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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Que foi, afinal, o Mensalão?


MENSALÃO SEGUNDO
OLAVO DE CARVALHO



Uma gigantesca operação de compra de consciências para neutralizar o Legislativo e concentrar todo o poder nas mãos do Executivo, portanto do Partido dominante.

Que pode haver de mais leal, de mais coerente com a tradição marxista?


Agora que os mensaleiros estão no fundo do poço, não cessam de erguer-se vozes indignadas de petistas, comunistas e socialistas fiéis que os condenam como oportunistas e traidores.

Mas por que deveria algum líder ou militante ser atirado à execração pública pela simples razão de ter cumprido à risca a sua obrigação de revolucionário?

Não é certo que a estratégia marxista-leninista ordena e determina não só atacar o Estado burguês desde fora, mas corrompê-lo desde dentro sempre que possível para em seguida acusá-lo de depravado e ladrão e substituí-lo pelo Partido-Estado?




Não é notório que, na concepção mais ampla e sutil de Antonio Gramsci, inspirador e guia da nossa esquerda há meio século, a corrupção do Estado não basta, sendo preciso estendê-la a toda a sociedade, quebrantar e embaralhar todos os critérios morais e jurídicos para que, na confusão geral, só reste como último símbolo de autoridade a vontade de ferro da vanguarda partidária?




Não é óbvio e patente que, se na perspectiva gramsciana o Partido é "o novo Príncipe", ele tem a obrigação estrita de seguir os ensinamentos de Maquiavel, usando da mentira, da trapaça, da extorsão, do roubo e do homicídio na medida necessária para concentrar em si todo o poder, derrubando pelo caminho leis, instituições e valores?

Na perspectiva marxista, nenhum dos artífices do Mensalão fez nada de errado, exceto o crime hediondo de deixar-se descobrir no final, pondo em risco o que há de mais intocável e sagrado: a boa imagem do Partido e da esquerda em geral.

Para não perceber uma coisa tão evidente, é preciso desviar os olhos para os aspectos mais periféricos e folclóricos do episódio, apagando da memória a essência, a natureza mesma do crime cometido.




Que foi, afinal, o Mensalão?

Uma gigantesca operação de compra de consciências.

E para que as consciências foram compradas?

Para enriquecer os srs. José Dirceu, Genoíno, Valério e mais alguns outros?

De maneira alguma.

Foram compradas para neutralizar o Legislativo e concentrar todo o poder nas mãos do Executivo, portanto do Partido dominante.

Que pode haver de mais leal, de mais coerente com a tradição marxista?


Toda a geração que, cinquentona ou sessentona, chegou ao poder nas últimas décadas foi educada num sistema moral onde as culpas pessoais são insubstantivas em si mesmas, dependendo tão somente da cor política e transmutando-se em virtudes tão logo tragam vantagem ao "lado certo" do espectro ideológico.

Bem ao contrário: segundo o que essa gente aprendeu desde os tempos da universidade, qualquer concessão à "moral burguesa", se não é útil como jogo de cena provisório, é delito maior que a consciência revolucionária não pode tolerar.

Nessa ótica, que pode haver de mau ou condenável em juntar dinheiro por meios ilícitos para comprar consciências burguesas e forçá-las a trabalhar, volens nolens , para o Partido Príncipe?

Uma vez que se abandonou a via da revolução armada – não por reverência ante a vida humana, mas por mera oportunidade estratégica –, que outro meio existe de instaurar a "autoridade onipresente e invisível" senão a corrupção sistemática dos adversários e concorrentes?

Não faltará quem, movido pela incapacidade geral brasileira de conceber que um político, ao meter-se em tal embrulho, o faça movido por ambições muito mais vastas que o mero desejo de dinheiro, levante aqui a objeção: mas os mensaleiros não ficaram ricos?

Ficaram, é claro, mas desejariam vocês que eles depositassem todo o dinheiro sujo na conta do Partido, atraindo suspeitas sobre a própria organização em vez de protegê-la sob suas contas pessoais como bons agentes e testas de ferro?

Ou desejariam que, de posse de imensas quantias, continuassem levando existências modestas, dando a entender que eram apenas paus mandados em vez de expor-se como vigaristas autônomos e bandidos comuns sem cor política, que é como agora são vistos por uma opinião pública supremamente inculta, sonsa e – novamente – ludibriada?


Pois induzir o povo a vê-los exatamente assim, salvaguardando a boa reputação do esquema de poder partidário que os criou e ao qual serviram, é precisamente o objetivo de toda essa corja de moralistas improvisados que agora os cobre de impropérios em nome da pureza e idoneidade da esquerda.

Os mensaleiros não são, é claro, bodes expiatórios inocentes. São culpados parciais incumbidos de pagar sozinhos pela culpa geral de uma organização que há trinta anos vem usando do discurso moral, com notável eficiência, como disfarce e instrumento do crime.
Os que agora tentam se limpar neles são ainda piores que eles. Pois o que fazem é tentar levar o povo a esquecer que os mensaleiros de hoje são os moralistas de ontem, os mesmos que, nas CPIs dos anos 90, brilharam como paladinos da lei e da ordem, enquanto já iam preparando, sob esse manto cor de rosa, o esquema de poder monopolístico do qual o Mensalão viria ser nada mais que instrumento.

E para que fariam isso, se não fosse para aplanar o terreno para novos e maiores crimes?

Se os indignados porta-vozes do antimensalismo esquerdista tivessem um pingo de sinceridade, teriam se insurgido, anos atrás, contra o acobertamento petista das FARC, organização terrorista e assassina, perto de cujos crimes o Mensalão se reduz às proporções de um roubo de picolés num carrinho da Kibon.


Como não o fizeram, a narcoguerrilha colombiana cresceu até tornar-se, sob a proteção do Foro de São Paulo, a maior distribuidora de drogas no mundo, prestes a receber do sr. Juan Manuel Santos, sabe-se lá em troca de que, as chaves do poder político.

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