Por *Fernando Henrique Cardoso
Em pouco mais de dois meses escolheremos o próximo presidente.
Tempo mais do que suficiente para um balanço da situação e, sobretudo, para assumirmos a responsabilidade pela escolha que faremos.
É inegável que a popularidade de Lula e a sensação de dinheiro no bolso, materializada no aumento do consumo, podem dar aos eleitores a sensação de que é melhor ficar com o conhecido do que mudar para o incerto.
Mas o que realmente se conhece?
Que nos últimos 20 anos melhorou a vida das pessoas no Brasil, com a abertura da economia, com a estabilidade da moeda trazida pelo Plano Real, com o fim dos monopólios estatais e com as políticas de distribuição de renda simbolizadas pelas bolsas.
Foi nessa moldura que Lula pregou sua imagem.
Arengador de méritos, independentemente do que diga (quase nada diz, mas toca em almas ansiosas por atenção), vem conseguindo confundir a opinião, como se antes dele nada houvesse e depois dele, se não houver a continuidade presumida com a eleição de sua candidata, haverá retrocesso.
Terá êxito a estratégia?
Por enquanto o que chama a atenção é a disposição de bem menos da metade do eleitorado em votar no governo, enquanto a votação oposicionista se mantém consistente próxima da metade.
Essa obstinação, a despeito da pressão governamental, impressiona mais do que o fato de Lula ter transferido para sua candidata 35% a 40% dos votos.
Assim como impressiona que o apoio aos candidatos não esteja dividido por classes de renda, mas por regiões:
pobres do Sul e do Sudeste tendem a votar mais em Serra, assim como ricos do Norte e do Nordeste, em Dilma.
O empate, depois de praticamente dois anos de campanha oficial em favor da candidata governista, tem sabor de vitória para a oposição.
É como se a lábia presidencial tivesse alcançado um teto.
De agora para frente, a voz deverá ser a de quem o país nunca ouviu, a da candidata.
Pode surpreender?
Sempre é possível.
Mas pelos balbucios escutados falta muito para convencer: falta história nacional, falta clareza nas posições; dá a impressão de que a palavra saiu de um manequim que não tem opiniões fortes sobre os temas e diz, meio desajeitadamente, o que os auditórios querem ouvir.
Não terá sido esta também a técnica de Lula?
Até certo ponto, pois este quando esbraveja ou quando se aferra pouco à verdade, o faz “autenticamente”: sente-se que pode assumir qualquer posição porque em princípio nunca teve posição alguma.
Dito em suas próprias palavras:
“Sou uma metamorfose ambulante”.
Ora, o caso da candidata do PT é o oposto (esta é, aliás, sua virtude).
Tem opiniões firmes, com as quais podemos ou não concordar, mas ela luta pelo que crê.
Este é também seu dilema: ou diz o que crê e possivelmente perde eleitores por seu compromisso com uma visão centralizadora e burocrática da economia e da sociedade, ou se metamorfoseia e vira personagem de marqueteiro, pouco convincente.
Não obstante, muitos comentaristas, como recentemente um punhado de brazilianists, quando perguntados sobre as diferenças entre as duas candidaturas, pensam que há mais convergências do que discrepâncias entre os candidatos.
Será?
* Fernando Henrique Cardoso - Ex-presidente da República
31 de julho de 2010.
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