Veja!
Fábio Pozzebom/ABr
por Josias de Souza
Foram cinco votos contra quatro. O Supremo mandou ao arquivo a denúncia que acusava Antonio Palocci de violar o sigilo bancário de Francenildo Costa.
O tribunal livrou também a cara de Marcelo Netto, ex-assessor de imprensa de Palocci. Quanto a Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, a denúncia foi convertida em ação penal.
Mattoso será o único a responder por um crime que o Ministério Público diz ter sido cometido em comunhão de propósitos. A decisão empurrou para dentro da história do STF uma página deplorável.
O tribunal tinha diante de si uma peça de aparência hediondamente harmoniosa.
A denúncia tinha cara de crime, corpo de delito, patas de abuso de poder e rabo de desfaçatez. Virou uma mula sem cabeça.
Relator do processo, Gilmar Mendes dividiu o crime da quebra de sigilo em dois:
a invasão da conta e a revelação do conteúdo. Viu evidências de que Mattoso invadiu.
Mas acha que não há provas de que tenha recebido ordens de Palocci.
E quanto à revelação?
Para Gilmar, também neste caso não há evidências nem contra Palocci nem contra Marcelo Netto. Ainda que houvesse, disse que o ex-ministro e o ex-assessor não estavam obrigados por lei a guardar sigilo alheio. Só Mattoso.
Votaram com Gilmar os ministros Eros Grau, Ricardo Levandowiski, Ellen Gracie, Cezar Peluso, que se eximiu de votar quanto a Mattoso e Netto. Divergiram: Cármen Lucia, Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
O inusitado da decisão salta justamente das manifestações dos quatro ministros vencidos. Cármen Lucia entrelaçou datas, horários e gestos. Num dia, 14 de março de 2008, o caseiro Francenildo fala ao Estadão.
No dia seguinte, 15 de março, entra em cena um jardineiro, conhecido de Francenildo. Trabalhava na casa da repórter Helena Chagas, então no Globo. O jardineiro conta a uma dupla de repórteres do jornal que Francenildo recebera um dinheirinho. Compraria uma casa.
A informação chega aos ouvidos do senador Tião Viana (PT-AC). Súbito, Helena Chagas recebe um convite para se encontrar com Palocci. A repórter vai ao ministro. Palocci pergunta se o jardineiro se disporia a depor contra o caseiro. Ela diz que não. A coisa estava pendente de confirmação.
No dia 16 de março, houve, no dizer de Carmen Lucia, “o fato incontroverso”: o sigilo da conta de Francenildo foi quebrado. Naquele dia, às 19h, Palocci se encontra com Jorge Mattoso, presidente da CEF. Deu-se numa reunião ocorrida no Planalto.
Dali, Mattoso retorna à CEF. Às 20h, repasse a um assessor o CPF e o nome do caseiro. Às 20h58, os extratos de Francenildo são arrancados dos computadores da Caixa.
Às 21h15, o assessor de Mattoso entrega a ele um envolope com os dados.
A essa altura, Mattoso já não estava na CEF. Encontrava-se num restaurante de Brasília.
O assessor alcançou-o na mesa do jantar. Palocci toca o telefone para Mattoso. Chama-o à sua casa.
O presidente da CEF chega à residência do ministro ao redor das 23h. Entrega-lhe os extratos. Até aí, tudo reconhecido em depoimentos dos próprios acusados.
“A quem aproveita [o vazamento]?”, perguntou Cármen Lucia.
Interssava a Palocci. Francenildo revelara à CPI dos Bingos que o então czar da economia freqüentava a mansão de lobby dos amigos da província, a “República de Ribeirão Pretro”. Ali, trançavam-se negócios e pernas.
Já vencido pela maioria, Marco Aurélio Mello despejou sobre o plenário a pergunta fatídica: “É proibido o recebimento de denúncia contra o hoje deputado Antonio Palocci?
A resposta é desenganadamente negativa”.
Marco Aurélio esmiuçou a cena que Cármen Lucia começara a esboçar. Ele leu nacos da denúncia. Marcelo Netto, ex-homem de imprensa de Palocci, testemunhara o encontro em que Mattoso entregara os extratos ao chefe.
No dia seguinte, 17 de março, a vida bancária do caseiro escalaria o sítio da revista Época. Os autos informam, relembrou Marco Aurélio, que, antes da veiculação, foram disparados seis telefonemas do aparelho de Netto para a redação de Época.
“A divulgação da notícia com os dados bancários se deu pouco mais de uma hora depois desse último contato”, o ministro enfatizou. A revista, disse o ministro, reconhecera ter manuseado os extratos. Recebera uma cópia dos papéis.
Por meio de perícia, a PF verificara que se tratavam de reproduções dos papéis que Mattoso entregara a Palocci, em versão original, na noite anterior. “Ainda se diz que essa denúncia é inepta!”, admirou-se Marco Aurélio. Para ele, de tão clara, a peça chega a ser “acadêmica”.
Carlos Ayres Britto evocou Ulysses Guimarães, que costumava render homenagens a “Sua Excelência o fato”. “A materialidade dos fatos é vistosa, inescondível”. Lembrou que, nessa fase do processo, bastam os indícios.
“Se precisássemos de provas robustas nesse momento, já teríamos a certeza da condenação dos indiciados. Os indícios me convencem de que a denúncia se impõe como peça robusta, suficiente para a abertura da ação penal”.
Para Ayres Britto, o caso era emblemático: “Envolve um cidadão comum do povo, homem simples. Um homem que teve a coragem de, na CPI dos bingos, revelar o que lhe parecia desvio de comportamento de uma autoridade do primeiro escalão [Palocci]...”
“...E justamente contra esse cidadão comum, simples, corajoso, é que se desencadeou a quebra deo sigilo bancário e o vazamento dos dados. Como se a pessoa pobre, simples, comum, não tivesse o civismo suficente para, sem interesses subalternos, revelar fatos que incumbe às autoridades apurar”.
Desafortunadamente, a denúncia envolvia também personagens que não costumam ser tratadas como pessoas normais. Para o STF, Mattoso agiu só. É como se um anjo da guarda, a serviço de Palocci, tivesse ditado nos seus tímpanos o CPF e o nome de Francenildo.
Depois, a ordem: quebre o sigilo, entregue ao ministro.
Marco Aurélio anteviu o óbvio insinuado nas manifestações dos advogados.
O próximo passo será sustentar a tese de que Mattoso não fez senão cumprir com a sua obrigação.
Mandou verificar uma conta cuja movimentação que parecera atípica.
0 comentários:
Postar um comentário