O SENADO E A NEUROLOGIA
“O diabo só é perigoso porque é velho.”
Adágio Popular
Adágio Popular
Por Waldo Luís Viana*
Receber um médico neurologista em meu exílio em Teresópolis foi um encantamento quase divino! Veio junto a um amigo comum, como se estivesse de passagem, e, como não possuísse comigo qualquer intimidade, fomos tateando por assuntos gerais, extramédicos, que aprendi desde criança, graças a meu pai, que não devemos consultar ninguém sobre os temas com que a pessoa ganha a vida fora de seu contexto profissional.
Assim, não devemos chatear um músico, pedindo que toque o seu instrumento quando nos visita, pedir a um pintor um quadro e assim por diante...
Tivemos então construtiva e relaxante conversa sobre assuntos gerais sem nenhum problema.
Até que resolvi ligar a TV e, como sempre sintonizo a TV Senado quando estou sozinho – porque acompanhado jamais submeteria alguma pessoa de meu relacionamento a tão cruel tortura – o aparelho fez surgir aquela imagem fixa do plenário, com aqueles oradores velhos, cada um fazendo o seu papel. Eis que o neurologista surgiu, por detrás do visitante, e ele começou a comentar o desempenho de cada senador.
Foi hilário!
Era um dia incomum, em que o presidente do Senado fazia santa peroração a seu próprio favor, tentando convencer a ilustre assistência de que nada tinha a ver com a floresta de acusações que pululavam contra ele.
O gestual e a aparente e calculada indignação foram naturalmente comentadas por mim e meu amigo, mas ao neurologista couberam impressões eminentemente técnicas. Começou por explicar que os neurônios não se replicam, enquanto outros tecidos celulares se renovam até um limite de 80 dias em nosso corpo.
Que os velhos exibem cansaço cerebral com facilidade, começando com o fato banal de não conseguirem pronunciar uma oração principal com mais de dez palavras.
Logo aparecem as orações subordinadas ou coordenadas explicativas, inibindo o pensamento fundamental que não volta. Rimos muito com o aparecimento de um aparte, a certa altura, de um senador governista, que falava lentamente – inteligência cenestésica, disse-me o médico – com várias explicações recorrentes e exprimindo-se como se estivesse pedindo desculpas.
Falava como se chorasse baixinho e perguntei o que era aquilo à luz da neurologia. O médico me respondeu que era um paciente com sintomatologia pré-parkinsoniana e que, em breve, começaria também a tremer a face e as mãos.
Redargui-lhe que observava que em seus discursos esse senador abusava da expressão “avalio que”, “avaliei que”, etc. que não existe em português e seria uma demasia da inteligência ferida do parlamentar.
O próprio médico, sorrindo, disse-me que eu é que era precioso, mas que havia uma tendência do cérebro a se acomodar a modismos da mocidade, que se tornavam vícios de linguagem na maturidade senão corrigidos...
Comentei, então, que percebia o tremor das mãos de diversos senadores, cautelosamente poupados de tais detalhes pela câmeras da TV Senado, sintomas que só apareciam ao observador atento.
Mesmo assim, alguns tremiam explicitamente, como faziam os mais idosos, alguns até evitando falar em plenário.
Numa época de velocidades exponenciais na ciência, mundialização das informações e internet, um mandato de oito anos com direito privilegiado à reeleição não deixa de ser um feudo, uma excrescência que não condiz mais com o século XXI.
O Senado é uma casa de espantalhos idosos, uma instituição velha e carcomida, cujos componentes passam o tempo tentando justificar o injustificável.
*Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e também está ficando velho. Teresópolis, 6 de setembro de 2009
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