AS ELITES E OS GRAMPOS
“As tecnologias modernas destruíram a privacidade e estão criando um mundo de ouvidos moucos, bocas fechadas e olhos abertos.”
JOSÉ SARNEY, ex-presidente da República, in Jornal do Brasil,
por Waldo Luís Viana
As elites brasilienses estão no divã.
Ai, meus sais!
Todos os abonados da sorte andam cabreiros, achando que devem alguma coisa.
É aquele tal complexo de culpa que surge nas consciências quando ouvem ao acaso alguma sirene de carro de polícia...
Enquanto o povo não está “nem aí” para os grampos, os políticos e juízes de Brasília estão convocando Freud, sentindo-se sem cobertura e acolhimento psicológico.
Enfim, uma “crise institucional sem precedentes” para os diagnósticos do gênio da psicanálise, que morreu em 1939 antes da invenção da televisão e das máquinas de rastreamento e gravação de celulares.
As autoridades ficam muito incomodadas com os misturadores de voz e outras picuinhas cibernéticas para despistar curiosos. Reinaugurou-se, em Brasília, o clima de “estúdio de gravações” instaurado no regime militar.
Agora, em democracia aberta, temos a ditadura dos grampos, logo sobre as potestades e mandarins da República, que, antes, se consideravam intocáveis.
Não que interesse à população o que eles digam; apenas desperta curiosidade o conteúdo, quando porventura exista algum grau de acobertamento de pecados. Mero jogo de cena sabido por todos...
O brasileiro não precisa de grampos, porque já está grampeado pelos impostos, os maiores do mundo, pela saúde quase perfeita, pela educação de alta qualidade, agora franqueada a negros, homossexuais, índios e portadores de necessidades especiais (como se esses, antes, não fossem brasileiros) e por uma economia pujante, baseada nos postulados mais conservadores e dinâmicos do neoliberalismo.
Afinal, Henrique Meirelles é a imagem no espelho de Lula, sem cabelos, mas com muito dinheiro no bolso.
O truque deu certo: uma economia super-conservadora, que paga ao exterior quase 100 bilhões de dólares de juros ao ano, aciona um governo de esquerda-pra-boi-dormir com bolsa-esmola e o maior aparato de segurança pública para servir os cidadãos. Todos se sentem seguros neste país...
Se você for da classe C para baixo, não há o que temer. Você não será grampeado. Apenas lesado pelos maiores juros do planeta, pela falta de bons transportes públicos, pelo esgoto ineficiente e pela favelização crescente das metrópoles e periferias.
Fora as questões de sempre, envolvendo tráfico de tóxicos, ONGs, MST e a voracidade aparelhista das centrais sindicais.
Brasília, entretanto, está livre disso. Lá, dentro de palácios suntuosos em que quase ninguém trabalha, alguns estão preocupados com a extinção da privacidade. Suas elites, em enorme divã, reproduzem complexos, comendo as próprias entranhas.
Há no Brasil uma divisão inconfessa que nem Freud ou os pós-freudianos conseguiriam analisar: temos Brasília e o resto do país, uma cidade estranha e alheia ao cântico dos “excluídos”, encerrada numa redoma entre jogos sibilinos de poder, lobismos, fofocas intermináveis e invasões ilegítimas da coisa alheia.
São cachorros grandes em briga, em eventos de que absolutamente não somos convidados a participar, nem nos importam.
Nós outros, os demais brasileiros são uma espécie de penetras de festa, sob ondas gravitacionais mafiosas...
Somos, no entanto, convidados a trabalhar para manter essa pulsão destrutiva e autofágica de nossos mandatários, governantes e autoridades.
Nossos três poderes são cegos, mas não surdos: ouvem o tinir das moedas e o alcance das propinas, achaques e subornos.
O único remordimento que mantêm é o de serem apanhados.
Meu Deus, quantas escutas!
Acabam ouvindo alguma coisa de construtivo, textos que serão naturalmente desprezados porque não dão mídia nem comissões (de inquérito ou em dinheiro mesmo).
Uma histeria freudiana acomete a todos os que recebem mais de 15 mil reais por mês. Pela lógica do governo, estes são agregados de elite muito perigosos e que estão se sentindo incomodados porque podem ser investigados.
Surgiu um sublime terror de punhos de renda e não se pode pedir auxílio à polícia, que é rápida em colher resultados contra os inimigos e excepcionalmente lerda em relação aos escândalos dos “amigos”.
E isso ocorre desde 2003, quando houve o caso Waldomiro Diniz...
O abuso da oralidade, porém, é uma categoria freudiana apenas permitida ao nosso presidente da República que tudo pode: beber, fumar e usar de metáforas tão inteligentes que são aplaudidas com entusiasmo pelos públicos arranjados para escutá-lo.
Ele não tem mais uma vez qualquer responsabilidade sobre os grampos, não os pediu nem tampouco se beneficiou com nenhum deles.
É inocente, coitado!
Os grampos são uma guerra particular e psicanalítica das elites brasilienses e dentro delas irão ficar, sem mais uma vez produzir efeitos sobre o funcionamento das instituições.
O que nos leva a concluir que só se interessam mesmo pelas tais invasões de privacidade aqueles que estão com os bolsos cheios. E esses são muito poucos...
Nós outros, mal-cheirosos e mal-vindos, somos apenas convidados a pagar o divã...
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Waldo Luís Viana é escritor, poeta,
economista e jornalista.
economista e jornalista.
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