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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Tirania e liberdade



Tirania e liberdade não se podem considerar isoladas, mesmo se, vistas temporalmente, se revezam uma à outra.

Não há dúvidas de que se pode dizer que a tirania suprime e aniquila a liberdade – mas, por outro lado, uma tirania só pode ser possível, quando a liberdade se domestica e se volatiliza no seu conceito vazio.

O ser humano tende a confiar no aparelho político ou ainda a submeter-se-lhe, quando devia haurir das suas próprias fontes.

O que é uma falha em imaginação.

Ele tem de conhecer os pontos nos quais não pode deixar que a sua decisão soberana seja negociada.

Enquanto as coisas estiverem em ordem, a água estará canalizada e a corrente eléctrica ligada.

Se a vida e a propriedade forem ameaçadas, um grito de alarme fará afluir magicamente Bombeiros e Polícia.

O grande perigo está em que o ser humano conta em excesso com estas ajudas e fica desamparado quando lhe faltam.

Todo o conforto tem de ser pago.

A situação do animal doméstico arrasta atrás de si a do animal de abate.

Ernst Junger em O Passo da Floresta
 

Comentário

Tirania e liberdade podem ter conceitos muito próximos.

A indiferença na modernidade é um dos exemplos.

O só pensar em si, de dizer: "problema é dos outros", é um certo relaxamento daquilo que se pensava até então como função social.

Existe sociedade?

Função?

Só se for aquela que promete uma casa, carros e família.

O resto é pensado como um à parte, no entanto, é este resto que responde por uma parcela de uma conjuntura, que de certo modo, influencia um pouco o comportamento de todos.

O que é mais grave nisso é que termos antes impensáveis, como um "ordinário" ou "corrupto", se tornam rotineiros numa cidade grande, onde muito se fala e pouco se cumpre.

E mesmo sabendo disso, nada se faz.

Revoltas como a dos anos 60?

O mundo virtual está aí para nos proporcionar esquecimentos também.

Cada um se refugia num plano que isola o papel social.

Não estou dizendo que no século XIX, quando se afirmava que "ordinário" era uma palavra horrível, que todos eram "santinhos".

Negativo.

Eram todos cínicos, apoiados na moral.

Nietzsche e outros pensadores repensaram muito o assunto até que as duas guerras mundiais acabaram com este papo e inauguraram o discurso livresco e sem compromisso com títulos.

Hoje podemos ser socialistas e capitalistas ao mesmo tempo, podemos ser democratas e republicanos, um cristão ateu, ou seja, toda e qualquer classificação aceita e sem formas delimitadas.


Tudo bem, se fosse questão apenas de personalização, todavia é algo que beira muito mais que isso, para uma banalização do mal infecunda.

Termino aqui com o texto de Martin Niëmoller:



"Eles começaram perseguindo os comunistas,
e eu não protestei, porque não era comunista.
Depois, vieram buscar os judeus,
e eu não protestei, porque não era judeu.
Depois ainda, vieram buscar os sindicalistas,
e eu não protestei, porque não era sindicalista.
Aí, vieram buscar os homossexuais,
e eu não protestei, porque não era homossexual.
Aí então, vieram buscar os ciganos,
e eu não protestei, porque não era cigano.
E depois, vieram buscar os imigrantes,
e eu não protestei, porque não era imigrante.
Depois, vieram me buscar.
E já não havia ninguém para protestar"
Por Phil



LIBERDADE

Ser livre é querer ir e ter um rumo
e ir sem medo,
mesmo que sejam vãos os passos.
É pensar e logo
transformar o fumo
do pensamento em braços.
É não ter pão nem vinho,
só ver portas fechadas e pessoas hostis
e arrancar teimosamente do caminho
sonhos de sol
com fúrias de raiz.
É estar atado, amordaçado, em sangue, exausto
e, mesmo assim,
só de pensar gritar
gritar
e só de pensar ir
ir e chegar ao fim.

Armindo Rodrigues



"As desgraças das revoluções são dolorosas fatalidades, as desgraças dos maus governos são dolorosas infâmias."

Eça de Queirós, em Distrito de Évora

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