Está sendo implantado pelo atual governo, no Brasil, agressivo modelo de Estado patrimonial, que privatiza ainda mais as instituições republicanas em benefício da militância partidária do PT e dos que se acolhem nessa sigla.
Esta não seria senão mais uma etapa do nosso arcaico patrimonialismo, não fosse o viés totalitário que assoma por entre as frestas dos acontecimentos ao longo destes oito anos, manifestação que se torna mais translúcida em momentos de pugna eleitoral, como os que estamos vivendo.
Três aspectos na política do atual governo são preocupantes, porquanto conduzem diretamente a uma etapa, totalitária, do processo de hegemonia petista.
Primeiro, a tentativa de Lula de conseguir maioria no Senado, com a finalidade de ver aberta a porta para uma reforma, de tipo chavista, da Constituição.
Segundo, a progressiva tendência policial da militância, que, não contente com ter aparelhado Ministérios, secretarias e autarquias, monta, a partir desses espaços, políticas de caça às bruxas, colocando todos os cidadãos com a corda no pescoço.
Após as repetidas quebras de sigilo dos dados de declarações de Imposto de Renda, pela Receita Federal, de cidadãos pertencentes à oposição ou próximos dela, todos os brasileiros viramos candidatos a Francenildos.
Em terceiro lugar, a costumeira desfaçatez do presidente Lula, pronto para dar cobertura aos contumazes "aloprados", neste episódio e nos anteriores, ocorridos ao ensejo das eleições de 2006, bem como no caso do "mensalão", rebatizado pela intelligentsia petista como um reles caso de "caixa 2", que todo mundo pratica.
A imprensa brasileira tem reagido à altura diante desses atentados à democracia.
O editorial do Estadão O responsável pela bandidagem (3/9, A3) foi certeiro ao indicar para onde apontam as responsabilidades da quebra de sigilo:
"O crime comum e o crime político se complementam. Agora, destampada a devassa nas declarações de Verônica Serra, vem o presidente Lula falar em "bandidagem". Se quiser saber quem é o responsável último por essa degenerescência, basta se olhar no espelho."
E o jornal O Globo, na mesma data, não fez por menos, também em editorial (Impunidade incentiva crime na política), destacando a causa do clima de "liberou geral" instalado no País:
"É a impunidade existente no PT que incentiva a militância a agir como delinquentes, espiões. O partido estimula o crime quando dá tratamento de herói a mensaleiros (...)."
Como vários comentaristas têm destacado, caracteriza-se a atual onda de utilização criminosa dos mecanismos do Estado em benefício da candidata oficial pelo fato de se alicerçar em modelo de comportamento que, por sua vez, é caracterizado como de "ética totalitária", segundo a qual os fins justificam os meios.
A pretensão não é nova na História.
Após a formulação do modelo de "messianismo político" por Jean-Jacques Rousseau, estabeleceu-se agressiva doutrina que pode ser resumida rapidamente nos seguintes itens:
1) A finalidade da vida em sociedade consiste em garantir a felicidade dos indivíduos.
2) Somente será possível atingir a felicidade dos indivíduos em sociedade se estes renunciarem à defesa dos seus interesses individuais, a fim de que todos se identifiquem com o interesse ou o bem público.
3) Como os indivíduos se tornaram egoístas por força do individualismo materialista dominante na sociedade, torna-se necessário que uma minoria de puros, identificados com o bem público (definido por eles próprios), os submeta a um banho catártico que os limpe das impurezas do individualismo.
4) A comunidade dos indivíduos despidos dos seus interesses individuais constitui a vontade geral.
5) Nessa comunidade de homens puros vigora a unanimidade, sendo a dissidência considerada como um atentado à felicidade geral, devendo ser rigorosamente eliminada.
Como ensinava Rousseau no seu Contrato Social, todos os meios seriam válidos para a elite de puros implantar a unanimidade.
6) Na organização do Estado deve ser levada em consideração a busca do modelo que melhor garanta a unanimidade, mediante a eliminação da oposição.
Como consequência dessa proposta, a humanidade viveu, entre 1917 e 1989, o século do totalitarismo, com os milhões de vítimas que causou a implantação da vontade geral por minorias fanáticas, na Rússia, na Ásia e na Europa, ao ensejo das ditaduras nazi-fascista e comunista.
A prévia desse filme de horror havia sido apresentada na Revolução Francesa e no ciclo denominado Terror Jacobino, com a maquininha infernal de eliminar dissidentes funcionando a pleno vapor pela França afora.
Neste início de milênio, consolidam-se experiências de populismo que se aproximam, na América Latina e alhures, dessa versão totalitária. Os dois mais importantes rebentos da nova realidade são a revolução bolivariana do presidente Hugo Chávez, na Venezuela, e o agressivo fundamentalismo islâmico praticado no Irã por Mahmoud Ahmadinejad e pelos aiatolás. Totalitarismos e populismos fundamentalistas seriam o reino da paz perpétua, não no sentido liberal que Kant conferiu a essa expressão, mas na acepção literal que o gênio de Königsberg viu inscrita na porta do cemitério da sua cidade, circunstância que o inspirou, aliás, na formulação da pergunta sobre se não haveria outra paz a que os seres humanos pudéssemos aspirar, diferente da dos túmulos.
É curioso observar a tendência do presidente Lula a confraternizar exatamente com esses regimes, louvando Chávez pelo fato de existir democracia "até demais" na Venezuela e defendendo os interesses nucleares do Irã, com sério risco para a paz mundial e arranhando a imagem da nossa diplomacia.
Ricardo Vélez Rodríguez, Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora, em O Estado de S.Paulo
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