eufemismo para propina- de 5% sobre o valor do financiamento.

Segundo as declarações, o pacote também incluiria uma doação de R$ 5 milhões, supostamente para a campanha de Dilma Rousseff.
Em síntese, de acordo com os depoimentos colhidos pelo jornal, um balcão de negócios, montado no coração do Poder Executivo, tentou vender facilidades para uma empresa interessada em recursos bilionários do banco de fomento do governo federal -que utiliza dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador na concessão de crédito a juros subsidiados.

Para completar o descalabro, segundo um dos entrevistados, o ministério servia de guichê partidário com a finalidade de arrecadar fundos para a candidatura oficial.

Em que pesem as negativas, o pedido de demissão da ministra reforçou conjeturas acerca de sua participação nas tratativas.

O caso, que se reúne aos malfeitos reportados pela revista "Veja" nesta semana, também lança dúvidas sobre o comportamento de Dilma Rousseff e da própria Presidência da República.

Todas as reportagens dão conta de que havia uma quadrilha atuando sob o nariz do chefe do Executivo, em seu mais próximo e estratégico gabinete -a mesma Casa Civil em que se montou, no primeiro mandato, o esquema do mensalão.
O episódio não deixa dúvida quanto à crescente promiscuidade, no atual governo, entre interesses públicos e privados.

Oito anos de incrustação petista na máquina pública foram suficientes para promover, além do conhecido loteamento fisiológico, a partidarização sem precedentes do Estado brasileiro.

O pequeno clã dos Guerra talvez possa ser visto como uma espécie de ilustração em miniatura de um conglomerado maior, a grande família dos sócios do lulismo, formada por uma legião de militantes, aproveitadores e bajuladores que parece ver no exercício das funções públicas uma chance imperdível para enriquecer e perpetuar privilégios.

Infelizmente, essa espantosa instrumentalização das estruturas governamentais, em tudo compatível com o perfil estatizante, corporativo e arrivista do PT, tem encontrado na figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o seu principal fiador.

Inebriado com seus elevados índices de popularidade, o mandatário é o primeiro a estimular a impunidade e a minimizar os "erros" de seus companheiros.

Da compra do apoio de partidos e parlamentares à violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, passando pela devassa no Imposto de Renda de milhares de cidadãos, entre os quais adversários políticos do PT, tudo é atribuído a conspirações da imprensa ou de "inimigos do povo"; nada é investigado a fundo.

Apurar, ao que tudo indica, não é mesmo um verbo que se conjugue no Palácio do Planalto.




Ali, prefere-se iludir, tergiversar, apaniguar.

Por isso mesmo é de esperar que ainda existam instituições públicas com suficiente independência e iniciativa para proceder a uma averiguação rigorosa desses episódios.

Nesta hora em que as pesquisas de intenção de voto apontam para uma vitória acachapante da candidata oficial, mais do que nunca é preciso estabelecer limites e encontrar um paradeiro à ação de um grupo político que se mostra disposto a afrontar garantias democráticas e princípios republicanos de forma recorrente.

O Brasil não pode ser confundido com uma espécie de "hacienda" da grande família petista.

Se não há evidências sobre a participação de Dilma Rousseff em desvios como os agora apontados, é inevitável questionar a escolha de Erenice Guerra para exercer as funções de secretária-executiva e, posteriormente, chefe da Casa Civil da Presidência.

Ninguém mais do que Dilma sabia com quem estava tratando.

Faltou-lhe argúcia para perceber o que se passava?

Desconfiou, mas não tomou providências?

Tudo não passa de um grande engano?

É preciso que se responda.


Há tempos o país vem assistindo à modelagem da figura pública da postulante petista pelo presidente da República e seus propagandistas.

Já é hora de o marketing dar lugar ao debate e ao questionamento.

Os brasileiros precisam de informações que permitam aferir com mais acuidade as virtudes e defeitos daquela a quem Lula, em mais uma de suas sintomáticas e infelizes metáforas, empenha-se em entronizar como a "mãe" do país.


17.Setembro.2010

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