Por Augusto Nunes
Horas antes do começo da sessão do Supremo Tribunal Federal que acaba de inocentar Antonio Palocci, o caseiro desempregado Francenildo Costa continuava pouco animado com a ideia de assistir ao julgamento.
Ainda não viu a cor do dinheiro que a Caixa Econômica terá de pagar-lhe pela quebra ilegal do sigilo bancário. Teria de arrumar um terno. E desconfiava de que a coisa iria dar em nada. ”Eles sempre se ajudam”, previu.
Esse ceticismo vem sendo alimentado faz dois anos e meio. Desde março de 2006, quando o crime ocorreu, Francenildo colhe sucessivas evidências de que o Brasil já não se limita a absolver pecadores. Também pune inocentes.
Por ter contado que Palocci aparecia com frequência na mansão suspeitíssima que jurou não conhecer, o caseiro da “República de Ribeirão Preto” perdeu o emprego, o sossego, a mulher e a chance de conseguir trabalho fixo em Brasília.
O culpado ficou dois meses deprimido com a perda do emprego, mas se elegeu deputado e, com a abolvição, poderá escolher entre a volta ao primeiro escalão e a candidatura ao governo de São Paulo. A depressão se foi faz muito tempo.
Convencido pelo advogado, que também lhe emprestou o terno, chegou ao STF nesta quinta-feira disposto a depor. Os ministros negaram-se a saber o que tem a dizer um brasileiro que nunca foi ouvido em qualquer tribunal. Quando entrou no plenário, ficou intrigado com aquelas capas longas e pretas.
Quando a sessão começou, ficou confuso. Nunca ouvira alguém falando juridiquês. Se o advogado não traduzisse o que diziam os doutores, não teria entendido uma vírgula da discurseira.
Caso o intérprete improvisado não tenha censurado especialmente inverossímeis, Francenildo soube que virou réu durante o falatório do advogado José Roberto Batocchio.
Para salvar a pele do cliente, o doutor voltou a lançar suspeitas sobre o dinheiro que a vítima recebeu do pai. E insinuou que, durante algum tempo, a Polïcia Federal esteve por algum tempo sob o comando de um caseiro de alta periculosidade.
Presidente do STF e relator do caso, Gilmar Mendes admitiu que o sigilo foi quebrado. Mas não há provas de que Palocci participou diretamente do crime, decidiu, balizando o caminho que percorreria ─ e que seria seguido por cinco ministros.
Quatro optaram pela sensatez e pela lógica. Se o caseiro não desmentisse o ministro, o estupro não teria ocorrido, certo? Se fossem localizadas irregularidades na conta, Palocci conseguiria desqualificar o testemunho de Francenildo e manter-se no cargo, certo?
Gilmar Mendes acha pouco.
Quer provas.
Ele só aceitaria tocar o caso adiante se Palocci, além de ordenar o estupro, fosse pessoalmente à agência da CEF, obrigasse o gerente a descobrir bandalheiras na conta e entregasse a papelada aos jornalistas amigos.
Como não fez isso, talvez sobre para presidente da CEF, Jorge Mattoso.
Para o caseiro, sobrou de novo.
Sempre sobra.
As legendas exibidas na tela informavam que estava em curso, transmitido ao vivo pela TV Senado, o julgamento da ”Pet 3898 - MPF x Antonio Palocci Filho e outros”. Pet de petição, MPF de Ministério Público Federal. O som e as imagens foram muito além do prometido.
Foram escancarados, nesta quinta-feira, alguns traços perversos da rosto do país: a verborragia, a arrogância, o farisaísmo, a erudição farsesca, o cinismo, a miopia malandra.
Viu-se em sua sórdida inteireza a cara do país que absolve os Paloccis e castiga os Francenildos.
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