A semana começa sob os ruídos de um novo velho escândalo.
O caso é novo porque ainda não havia chegado às manchetes.
É velho
porque é feito de uma matéria prima muito comum no noticiário sobre
corrupção: as famigeradas emendas parlamentares.
Deve-se a revelação da encrenca ao repórter Paulo Celso Pereira. Ele obteve um par de gravações.
Soam nos áudios as vozes de duas pessoas ligadas a um deputado chamado João Bacelar (PR-BA).
Uma, Isabela Suarez, é ex-mulher do parlamentar.
A outra, Lílian Bacelar, é irmã dele.
Lílian mede forças com o irmão deputado um litígio judicial pela partilha da herança do pai. Gravou conversas mantidas com Isabela.
Sem saber que estava sob escuta, a ex-mulher relata detalhes de um esquema operado por João Bacelar. O deputado compra emendas de colegas, ela contou.
Isabela detalhou para Lílian os negócios atribuídos a Bacelar. Num trecho da conversa, declarou:
“Desse cara do PT, com certeza ele compra emenda.
O nome dele é Geraldo alguma coisa.
Federal da Bahia.
Se procurar, na hora você vai achar: Geraldo.
Com certeza, com certeza.
Eles operavam com o filho dele.”
Na bancada do PT baiano há um único deputado chamado Geraldo. O nome completo é Geraldo Simões.
A prosa de Isabela orna com o teor de uma planilha apalpada pelo repórter junto com um lote de e-mails trocados pelo deputado João Bacelar.
Nesse tabela, aparecem os nomes de sete municípios baianos que receberam verbas da Codevasf (Cia. de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba).
Dinheiro provido por meio de emendas empurradas para dentro do Orçamento da União.
Cada município aparece no documento associado a uma cifra e às iniciais de cinco autores de emendas: GS, FS, JB, MM e FF.
Dessas siglas, apenas FS não foi identificada.
Quanto às demais, um cruzamento feito com as emendas direcionadas à Codefasf permitiu descobrir os rostos escondidos atrás das letras.
GS é Geraldo Simões (PT-BA), JB é o próprio João Bacelar (PR-BA), MM é Marcos Medrado (PDT-BA) e FF é o ex-deputado Fernando Fabinho.
Os parlamentares negam que tenham cometido irregularidades.
Normalmente, deputados costumam direcionar verbas do Orçamento para cidades onde colecionam votos. Por mal dos pecados, a planilha baiana revela um fenômeno inusitado.
O dinheiro foi mandado para redutos eleitorais de João Bacelar, não dos autores das emendas. Em cinco dos sete municípios mencionados Bacelar foi o primeiro ou o segundo deputado mais votado na eleição de 2010.
Por exemplo: Defronte da sigla GS, lê-se o nome da cidade de Casa Nova e o montante de R$ 3 milhões. Ouvida, a Codevasf confirmou a existência da emenda, o nome do autor (Geraldo Simões), o valor e o município.
Em Casa Nova, Bacelar amealhou 7.599 votos. Simões, o signatário da emenda, apenas quatro.
João Bacelar é herdeiro de uma construtora, a Embratec.
Suspeita-se que as verbas são direcionadas para prefeituras que, na sequência, contratam a empresa da família Bacelar para a realização das obras.
Numa das conversas gravadas pela irmã Lílian, a ex-mulher Isabela Suarez explica o porquê do comércio de emendas:
“Época de campanha política, neguinho está sem dinheiro. Aí pega um deputado que esteja mais capitalizado. Como ele [Bacelar] tem construtora, aí vende as emendas para ele antecipadamente com o compromisso. Aí, ele vai lá e aporta dinheiro na campanha do cara. Aí, quando ele entrar no mandato, vai lá e paga as emendas. [...] Quem negocia emenda, todo mundo sabe. Ele deve negociar emenda com todos os deputados. Porque o cara precisa disso para poder financiar sua campanha.”
O caso de Bacelar não é original. No ano passado, os ministérios do Turismo, do Trabalho e dos Esportes revezaram-se nas manchetes em escândalos envolvendo desvios de emendas parlamentares que destinaram verbas públicas para ONGs.
Nem toda emenda de parlamentar resulta em corrupção.
Mas quase toda a corrupção de Brasília carrega as emendas no DNA.
Algo como 80% dos 513 deputados e dos 81 senadores resumem os seus mandatos a duas tarefas.
A primeira é atender aos interesses dos grupos políticos e econômicos que os elegeram.
A segunda, preparar a caixa da próxima reeleição.
Essas duas prioridades terminam por conduzir os deputados para o balcão.
Em troca de apoio congressual ao governo, exige-se a liberação das emendas e a acomodação de apadrinhados em cargos com poder para virar a chave do cofre. O primeiro grande escândalo, o caso dos “Anões do Orçamento”, é de 1993.
O país vinha do impeachment de Fernando Collor. Itamar Franco mal assumira a Presidência quando se descobriu que também o Legislativo caminhava sobre o pântano.
Deputados cobravam propinas de empreteiras e prefeituras para injetar no Orçamento da União recursos destinados a obras públicas.
Criou-se uma CPI.
Seis deputados tiveram os mandatos passados na lâmina. Outros quatro renunciaram. Alteraram-se as regras de elaboração do Orçamento.
Há cinco anos, em 2007, no alvorecer do segundo reinado de Lula, a “Operação Navalha” demonstrou que a mudança de normas não deteve os malfeitos.
Sob supervisão do Ministério Público, a Polícia Federal gravou 585 diálogos telefônicos. Conversas vadias, que desnudaram um esquema similar ao dos anões.
A transcrição das fitas recheia um processo de 52 mil folhas.
Descrevem o modo como o empreiteiro Zuleido Veras e a sua Gautama beliscavam verbas públicas.
Numa ponta, compravam-se os políticos com poder para destinar verbas às obras. Noutra, subornavam-se servidores públicos responsáveis pelas liberações.
A navalha correu em quatro ministérios, seis governos de Estados nordestinos, e dezenas de prefeituras.
A vítima mais vistosa foi Silas Rondeau. Acomodado por Lula na pasta de Minas e Energia a pedido de José Sarney (PMDB-AP), Rondeau foi acusado de receber propina de R$ 100 mil.
Entre os anões e a navalha, houve o caso das “Sanguessugas”.
Nasceu em 2001, sob Fernando Henrique Cardoso, e explodiu em 2006, no final do primeiro reinado de Lula. Envolvia a pasta da Saúde.
Na origem do roubo, de novo, as emendas. Destinavam-se à compra de ambulâncias para prefeituras.
A propina aos parlamentares era provida pela empresa Planan, que superfaturava os veículos em até 250%. Uma CPI apontou o envolvimento de 71 congressistas. Nenhum foi cassado. Mas poucos se reelegeram.
Além da origem parlamentar, os escândalos têm muito em comum: produzem operações espalhafatosas da PF, dezenas de prisões e quantidade idêntica de habeas corpus.
Passado o estrondo, as cadeias se esvaziam e os escaninhos do Judiciário ficam apinhados.
Não há vestígio de condenação definitiva.
Grassa a impunidade.
Daí a reiteração dos desvios.
17/06/2012
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