A derrota política do lulo-petismo
Marina contribuiu para separar o joio do trigo em uma base eleitoral que o governo acreditava cativa e abriu fenda no esquema neopopulista
Contra fatos não há argumentos.
E "o dado concreto" é que os brasileiros, em sua maioria, não apoiaram o terceiro mandato de Lula (por interposta pessoa).
Os quase 47% dos votos de Dilma configuram uma derrota política, se considerarmos o fortíssimo empenho da máquina estatal a favor de sua candidatura e o engajamento exorbitante do presidente da República -como "nunca antes se viu neste país"- em prol da sua vitória no primeiro turno.
Com efeito, Lula abandonou a sua posição de magistrado para se engajar na guerra eleitoral da forma mais rasteira, transformando vítimas em culpados, levantando solertes suspeições, falsificando a opinião pública, investindo contra a liberdade de imprensa.
Ele cometeu esse erro porque estufou com seus 80% de popularidade.
Perigo!
Em política, a hiperinflação do ego costuma vir acompanhada de pretensões despóticas.
E o sujeito possuído pelo mito que criou sobre si mesmo acredita-se o único eleitor e acaba confundindo popularidade com legitimidade.
Em certa época, 99% dos albaneses achavam o governo do ditador Hoxha ótimo ou bom. Saddam, nos seus tempos de glória, alcançou 96% de aprovação dos iraquianos.
Fujimori, quando deu um golpe em 1992, dissolvendo o Congresso e intervindo no Judiciário, chegou a 80% de popularidade no Peru.
Na lista das duas dezenas de ditadores remanescentes, de Lukashenko (em Belarus) a José Eduardo (em Angola), de Kim Jong Il (na Coreia) a Gaddafi (na Líbia), dos irmãos Castro (em Cuba) a Mugabe (no Zimbábue) passando por al-Bashir (no Sudão), temos um verdadeiro festival de campeões de popularidade.
Todos esses autocratas, a despeito dos votos que teriam ou tiveram, eram e são ilegítimos. Lula deveria refletir sobre isso.
Mas, independentemente do resultado do segundo turno, uma derrota política mais profunda do lulo-petismo já começou.
Porque a degeneração da política que atingiu o coração do governo-partido aborreceu seu público mais íntegro e criativo. Quem tinha um pouco de honestidade e espírito inovador não via a hora de pular fora daquele antro.
Quando apareceu uma candidatura alternativa, como a de Marina, a porta se escancarou. Militantes, simpatizantes e eleitores que ainda votavam no petismo para não parecer retrógrados acorreram para a saída, aos milhões.
Marina contribuiu para separar o joio do trigo numa base eleitoral que o governo acreditava cativa.
Abriu uma fenda no esquema neopopulista, que só tende a se alargar. Lula e o PT ficaram com o joio.
Restaram-lhes, além das vítimas do clientelismo assistencialista e os mesmerizados pela sua retórica, os militantes mais deformados e os negocistas da política.
Tudo isso dependeu, em parte, do discurso inovador de Marina, mas, muito mais, da situação que objetivamente se configurou.
Mesmo que ela, Marina -tentada a se construir como liderança mítica substituta de Lula ou como chefe de uma espécie de "PT do bem"-, não recomende o voto em Serra no segundo turno (o que seria um erro), o estrago no lulo-petismo está feito.
AUGUSTO DE FRANCO, 60, escritor, é autor, entre outras obras, de "Alfabetização Democrática". Foi conselheiro e membro do Comitê Executivo da Comunidade Solidária durante o governo FHC (1995-2002). Foi membro da direção nacional do Partido dos Trabalhadores de 1982 a 1993.
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