Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

sábado, 7 de julho de 2012

"Rastros de Deus "



"Há lugar para fé na ciência moderna, dizem cientistas de diversas áreas interessados em discutir a presença divina no Universo "



Redação Época

"Se os senhores forem religiosos, o que eu vou mostrar agora equivale a olhar o rosto de Deus."
A frase, dita pelo astrofísico George Smoot, ainda hoje é lembrada pelos participantes daquele encontro da Sociedade Americana de Física de 1992.
O pesquisador da Universidade da Califórnia, em Berkeley, hoje com 54 anos, se referia à imagem ovalada de um mapa do Universo contendo formas cósmicas primitivas que mais tarde evoluiriam para formar estrelas e galáxias.

Não é de admirar que a reação da platéia fosse de entusiasmo.

Smoot estava dando uma prova, ainda não definitiva, da teoria do big-bang, a explosão que teria dado início ao Universo.

Mas a frase do pesquisador repercutiu também fora dos recintos universitários.

Ao associar os estudos sobre a origem do Universo a uma obra divina, Smoot mostrou ao mundo o que muitos cientistas discutem há algum tempo em uma série de encontros, seminários, livros e, agora, em conversas pela Internet.

Neste fim de milênio, quando se descobrem planetas fora do sistema solar, órgãos são construídos em laboratório e ovelhas clonadas, a religião continua a fazer sentido para a ciência.

Séculos depois de Galileu e outros terem desafiado os dogmas da Igreja Católica e o astrônomo francês Pierre Laplace ter descartado Deus como hipótese necessária para explicar o Universo, cientistas como o físico americano Charles Townes, premiado com um Nobel em 1964 pela invenção do laser, acreditam na crença cristã de criação do mundo.

"É como se as descobertas mais recentes aumentassem a percepção de que o Universo e a vida constituem algo especial", diz o físico.

Townes não está só.

Seu colega, o inglês John Polkinghorne, deixou a matemática abstrata depois de 25 anos para tornar-se ministro anglicano.

Por sua vez, o biofísico Arthur Peacocke, também inglês e ministro anglicano, não vê contradições entre a Teoria da Evolução de Darwin, que estudou com afinco, e sua missão religiosa.

"Certamente existem diferenças profundas e quase irreconciliáveis entre a ciência e algumas versões fundamentalistas da religião", comenta o jesuíta e astrônomo Bill Stoeger, que trabalha no Observatório do Vaticano no Arizona, Estados Unidos.

"Mas existe também uma percepção crescente da harmonia e do apoio mútuo."
Essas opiniões não são recebidas com entusiasmo por parte da comunidade científica dos países do Primeiro Mundo e também do Brasil.

Comenta o respeitado pesquisador da Universidade do Texas, Steven Weinberg, Nobel de Física de 1979:
"Fico nervoso se os físicos usam a palavra Deus descuidadamente. Quando diz Deus, a maioria dos cientistas quer se referir apenas às leis da natureza, aos princípios que governam todas as coisas".

Para Weinberg, não há nada de errado com a metáfora, mas a palavra tem tantos significados, carrega tamanha carga histórica, que todos deveriam ser mais prudentes ao utilizá-la.

Em seu livro Os Três Primeiros Minutos do Universo, ele dá o exemplo de seu ceticismo: "Quanto mais o Universo se torna compreensível pela cosmologia", afirma, "mais ele parece sem sentido".


 "A religiosidade do sábio consiste em espantar-se, em extasiar-se diante da harmonia das leis da natureza, que revelam uma inteligência tão superior que o pensamento e o engenho humano não conseguem desvendar."

Albert Einstein 


O físico e teólogo brasileiro Eduardo da Cruz, professor de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por formação é mais compreensivo com a necessidade religiosa.

"Talvez a maioria dos cientistas esteja se referindo apenas à capacidade de se espantar, de se extasiar diante da harmonia das leis da natureza, quando fala de Deus",
diz, aludindo às idéias compartilhadas pelo mais célebre dos físicos, Albert Einstein, no livro Como Vejo o Mundo.

"Esse sentimento é diferente da fé das multidões que consideram Deus um ser onipotente, de quem se espera bondade e de quem se teme o castigo."
Explica-se: quatro entre dez cientistas americanos acreditam em um deus particular, segundo pesquisa realizada pela revista Nature há dois anos (não se sabe quantos pesquisadores brasileiros partilham dessa crença).

Mas nenhum imagina que Ele fez o mundo em sete dias ou criou as espécies uma por uma seguindo especificações predeterminadas.

Neste fim de milênio, a ciência tem condições de explicar, por métodos próprios, questões que antes eram tratadas de preferência pela religião, como a origem do Universo ou da vida.

Desde os anos 60, acumulam-se evidências de que a teoria do big-bang é a melhor explicação para a expansão e a idade do Universo, estimada em torno de 15 bilhões de anos.

O Universo começou com uma partícula menor do que um átomo, mas de densidade e temperatura infinitas, defende a teoria.

Expandiu-se, tornando-se mais tênue e perdendo calor, enquanto se formavam as galáxias, as estrelas e os planetas.


A ciência também tem explicação para a vida.

Começou com algo muito simples que encontrou condições propícias aqui na Terra.

A partir daí, de forma gradual e lenta (ou aos saltos, como imaginam alguns), foi desenvolvendo-se.

Do mais simples, como as bactérias, ao mais complicado, como "os homens e os cangurus", brinca o biólogo inglês Richard Dawkins, autor de livros imperdíveis, como O Relojoeiro Cego e A Escalada do Monte Improvável.

Cientistas de respeito ficam revoltados se observam episódios de intolerância religiosa, como ocorreu este ano nos Estados Unidos, quando a população do Estado do Kansas decidiu que se deveria evitar o evolucionismo nas escolas públicas, fortalecendo o criacionismo, tese de que a vida foi criada por Deus do jeito que está escrito na Bíblia.


A idéia é quase uma ofensa contra quem se dedica há tanto tempo a esmiuçar o "milagre" da criação. E nem tem respaldo entre os teólogos, numa época dominada pelo conhecimento dos átomos e dos genes. "A ciência tem o dom de purgar a religião do erro e da superstição", ensina alguém insuspeito como o papa João Paulo II, para quem o evolucionismo de Darwin é muito mais do que uma teoria. "E a religião pode purificar a ciência da idolatria e de falsos conceitos do absoluto. Os dois juntos conduzem um ao outro a um mundo maior."

Na era da interdisciplinaridade, teólogos que abraçaram a ciência e cientistas que buscam algo mais do que os cálculos matemáticos discutem também a integração entre os dois campos. O físico e teólogo Bob Russell, por exemplo, criou nos Estados Unidos, em 1981, o Centro de Teologia e Ciências Naturais em Berkeley. Neste ano, ele ganhou uma bolsa de US$ 100 mil da Fundação John Templeton para desenvolver suas idéias em livro. "O Universo é mais misterioso e infinito do que a ciência e a religião podem revelar", afirma. "E os problemas da humanidade e do ambiente demandam uma interação honesta entre as descobertas da natureza, o poder da tecnologia e as necessidades do futuro."

Para Russell, para outros cientistas religiosos e grandes incentivadores dos debates interdisciplinares, se as constantes da natureza - números imutáveis como os que regem a força da gravidade, a carga de um elétron ou a massa de um próton - fossem um pouco diferentes, então os átomos não se uniriam, as estrelas não queimariam e a vida nunca teria existido. "Quando se percebe que as leis da natureza são sintonizadas de modo a produzir o Universo visível, chega-se à conclusão de que a vida não aconteceu simplesmente, que existe um propósito por trás disso tudo", afirma o físico e pastor John Polkinghorne.

Quer dizer: ou estamos aqui por causa de um acidente do Universo ou todas as chamadas coincidências cósmicas convergiram para algo chamado vida - e vida inteligente.
Acaba de ser lançado no Brasil o livro Mysterium Creationis, um Olhar Interdisciplinar sobre o Universo, das Edições Paulinas, que reúne textos de teólogos e cientistas sobre cosmologia e origem da vida. O mesmo assunto já havia sido discutido pelo religioso Frei Betto quatro anos atrás no livro A Obra do Artista (Editora Ática).

"Não surpreende que hoje, enquanto físicos buscam pontos de contato de suas teorias com o conhecimento mítico e as tradições religiosas, teólogos procurem na ciência uma base de apoio a sua busca do sentido da existência humana", diz o autor.

A integração nem é assim tão nova, contrapõe o físico José Luiz Goldfarb, presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência. Ao longo de toda a vida, pesquisadores encontraram em suas experiências uma inspiração espiritual para o trabalho.

"Nenhum cientista entra no laboratório sem uma visão de mundo mais complexa. O fato de a ciência funcionar em bases experimentais não significa que o cientista não tenha crenças ou pressupostos sobre a realidade",
diz Goldfarb, para quem a crença estava implícita no trabalho de Isaac Newton e de seus contemporâneos que criaram a ciência moderna no século XVII.




"A história da ciência tem sido a percepção gradual de que os eventos não acontecem de forma arbitrária, mas refletem uma ordem que pode ou não ser inspirada divinamente."

Stephen Hawking


Embora não seja religioso, o físico Marcelo Byrro Ribeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acredita que as leis da ciência são limitadas e incapazes de explicar de maneira completa a constituição e o surgimento do Universo.

Elas se sustentam porque explicam melhor um conjunto de fenômenos, e não como evidências absolutas.

Nesse sentido, acredita o físico, um dos autores de Mysterium Creationis, a ciência presta um desserviço a si própria quando afirma possuir a resposta para tudo.

Na verdade, embora muitos cientistas tenham encontrado Deus na fronteira entre o conhecido e o desconhecido, não é isso que procuram físicos como Ribeiro.

Eles enfatizam que os métodos e a ética da ciência e da religião são diferentes, embora não necessariamente antagônicos.
Para eles, nenhuma teoria científica, incluindo a da evolução, pode representar uma ameaça à religião porque as duas são ferramentas do entendimento humano que operam de maneira complementar (e não oposta).

A ciência indaga sobre o estado do mundo natural, e a religião busca o significado espiritual e dos valores éticos.
Martha San Juan França



ENTREVISTA

Como se explica o céu

O astrofísico Hubert Reeves diz que a ciência ensina como é o mundo, mas não pode mostrar seu significado

Diretor do Centro Nacional de Pesquisas Científicas de Paris, o astrofísico Hubert Reeves, de 67 anos, é também um divulgador da ciência capaz de falar com desenvoltura sobre temas que deixam seus colegas pouco à vontade.

Autor de dezenas de livros, entre eles, Um Pouco Mais de Azul, o "Carl Sagan francês", como é conhecido, também é um defensor das causas ambientais e da paz. No fim do mês passado, ele participou em Natal de um seminário de cosmologia, quando falou a Época sobre ciência e religião.

"Vamos dizer que acredito que Deus joga dados", afirmou sobre suas convicções. "Mas que os dados estão marcados do jeito certo para construir a complexidade da natureza."

Época: O que o senhor considera a maior descoberta do século?
Hubert Reeves: A mais importante é que o Universo está evoluindo. Antes, os cientistas acreditavam que ele era eterno, tanto no passado como no futuro, além de imutável e estático. Hoje sabemos que o Universo tem uma história, não parou de evoluir, tornando-se mais rarefeito, frio e estruturado. Nossas observações e teorias permitem reconstituir o cenário e remontar o tempo. Elas nos confirmam que essa evolução está se desenvolvendo a partir de um passado longínquo que situamos há 15 bilhões de anos.

Época: O senhor vê compatibilidade entre ciência e religião?

Reeves: Desde que não se confundam seus procedimentos. A ciência procura compreender o mundo, não pode dizer se ele é bom ou não. Quanto às religiões e, por extensão, à filosofia, assumiram por missão dar sentido à vida. Por exemplo, quando se discute manipulação genética, a ciência pode dizer como ela é possível, mas não pode ensinar se deve ser feita ou não. Nesse sentido, é importante não diabolizar a ciência. É preocupante que parem de ensinar Darwin e o big-bang nas escolas. Galileu dizia a seus adversários teólogos: "Digam como se vai para o céu e deixe-me dizer como é o céu".

Época: Por que os cientistas não costumam participar das discussões éticas sobre suas descobertas?
Reeves: Alguns fazem isso, mas gostaria que houvesse mais cientistas com essa preocupação. Eu vejo o mundo assim: cada um de nós é o resultado de uma longa história que começou com o big-bang, passou por estrelas, planetas, moléculas, água. Somos o resultado de uma aventura da evolução. Quando você ouve falar sobre a deterioração do planeta, percebe que tem de fazer algo para que essa história maravilhosa não termine em caos, em nada.

Época: O senhor é religioso?
Reeves: Você me pergunta se acredito em alguma coisa. Eu acho que acredito, mas não sei em quê. Posso dizer no que não acredito, ou seja, que apenas o acaso ou a sorte criaram uma música maravilhosa como a de Mozart.



Episódios de acertos e desacertos

Durante toda a História, ciência e religião conviveram de forma mais ou menos amistosa. A partir do século XVII, o relacionamento entre as duas se deteriorou. Neste final de século, volta a existir o diálogo - por enquanto, ainda tímido.


384-322 a.C.
Aristóteles
Filósofo grego estabelece as regras que norteariam o conhecimento nos séculos seguintes sobre o Universo e o homem.


800-1000
Império Islâmico
Árabes prezavam a matemática e a astronomia como instrumentos de Deus e guardaram os textos egípcios e gregos de filosofia.


1268-1273
Idade média
Sobre os estudos de Aristóteles, São Tomás de Aquino une as questões científicas com o pensamento religioso da Igreja.


1543
Copérnico
Cientista polonês publica livro mostrando que a Terra gira em torno do Sol e desafia o princípio de que o homem é o centro do Universo.


1633
Galileu
Ao defender o sistema de Copérnico em seus escritos, contra as ordens do papa, Galileu é censurado pela Inquisição e colocado sob prisão domiciliar.


1687
Newton
A lei da gravitação universal, publicada em Principia, explica como funciona a mecânica celeste.


1802
Lamarck
Naturalista defende a teoria de que as espécies não são imutáveis, mas evoluem por ação do ambiente.


1842
Richard Owen
Descobre fósseis de um grupo extinto de animais (dinossauros), reforçando a idéia de mutação das espécies.


1859
Darwin
Em A Origem das Espécies, biólogo inglês conclui que as espécies evoluem por um processo de seleção natural.


1905
John Strutt
Ao determinar a idade de rochas em bilhões de anos, contradiz teoria de que o Universo teria sido criado em 22 de outubro de 4004 a.C.


1916
Einstein
A Teoria da Relatividade explica também o movimento das estrelas e muda o Universo ordenado de Newton.


1948
George Gamow
Cientista tenta explicar como foram formados os elementos químicos depois da explosão que criou o Universo.


1957
Sputnik
Lançado o primeiro satélite emórbita comoparte da corrida espacial entre russos e americanos.


1965
Big-Bang
Arno Penzias e Robert Wilson descobrem que o espaço está cheio de radiação de fundo, um sinal do big-bang. Em 1989, o satélite Cobe faz um mapa dessa radiação.


1997
Dolly
Criado na Escócia o primeiro ser vivo clonado. É a ovelha Dolly, ainda viva



A ciência indaga sobre o estado do mundo natural, e a religião busca o significado espiritual e dos valores éticos.


0 comentários: