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domingo, 25 de julho de 2010

JÁ NÃO PODEMOS DIZER NADA!

JÁ NÃO PODEMOS DIZER NADA!


Sandra Cavalcanti

Em 14 de de abril de 1930, aos 36 anos, Vladimir Maiakóvski, o maior poeta russo da era contemporânea, deu um fim trágico à sua atormentada vida.


Matou-se porque perdeu toda a esperança e se viu diante de uma estrada sem saída.


Sua obra é absolutamente revolucionária, como revolucionárias eram as suas idéias. Mas o poeta, dizia ele, por mais revolucionário que seja, não pode perder a alma!


Ele acreditou piamente na Revolução Russa e pensou que um mundo melhor surgiria de toda aquela brusca e violenta transformação.

Aos poucos, porém, foi percebendo que seus líderes haviam perdido a alma.


A brutalidade crescia. A impunidade era a regra. O desrespeito às criaturas era a norma geral.

Toda e qualquer reação resultava em mais iniqüidades, em mais violência.

Um stalinismo brutal assolou a pátria russa.

Uma onda avassaladora de horror e impotência tomou conta de seu espírito, embora ainda tentasse protestar.

Mas foi em vão.

Rendeu-se e saiu de cena.


Em 1936, escreveu Eduardo Alves da Costa o poema No caminho com Maiakóvski, que resume sua desoladora tragédia.


"... Na primeira noite eles se aproximam/
e roubam uma flor/
de nosso jardim./
E não dizemos nada./

Na segunda noite, já não se escondem:/ pisam as flores,/
matam nosso cão,/
e não dizemos nada./

Até que um dia,/
o mais frágil deles/
entra sozinho em nossa casa,/
rouba-nos a luz e,/
conhecendo nosso medo,/
arranca-nos a voz da garganta./
E já não podemos dizer nada."


Nestes tristes tempos, muitos estão vivendo as angústias desabafadas neste poema.

Também acreditaram em líderes milagrosos, tiveram esperanças em dias mais serenos, esperaram por oportunidades melhores e sonharam com paz e alegria.

Nunca imaginaram que, em seu lugar, viriam a impunidade, a violência, o rancor e a cobiça.

Os que chegaram ao poder, sem nenhuma noção de servir ao povo, logo revelaram a sua verdadeira face.


O País está vivendo uma fase de completo e total desrespeito às leis.

A Lei Maior, aquela que o País aprovou por meio de seus representantes, não existe. Para uns, todas as leniências.

Para outros, todos as violências.


Nas grandes cidades, dois governos, duas autoridades: a tradicional e a dos marginais.

No campo, ausência de direitos e deveres.

Uma malta de desocupados, chefiados por líderes atrevidos e até debochados, está conseguindo levar o desassossego e a insegurança aos milhões de trabalhadores rurais que ali se esforçam para sobreviver.

Isso já vem acontecendo há muito tempo e não há sinal de que alguma autoridade pretenda submetê-los às penas da lei.

Ao contrário.

Eles gozam de imenso prestígio junto ao presidente, que não se acanha em lhes dar cobertura e agir com a maior cumplicidade.


A ausência das autoridades tem sido o grande estímulo para que esses grupos, e outros que vão surgindo, venham conseguindo, num crescendo de audácia e desrespeito, levar o pânico aos que vivem do trabalho no campo.


A mesma audácia impune garante também a expansão das quadrilhas de narcotraficantes em todo o País.

A cada dia que passa eles chegam mais perto de nós.

Se examinarmos com atenção os acontecimentos destes últimos dois anos, dá para entender o nosso medo.


Quando explodiu o caso do Waldomiro Diniz, as autoridades estavam na obrigação de investigar tudo e dar uma punição exemplar.

O que se viu?
 

Uma porção de manobras para encobrir os fatos e manter os esquemas intocáveis.

E qual foi a reação do povo?

Nenhuma.


Roubaram uma flor de nosso jardim, a flor da decência, da dignidade, da ética, e nós não dissemos nada!



Quando, da noite para o dia, dezenas de deputados largaram suas legendas e se bandearam para as hostes do governo, era preciso explicar tão misteriosa adesão.

O que se viu?

Uma descarada e desafiadora alegria no alto comando do País!

E qual foi a reação do povo?

Nenhuma.


Eles nem se esconderam.

Pisaram em nossas flores, mataram o cão que nos podia defender.

E nós não dissemos nada!


Quando um parlamentar, que integrava a tal maioria, veio denunciar o uso de recursos públicos, desviados de forma indecente, com a conivência dos altos ocupantes do governo, provando que a direção do PT e do governo sabiam de tudo e de tudo se haviam aproveitado, qual foi a reação do povo?

Nenhuma.


Eles nem se importaram com o fato de terem sido descobertos.

O mais frágil deles entrou em nossa vida, roubou a luz de nossas esperanças e, conhecendo o nosso medo, ainda se deu ao luxo de arrancar a nossa voz da garganta.


Será que vamos aceitar?

Não vamos dizer nada?



Será que o povo brasileiro perdeu de vez a sua capacidade de se indignar?

A sua capacidade de discernir?

A sua capacidade de punir?


Acho que não.

Torço para que isso não esteja acontecendo.

Sinto, por onde ando e por onde vou, que lá no mar alto uma onda de nojo está crescendo, avolumando-se, preparando-se para chegar e afogar esses aventureiros.

Não se trata, simplesmente, de uma questão eleitoral.

Não se cuida apenas de ganhar uma eleição.

O importante é não perder a alma.

O direito de sonhar.


A vontade de viver melhor.


Colocar este momento como uma simples luta entre governo e oposição é muito pouco.

E derrotá-los, simplesmente, também é muito pouco, diante do crime que eles praticaram contra as esperanças de um povo de boa-fé.


O que vai hoje na alma das pessoas é o corajoso sentimento de que é preciso vencer o pavor e o pânico diante da audácia dessa gente, não permitindo que eles nos calem para sempre.


Se não forem enfrentados, se não forem punidos, se seus métodos e processos não forem repudiados, nosso futuro terá sido roubado.

Nossa voz terá sido arrancada de nossa garganta.


E já não poderemos dizer nada.


Sandra Cavalcanti, professora, foi deputada federal constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Lacerda, fundadora e presidente do BNH


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