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sábado, 18 de outubro de 2008

A coragem de dizer não

A coragem de dizer não

Ana Echevenguá e Renata Covalski


Homem e mulher são iguais perante a lei? Sim, claro!

Peraí; quer dizer, nem tanto...

Neste momento, em Santo André-SP, um homem (Lindenbergue) mantém em cárcere privado 2 mulheres (Heloá e Nayara, ambas com 15 anos de idade). Por quê? Porque Heloá decidiu romper o namoro. A coragem de dizer não despertou a ira de mais um "Pierrô Apaixonado" que, em nome do amor, sente-se no direito de prender, bater, matar... Mais um crime de amor? Bah! Que amor é esse? Aquele que "foge a dicionários e a regulamentos vários", na poesia de Carlos Drummond de Andrade?



O caso da Heloá é o exemplo da hora. Quantas vezes por dia as mulheres são vítimas da injustiça e da arbitrariedade? Em 2001, apuraram que 2,1 milhões de mulheres sofreram espancamentos graves no Brasil. Ou seja, a cada 15 segundos, uma mulher foi espancada no Brasil. Em 2008, o número deve ter triplicado.

É ou não é uma guerra silenciosa, geralmente travada dentro das 4 paredes do 'lar, doce lar'? Provavelmente, alguns vão responder que a coisa não é bem assim... Ora, chega de tanta hipocrisia! A consciência, os direitos e/ou a moral feminina, para muita gente, ainda são considerados inexistentes. É, sim, uma guerra civil cuja violência real contra a mulher é fomentada pela indiferença da sociedade a esses crimes. E, também, pela cultura da impunidade dos agressores.

Na Idade Média, muitas foram consideradas bruxas, e queimadas em praça pública porque seu comportamento não agradou a classe dominante. Estamos no século XXI e a coisa parece não ter mudado: somos punidas - até com a morte - sem julgamento justo. E ao nosso algoz são concedidas várias atenuantes aos "crimes passionais" que comete, inclusive o direito à defesa da honra manchada.

Por quê? Porque a mulher ainda é vista como um objeto: uma cadeira que pode ser quebrada, um móvel velho que deve ser trocado por outro mais novo. Quando ela é um objeto sexual, recai sobre ela, SEMPRE, a responsabilidade dos crimes contra a liberdade sexual. No entender de alguns operadores do direito, ela seduz, induzindo o macho a cometer atos de violência e de abuso sexual.

E esta indução ao abuso sexual é alimentada pela mídia que geralmente expõe a mulher como o prazer sexual visual disponível no bar, no elevador, no local de trabalho, nas ruas... Basta analisarmos os anúncios de alguns produtos: o que fulmina o marasmo de um dia-a-dia de trabalho? A visão de garçonetes com corpos esculturais no boteco da esquina; um encontro com a "colega gostosona" no final do expediente... Os programas de televisão não fogem à regra: "mulheres gostosas" são apresentadas como burras e inocentes que incentivam ou aderem aos apelos sexuais do macho protagonista.

Apesar do surgimento das delegacias de polícia para as mulheres, os dados sobre a violência contra a mulher ainda não representam a nossa realidade. A Organização Mundial de Saúde apurou que cerca de 20% das mulheres são vítimas de violência física ou sexual durante a vida. Para a Anistia Internacional, esse número pode chegar a 33%.

Quantas mulheres têm coragem de denunciar um crime de estupro, por exemplo? Poucas. A dor, o constrangimento, o dano moral provocados pela agressão sexual é tão grande que algumas não revelam estas situações nem para as amigas mais íntimas. Gostariam de deletar da memória que um dia foram agredidas ou abusadas sexualmente. E carregam, em silêncio, traumas permanentes que geram mudanças de comportamento, até mesmo na vida sexual.

O pior disso tudo é que nós - mulheres - somos coniventes com esta situação. Acostumamo-nos com as agressões cotidianas; rimos das piadas machistas; cantamos 'um tapinha não dói'; batemos palmas pra "artista" que posou nua na Playboy; como vivemos no país do turismo sexual, ficamos insensíveis ao vermos meninas entregues à prostituição, servindo de pasto sexual a "consumidores" estrangeiros com dinheiro no bolso.

Portanto, chegou a hora de dizer não ao medíocre papel de 'objeto sexual' que a sociedade nos impôs na novela da vida. Este não é o primeiro passo para garantir a integridade física e psicológica das nossas filhas, netas e de tantas outras mulheres que amamos...

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente da ong Ambiental Acqua Bios, e- mail:
ana@ecoeacao.com.br

Renata Covalski, filósofa e pesquisadora, e-mail:
renatacovalski@yahoo.com.br

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