O
Supremo julga agora se os chefões do PT, empresários e políticos se
enquadram no crime de formação de quadrilha — e vai decidir o tamanho
das penas de cada um dos réus condenados
Nos últimos dois meses e meio, o Supremo Tribunal Federal (STF) contou em detalhes a verdadeira história do mensalão, o maior esquema de corrupção política do país. Por ampla maioria de votos, os ministros condenaram a cúpula do PT por ter subornado parlamentares em troca de apoio ao primeiro mandato do ex-presidente Lula, remunerando-os com recursos desviados dos cofres públicos e empréstimos bancários fictícios, que jamais seriam pagos.
A descrição desse enredo criminoso já consumiu 38 sessões plenárias e resultou na condenação de 25 dos 38 réus do processo. Quase todos os crimes cometidos estão delineados. Resta definir o castigo dos mensaleiros, dos mentores e operadores aos beneficiários do esquema. No epílogo desse julgamento histórico, que começa a ser escrito a partir desta semana, a prisão em regime fechado é uma realidade que bate à porta dos protagonistas do escândalo, como o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares e o empresário Marcos Valério.
A fixação das penas funciona quase como um novo julgamento. Defesa e acusação duelam, com farta distribuição de memoriais aos ministros, a fim de prevalecer na definição da dosagem das punições que serão aplicadas — tudo depois de terminada a última etapa de condenações.
Na semana passada, os ministros começaram a julgar os réus acusados de formação de quadrilha. Pelo que se viu, essa etapa promete novas peripécias jurídicas do ministro Ricardo Lewandowski, que chegou ao STF no governo Lula por uma razão pitoresca — ter uma mãe muito amiga da então primeira-dama. Marisa Letícia.
Lewandowski continuou demonstrando sua gratidão a Lula e ao PT por ter sido guindado a tão alto posto na hierarquia jurídica do país. Seu papel contrasta tristemente com a atuação apolítica de outros ministros nomeados por Lula ou Dilma Rousseff. Lewandowski voltou atrás na condenação por formação de quadrilha do deputado Valdemar Costa Neto.
Tudo isso para absolver do mesmo crime os altos petistas que serão julgados nesta semana e tentar irradiar a impressão de coerência — coerência retroativa, uma manobra jurídica que ofende o senso comum.
A definição do tamanho das penas a ser aplicadas aos réus condenados obedece a regras que dão aos ministros um largo espectro de escolhas — desde a pena máxima pedida pela acusação até a pena mínima que os advogados de defesa acham ser a mais justa.
O Supremo terá de optar entre três critérios consagrados na prática dos tribunais. Se dependesse da vontade do Ministério Público, o tribunal usaria a metodologia do chamado “concurso material” para calcular as penas. É o critério mais rigoroso. Nele, todas as condenações pelo mesmo crime são somadas.
O ex-ministro José Dirceu, por exemplo, seria punido nove vezes por corrupção ativa e poderia pegar até 108 anos de prisão. A tendência, no entanto, é que os ministros adotem um dos outros dois caminhos, que no jargão jurídico são conhecidos como critério do “concurso formal” e critério de “continuidade delitiva”. Em ambos os casos, aplica-se a pena como se o crime tivesse sido cometido uma única vez, aumentando-a, porém, em até dois terços.
Seja qual for o critério acordado entre os ministros, a prisão dos réus permanece uma realidade palpável.
A pena de José Dirceu por corrupção ativa, que pelo primeiro critério poderia ultrapassar 100 anos, chegará ao máximo de vinte anos de prisão caso um dos dois outros critérios mais brandos se imponha no entendimento dos ministros do Supremo Tribunal.
A defesa do ex-chefe da Casa Civil tem suas razões para acreditar em um resultado menos tenebroso para seu cliente. Aposta que Dirceu será condenado a oito anos em regime fechado, cumprirá apenas dois deles na cadeia e depois se beneficiará da progressão da pena para ser posto em liberdade.
Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino, também condenado por corrupção ativa, já mandaram seus advogados preparar procurações para que familiares possam mexer em bens e contas bancárias enquanto eles estiverem atrás das grades. Os dois ainda serão julgados por formação de quadrilha ao lado de onze réus — entre eles, Delúbio Soares e Marcos Vale"rio. O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, condenou onze dos treze réus. Ele ratificou a denúncia e classificou José Dirceu de chefe da quadrilha do mensalão.
Já são seis os empates no julgamento do mensalão — a maioria deles em casos de lavagem de dinheiro. Antes de fixar as penas dos réus, o STF precisará decidir como se dará o desempate. A tendência é que prevaleça a tese de que, diante de uma igualdade no placar, os réus devem ser inocentados. Resolvida essa questão e fixadas as penas, os condenados não irão para a cadeia imediatamente.
O STF terá de julgar os recursos para só então fazer valer suas decisões. Na semana passada, pela primeira vez no julgamento, o revisor Lewandowski prevaleceu com folga sobre o relator. Ele convenceu o tribunal a absolver o publicitário Duda Mendonça dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Na CPI dos Correios, Duda admitiu que recebera 11 milhões de reais numa conta no exterior pelos serviços prestados à campanha de Lula à Presidência em 2002.
O depoimento do marqueteiro abriu a possibilidade de um processo de impeachment contra o então presidente, que jamais foi instaurado. Lula sobreviveu à crise política e foi reeleito em 2006. Em 2010, fez de Dilma Rousseff sua sucessora.
Ao deixar o governo, Lula anunciou que dedicaria a vida a demonstrar que o mensalão fora uma farsa tramada pela oposição com a ajuda da imprensa com o objetivo de tirá-lo do poder por meio de um golpe. A lenda criada pela mente do ex-presidente, mesmo repetida "goebbelsianamente" mil vezes, caiu no campo do ridículo.
O mensalão existiu, os fatos que lhe deram materialidade foram narrados pelo procurador-geral da República, aceitos como representações da realidade pelos ministros da mais alta corte do país réus foram condenados e muitos vão cumprir pena em prisão.
O mensalão entrou para a história do Brasil, tisnando indelevelmente o primeiro mandato de Lula, que, entre todos os personagens de primeira grandeza do escândalo, foi o único a não ser cobrado por seus erros na Justiça.
22/10/2012
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