Em discurso, Sarney disse inverdades sobre repórter
Na última quarta-feira (5), José Sarney escalou a tribuna do Senado para tentar se defender das acusações que o assediam.
A certa altura, queixou-se da mídia. Apresentou-se como “vítima de uma campanha sistemática e agressiva” dos meios de comunicação.
Para reforçar o que dizia, descreveu “uma coisa lamentável”: a visita de “um jornalista credenciado no Senado” ao empresário Jeovane de Morais.
Jeovane realizara uma transação imobiliária com Sarney. O negócio envolveu a Fazenda do Pericumã, nos arredores de Brasília.
Pois bem. O empresário concordara em receber um repórter interessado em esmiuçar o negócio. O encontro foi descrito por Sarney assim:
“Chega agredindo, dizendo ‘o senhor é laranja do Sarney, confesse!’ e rouba os papéis que estavam em cima da mesa dele e sai correndo”.
Nesse instante, Sarney recolheu um estojo de plástico que se encontrava sobre o púlpito do Senado. Continha um DVD.
Sacudindo-o no ar, Sarney pespega: “Isto está gravado aqui. A cena foi filmada e não deixa dúvida”.
Posando de magnânimo, Sarney disse que não exibiria as imagens. Por quê? Não queria prejudicar os personagens envolvidos, expondo-os em público.
O repórter em questão, cujo nome Sarney esquivou-se de declinar, é Andrei Meireles. Trabalha para “Época”.
A revista obteve cópia da fita que Sarney brandiu em plenário. O miolo das imagens está disponível no vídeo que ilustra esse texto.
Como disse Sarney, “a cena não deixa dúvida”. Sarney pronunciou diante dos colegas uma rematada lorota.
Deu-se em 30 de julho a visita de Andrei ao escritório de Jeovane. Não há nas imagens vestígios de agressão verbal, roubo de papéis ou fugas apressadas.
O repórter entra na sala. Cumprimenta os presentes, senta-se à mesa e põem-se a fazer perguntas de cunha eminentemente técnico.
Em dado momento, Jeovane reclama de diálogo que mantivera na véspera com o repórter. Andrei dissera que ele era “laranja de Sarney”.
Andrei esclarece: Jeovane não identificara os outros proprietários da fazenda, que comprara em 2002. Nessa situação, poderia ser definido como um “laranja”.
O repórter pergunta quanto cada sócio da fazenda desembolsara em dinheiro por sua parte nas terras. Jeovane não responde.
Jeovane exibe a Andrei um lote de papéis: alguns acomodados numa pasta preta, outros soltos sobre a mesa. De resto, um relatório encadernado.
Calmamente, Andrei folheia os documentos. Examina mais detidamente o relatório. Nenhum dos presentes diz ao repórter que ele não poderia levar a encadernação.
A conversa segue. Andrei se levanta. Veste o paletó. Leva o celular ao bolso. À vista de todos, pega o relatório encadernado.
O repórter dirige-se à porta. Nada de correria. Jeovane o acompanha. Argeu Ramos, que trabalha com o empresário e acompanhou a conversa pega o telefone.
Uma assistente do empresário, que também testemunhara a entrevista, passa diante da câmera. Afirma que não sabe como desligá-la.
Munido de um celular, Argeu liga para Emmanoel Roriz, vizinho da fazenda. É outro personagem da transação imobiliária do Pericumã.
Argeu informa a Emmanoel que o repórter iria procurá-lo. Orienta-o a não dar informações. Deveria apenas negar a existência de “contrato de gaveta”.
A assistente diz a Argeu que não está encontrando o relatório que Jeovane exibira ao repórter. Concluem que Andrei o havia levado. Ele “é perigoso, muito perigoso”, diz Argeu.
A assistente deixa o escritório. Ao retornar, informa que Andrei fora embora. No dia seguinte, de acordo com o relato da revista, assessores de Sarney procuraram Época.
Disseram que as informações do relatório não se destinavam a publicação. A revista concluiu que os dados não eram essenciais. E devolveu o papelório.
Foi esse o episódio que Sarney invocou em plenário para sustentar a tese de que, valendo-se de métodos agressivos, a mídia o persegue.
Desfere contra ele “mentiras,” “calúnias”, “montagens” e “acusações levianas”.
Em verdade, se quisesse, o repórter poderia se valer do vídeo para processar Sarney por calúnia e difamação.
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