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sexta-feira, 11 de abril de 2008

ESCÂNDALO: TARSO DEFENDE DOSSIÊS. QUE O CONGRESSO E A JUSTIÇA REAJAM.OU FECHEM AS PORTAS

É o fundo poço.

A matéria do dia, sem dúvida, está no Correio Braziliense. Entrei na página eletrônica do jornal e bati o olho na manchete: “MINISTRO DA JUSTIÇA DEFENDE DOSSIÊ”.

Vocês sabem: eu sou como a Dama de Vermelho, Dilma Rousseff: desconfio da imprensa. Sempre tão exagerada, não é? “Pô, vai ver estão esquentando a matéria", pensei.

“Esquentar”, leitor, é exagerar um tanto o que diz um entrevistado ou uma fonte para a coisa parecer mais interessante e/ou grave do que é. Tarso Genro concedeu uma entrevista a Gustavo Krieger. É aquele ministro, vocês sabem, que produz versos a mancheias. “Ah, não! Quero as aspas”, desafiei. E então fui ler a conversa do ministro com o repórter. Acompanhem trechos (em azul):

O senhor tem insistido em que fazer um dossiê não é crime. Mas é correto usar informações que estão dentro do governo e dar a elas uma destinação política?
Não só é correto, como é necessário. É feito por todos os administradores responsáveis. Quando um administrador é atacado a respeito da realização de determinadas despesas e esse administrador quer mostrar que essas despesas que realizou são despesas ordinárias, comuns, feitas por todos os governos e aprovadas pelo Tribunal de Contas (da União), ele tem de fazer anotações para deixar à disposição, por exemplo, de uma CPI, de um inquérito do Ministério Público ou do TCU. Isso não é ilegal nem estranho. O problema é que, neste caso da Casa Civil, o que se começou noticiando foi o seguinte: Casa Civil vazou dossiê para prejudicar Fernando Henrique. Aí sim se criminalizou, nesse caso concreto, a palavra dossiê. Repito: dossiê não é um tipo penal.

A idéia de mostrar que outros governos faziam o mesmo tipo de despesa, como o caso dos cartões corporativos, lhe parece correta como estratégia de defesa do político acusado?
Evidente. Se o administrador está fazendo uma análise dos seus gastos e quer mostrar que há um histórico desses gastos, aprovados pelo Tribunal de Contas, isso é uma atitude necessária e séria do administrador. O que não é correto, não é ético, é usar essas informações, seja por parte da oposição seja por parte do governo, para imputar a outrem um delito que ele não cometeu. Isso é ilegal, porque é uma denunciação caluniosa. É antiético e nenhum administrador deve fazê-lo. E se fizer, deve ser punido.

O senhor diz que a Casa Civil não fez “anotações à margem”. Mas selecionar num universo de dados determinados tipos de gastos e fazer cruzamentos que apontam, por exemplo, os gastos com viagens da primeira-dama Ruth Cardoso, não é um direcionamento?
Depende de para que é usada essa anotação. Se ela é usada para um fim ilegal, o que é ilegal é o fim e não o ato de fazer esta anotação. Este ato é um direito que todo administrador tem. No caso da Casa Civil, não tenho nenhuma indicação que ela tenha feito qualquer anotação para usar contra qualquer pessoa. Por isso, não há um tipo penal a ser investigado. O tipo penal, inclusive no dossiê, não é o dossiê propriamente dito e sim o motivo para o qual esse dossiê será utilizado.

Voltei

Pois é, meus caros. A integra da entrevista está aqui. Na madrugada deste sábado, faz três semanas que VEJA chegou às bancas noticiando a existência de um dossiê para intimidar as oposições. Vocês lembram, então, qual foi a reação: negação peremptória. Daquele dia a esta data, já se arrumaram ao menos cinco versões para tentar explicar o ocorrido, todas elas furadas, desmentidas pela realidade. Na entrevista coletiva, Dilma chegou a levantar a hipótese ridícula de que documentos da Casa Civil revelados pela Folha tivessem sido fraudados.

Tarso agora não deixa dúvida. Ele não vê mal nenhum em fazer dossiês. Mais do que isso: ele os considera necessários e instrumentos regulares para fazer política. Ruim mesmo, diz ele, é vazar essas coisas — e, claro, com isso pretende manter a pantomima de arrastar para a lama algum político da oposição.

Convocação

De imediato, Tarso tem de ser convidado a se explicar na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Saibam todos os políticos brasileiros — e não só os de oposição: este é um governo que acha legítimo e “necessário” fazer dossiês. Se isso vale para FHC, sua mulher e alguns de seuis ministros, vale para qualquer deputado ou senador do Congresso Nacional. Tarso está tentando naturalizar a guerra suja. Está dizendo que é legítimo que funcionários do estado sejam mobilizados para produzir “documentos” contra políticos e administradores da oposição — e, não se enganem, se preciso, da situação também. Isso é estado policial.

Ninguém mais está seguro.

Esquerdopatia

Um trecho de sua fala encantadora chama especialmente a minha atenção. O repórter quer saber se a seleção direcionada de informações, como se fez, não é condenável. E o ministro da Justiça — notem bem: DA JUSTIÇA — responde: “Depende de para que é usada essa anotação. Se ela é usada para um fim ilegal, o que é ilegal é o fim e não o ato de fazer esta anotação.”

Vamos generalizar o princípio “tarsiano”? Nenhum ato é, em si mesmo, condenável. Depende a sua finalidade. Vamos ao ponto extremo? Matar, por exemplo. Depende o fim. Sejamos menos drásticos: e roubar? Depende o fim. Os fins, como se vê, justificam os meios. É o triunfo do relativismo moral.

Tarso, diga-se, já foi trotskista. Deve saber de cor e salteado o texto A Nossa Moral e A Deles, de Trotsky, em que o autor explica que, segundo o ponto de vista revolucionário, certas ações consideradas criminosas pela ótica burguesa são perfeitamente aceitáveis na perspectiva revolucionaria. Assim é: o que seria crime aos olhos dos demais partidos, para o petismo, é só uma forma legítima de luta política.

Num país normal, este senhor estaria no olho da rua nesta sexta mesmo. Seria demitido por telefone. No Brasil, vai continuar com o seu lero-lero autoritário. E é bom advertir: a partir de agora, deputado, senador, juiz ou cidadão comum, saibam todos, ninguém está com sua vida ao abrigo de um governo que defende o direito de fazer dossiês.

Arremato afirmando, por mera dedução, que este que veio à luz é apenas o dossiê que se conhece. Por que não haveria outros nos porões da Casa Civil? Aliás, noticia o Estadão (ver abaixo), a Casa Civil vive em clima é de guerra civil. Aqui.

Por Reinaldo Azevedo


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