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domingo, 18 de outubro de 2009

ULTIMATUM: Passai por baixo do meu Desprezo !

ULTIMATUM

de Álvaro de Campos

«O que é preciso é o artista que sinta por um certo número de Outros, todos diferentes uns dos outros...»


Mandado de despejo aos mandarins...!
Fora.


Passai, tradicionalistas auto-convencidos, anarquistas deveras sinceros, socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores para quererem deixar de trabalhar! Rotineiros da revolução, passai! 
 
Sufoco de ter só isto à minha volta!

Deixem-me respirar!

Abram todas as janelas !

Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!

Nenhuma ideia grande, ou noção completa ou ambição imperial de imperador-nato!

Época vil dos secundários, dos aproximados, dos lacaios com aspirações de lacaios a reis-lacaios!

Lacaios que não sabeis ter a Aspiração, burgueses do Desejo, transviados do balcão instintivo!

Sim, todos vós que sois políticos em evidência em todo o mundo, que sois literatos meneurs de correntes europeias, que sois qualquer coisa a qualquer coisa neste maelström de chá-morno!

Passai por baixo do meu Desprezo !

Passai vós, ambiciosos do luxo quotidiano, anseios de costureiras dos dois sexos, vós cujo tipo é o plebeu Annunzio, aristocrata de tanga de ouro!

Passai vós, que sois autores de correntes artísticas, verso da medalha da impotência de criar!

Passai, frouxos que tendes a necessidade de serdes os istas de qualquer ismo!

Passai, radicais do Pouco, incultos do Avanço, que tendes a ignorância por coluna da audácia, que tendes a impotência por esteio das neo-teorias!

Passai, gigantes de formigueiro, ébrios da vossa personalidade de filhos de burguês, com a mania da grande-vida roubada na dispensa paterna e a hereditariedade indesentranhada dos nervos!

Passai, mistos; passai, débeis que só cantais a debilidade; passai, ultra-débeis que cantais só a força, burgueses pasmados ante o atleta de feira que quereis criar na vossa indecisão febril !

Passai, esterco epileptóide sem grandezas, histerialixo dos espectáculos, senilidade social do conceito individual de juventude!

Passai, bolor do Novo, mercadoria em mau estado desde o cérebro de origem!

Passai à esquerda do meu Desdém virado à direita, criadores de «sistemas filosóficos»...

Passai e não volteis, burgueses da Europa-Total, párias da ambição do parecer-grandes, provincianos de Paris!

Passai, decigramas da Ambição, grandes só numa época que conta a grandeza por centimiligramas!

Passai, provisórios, quotidianos, artistas e políticos estilo lightning-lunch, servos empoleirados da Hora, trintanários da Ocasião!

Passai, «finas sensibilidades» pela falta de espinha dorsal; passai, construtores de café e conferência, monte de tijolos com pretensões a casa!

Passai, cerebrais dos arrabaldes, intensos de esquina-de-rua!

Inútil luxo, passai, vã grandeza ao alcance de todos, megalomonia triunfante do aldeão de Europa-aldeia!

Vós que confundis o humano com o popular, e o aristocrático com o fidalgo!

Vós que confundis tudo, que, quando não pensais nada, dizeis sempre outra coisa!

Chocalhos, incompletos, maravalhas, passai!

Passai, pretendentes a reis parciais, lords de serradura, senhores feudais do Castelo de Papelão!

Passai, cultores do hipnotismo em casa, dominadores da vizinha do lado, caserneiros da Disciplina que não custa nem cria !

E todos os chefes de Estado, incompetentes ao léu, barris de lixo virado para baixo à porta da insuficiência da Época!”

Passai, absolutamente, pas
sai!

Mandem isso tudo pra casa descascar batatas simbólicas!
Homens, nações, intuitos, está tudo nulo!
Falência de tudo por causa de todos!
Falência de todos por causa de tudo!
De um modo completo, de um modo total,
de um modo integral:
MERD
A!

Trechos do texto O Ultimatum de Álvaro de Campos adaptados ao momento atual do Brasil

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