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terça-feira, 5 de outubro de 2010

O Supremo, quosque tandem


  O Supremo, quosque tandem

A indicação dos juízes, os pedidos de vistas, os conflitos de 
interesse, o ativismo e as disputas entre ministros – a agenda de 
dificuldades do STF


LUIZ MAKLOUF CARVALHO

O desembargador Antonio Cezar Peluso queria virar ministro do Supremo Tribunal Federal quando Fernando Henrique Cardoso estava na Presidência. Amigos fiéis pelejaram pelo seu nome e o presidente gostava dele, mas a vaga não foi sua. “O Peluso é bom e eu queria nomeá-lo, mas a vez era de uma mulher”, disse Fernando Henrique.

A decisão foi mais de Ruth Cardoso do que dele. E a também desembargadora Ellen Gracie, indicada e escorada por Nelson Jobim, ganhou o posto.

Quando o reinado tucano findou, Peluso disse a amigos: “Acabou. Vou me aposentar como desembargador e aproveitar a vida.”

Jamais imaginou que o petismo fosse buscar um conservador como ele. Mas hoje lá está ele, na cadeira de presidente, com a alegria de um menino esforçado que conseguiu chegar a primeiro da classe. Peluso não se importa com a definição de “paciência zero”, que percorre o tribunal.

Se for acrescentada a expressão “com a burrice”, é capaz de aplaudir. Também não se altera com observações sobre decisões atrapalhadas ou incoerentes do Supremo, que recendem a insegurança jurídica.


“No Brasil, o mundo jurídico não reage à altura aos erros do Supremo”, disse.

“A maioria das críticas não tem pertinência, não avança no conteúdo, o que seria fundamental para melhorar a qualidade. Nos Estados Unidos, eles não perdoam. Há uma produção acadêmica com massa crítica sobre as decisões da Suprema Corte.”


Aparentemente, ficou satisfeito com a observação de que é um dos poucos ministros capazes de se meter em discussões complexas de improviso, sem ler. Retrucou com uma citação de Fulton Sheen: “Quem se dirige aos outros deve dar preferência em falar sem ler, porque não corre o risco de perder a espontaneidade.”

O Google informa que Fulton Sheen (1895–1979) foi um arcebispo católico americano. Quem mais saberia isso, e ainda mais de memória, senão o ministro Peluso?


Ele teve um tio arcebispo, com quem morou por muitos anos. Foi seminarista por conta disso, e acalentou o desejo de ser papa. Mas desistiu e em 1962 foi cursar direito numa faculdade católica de Santos. “Eu achava que comunista comia criancinha e apoiei os militares”, disse. “Foi um erro do qual me arrependi.”

Peluso não tem nem mestrado nem doutorado. Começou os dois, mas não os concluiu. No doutorado inconcluso, seu orientador foi Alfredo Buzaid, ministro da Justiça da ditadura e juiz do Supremo. “Uma ótima pessoa”, é a sua opinião.


Peluso situa seu arrependimento do apoio à ditadura antes do Ato Institucional nº 5. Gosta de contar sobre sua atuação pró-direitos humanos em presídios abarrotados, quando era corregedor auxiliar do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Disse que uma vez fez um relatório “violentíssimo” contra o delegado Sérgio Fleury, o torturador, a quem chamou de “famigerado”, sendo posteriormente obrigado a cortar o termo por ordem superior.


Foi para o Supremo, como agradeceu no discurso de posse, por obra e graça de Márcio Thomaz Bastos, e, claro, a concordância do presidente Lula.

Tem na casa fama de metódico, irritadiço e autoritário.

Numa entrevista, é reservado, irônico e, quando quer, bem-humorado.
Gosta do chamado samba de raiz – só de ouvir, esclareceu.


Não é de comentar os votos, mas se explicou no caso do processo contra Antonio Palocci por quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa.

Não aceitou a denúncia porque a tipificação do crime estava errada. “Não havia prova de que Palocci tinha mandado quebrar o sigilo do caseiro, mas havia prova de que sabia que isso havia sido feito, e não tomou providência, o que configura o crime de prevaricação”, disse.

“Como a denúncia não o criminalizava por isso, só pude votar como votei.”


Peluso assumiu a presidência com 700 processos prontos para levar a julgamento nas plenárias de quarta e quinta-feira. “É muita coisa”, disse, embora seja menos de 10% dos processos em tramitação.

“Precisamos ser mais breves”, continuou, criticando as intervenções demoradas, inclusive as suas (a leitura do seu voto pela extradição de Cesare Battisti demorou cinco horas).


Admirador do sistema americano, no qual a deliberação não é pública, gostaria que o Supremo adotasse uma forma colegiada de tomar decisões, com os ministros conversando entre si antes dos julgamentos.

A Corte americana tem sessões públicas para os “hearings”, uma espécie de sustentação oral dos advogados, mas muito mais interativo que no Supremo brasileiro.

Os juízes americanos, contudo, deliberam em sessões fechadas e também por escrito, trocando entre eles memorandos que vão e voltam, por meses. 

As sessões também são fechadas na Alemanha, na Espanha, na Itália, na África do Sul e no Canadá.


“O processo de formação de opinião pode ser reservado de modo formal, porque é assim informalmente, já que alguns ministros conversam a respeito dos casos”, disse o presidente do Supremo.

“O problema do Brasil é a gente nunca saber o que a corte pensa. Saber isso traria maior transparência e segurança jurídica.”
Peluso sabe que há forte resistência à colegialidade, especialmente da parte de Marco Aurélio Mello. Mas acha que com paciência e habilidade poderá avançar.


Peluso precisará disso e de algo mais para concretizar duas bandeiras que anunciou. A primeira é a redução das férias do Judiciário de sessenta para trinta dias, uma heresia para quem se beneficia de dois meses de folga. A outra é o aumento de salários do Supremo, uma heresia para quem não trabalha lá.


“Você já sabe do que nós vamos falar”
, disse Lula ao advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli. O assunto era a próxima vaga do Supremo.

Toffoli respondeu:

“Eu sei do que nós vamos falar, presidente, mas eu não vou aceitar porque o seu preferido, o do coração, não sou eu.”

Lula encerrou o assunto: “É, mas o Sig não quis, e vai ser você mesmo.” Um abraço selou o convite e a concordância de Toffoli.

Sig é o apelido do advogado Sigmaringa Seixas, um dos amigos mais queridos do presidente. Poderia ter ido para o Supremo desde a primeira levada lulista – três de uma vez – mas nunca aceitou os convites.

“Eu prefiro advogar”, disse, em seu escritório, explicando o desapego.


De uns mais, de outros menos, Márcio Thomaz Bastos foi o avalista de todos os oito ministros que Lula indicou e o Senado referendou.

Para quem reclama da qualidade da atual corte, ele diz: “O presidente Lula quis fazer um Supremo arejado, mais aberto e voltado para a nação, ao invés de um em fim de carreira, voltado para si próprio. Um Supremo capaz de experimentar, com todos os riscos inerentes a isso, até o risco de Brasília estranhar.” Deu um breque, pensou e continuou:

“O mecanismo de indicação é muito bom, desde que o Senado cumpra o seu dever de escrutinar e investigar os indicados. É isso que faz funcionar o sistema de pesos e contrapesos.

Mas isso não tem existido, infelizmente."



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