ÉPOCA identifica no Rio de Janeiro uma rede de empresas sonegadoras de impostos.
Uma delas recebeu dinheiro do esquema Cachoeira-Delta, seguindo o mesmo padrão adotado pelo grupo no Distrito Federal
Desde que descobriu que R$ 40 milhões saíram das contas da construtora Delta, sediada no Rio de Janeiro, para empresas de fachada, a CPI do Cachoeira patina na investigação da lavagem de dinheiro. A apuração pode esbarrar até em caixa dois de campanhas eleitorais, possibilidade que tira o sono de muitos políticos. A Delta tinha contratos milionários com órgãos públicos. Em troca, pode ter desviado recursos do Erário para a corrupção. Enquanto a CPI não sai do lugar, ÉPOCA descobriu no Rio de Janeiro uma teia que sonegou R$ 300 milhões em Imposto de Renda e contribuições para a Previdência entre os anos de 2000 e 2004. Essa nova rede, até agora desconhecida dos parlamentares, está ligada a uma empresa fantasma já investigada pela CPI. A movimentação ilegal ocorreu dentro do período que a CPI se propôs a apurar: os últimos dez anos.
A peça-chave da rede carioca chama-se Flexafactoring Fomento Mercantil, empresa que recebeu pelo menos R$ 120 mil do esquema Cachoeira-Delta entre 2010 e 2011. Ela poderia passar despercebida no universo de 29 empresas a investigar, não fosse um dos responsáveis por essa empresa acusado de sonegar R$ 300 milhões. Esse personagem, o empresário Mario Cezar de Moraes Godinho, aparece como testemunha de criação da Flexafactoring. Uma das sócias da firma, Tatiana Correia Rodrigues, de 26 anos, mora no Encantado, bairro de classe média baixa no Rio. Está desempregada e com seis meses de aluguel, no valor de R$ 250, atrasados. No papel, consta que ela investiu R$ 60 mil na Flexafactoring. “Nunca ouvi falar de Godinho. É muito dinheiro para mim”, diz Tatiana. No mesmo Encantado, ficam os endereços dos donos de outra das 29 empresas usadas nas transações financeiras do grupo de Cachoeira, a Zeus Administração e Assessoria, que recebeu uma quantia ainda maior do esquema: R$ 176 mil.
O empresário Mario Godinho é um mistério. Tem 76 anos e aparece como sócio de oito empreendimentos que também devem ao Fisco. A Procuradoria da Fazenda Nacional e o Ministério Público Federal moveram processos contra ele e quatro empresas suas acusadas da sonegação milionária. Nas outras quatro empresas das quais Godinho é sócio, o golpe no Fisco ainda é desconhecido. O paradeiro de Godinho é uma incógnita. A Justiça resolveu intimá-lo por edital publicado na imprensa. No encalço de Godinho, oficiais de justiça já fizeram uma peregrinação ao Encantado e a Ipanema, na Zona Sul carioca, onde também havia um endereço ligado ao nome de Godinho. O único bem encontrado em seu nome foi um Fiat Uno, ano 1994, com uma multa de trânsito vencida por estacionar na calçada.
As outras quatro empresas de Godinho com dívidas milionárias foram localizadas. Em 2000, ele abriu a PL Administração e a Assessoria Financeira Lups, ambas em parceria com o sobrinho Marlos André, cujo paradeiro também é desconhecido. As duas empresas, abertas para movimentar dinheiro e operar cartões de débito, sonegaram R$ 216 milhões, segundo a Procuradoria da Fazenda. Pelo cadastro da Receita Federal, elas têm o mesmo endereço no Encantado. No local, há um sobrado de três andares à venda, e ninguém diz conhecer Godinho. Em julho de 2001, ele transferiu a empresa Lups para o nome de dois laranjas: Carlos Alberto Siqueira e Tânia Germano Siqueira. Tânia mora numa vila de casas de classe média baixa a poucos metros de onde deveria estar a sede da empresa. Carlos Alberto tem endereço na Penha, mas também não foi localizado. Procurada por ÉPOCA, Tânia, de 54 anos, disse desconhecer sua participação em qualquer sociedade. Também para o nome dela, Godinho transferiu em abril de 2002 a MG Administração, da qual a Fazenda Nacional cobra uma fatura de R$ 60 milhões. O Ministério Público Federal move uma ação penal contra Godinho, seu sobrinho Marlos André e as laranjas Tânia e Carlos Alberto, suspeitos de crime contra a ordem tributária, com pena de dois a cinco anos de prisão.
No coração do esquema Cachoeira, o Centro-Oeste, o padrão de circulação de grandes somas de dinheiro se repete. A comerciante Roseli Pantoja da Silva, de 33 anos, é uma das sócias da Alberto e Pantoja Construções e Terraplenagem Ltda. A empresa é a principal das criadas e usadas pela turma do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, para escoar dinheiro recebido pela Delta – grande parte vinda de contratos com o governo federal. A Alberto e Pantoja foi usada para desviar cerca de R$ 30 milhões recebidos pela Delta. A Polícia Federal suspeita de que Roseli tenha sacado o equivalente a R$ 5,2 milhões desse montante em 66 operações. Na busca por informações, a PF investiga outra identidade de Roseli, Rosely Pantoja da Silva, com “y”. A empresária laranja tem ainda dois CPFs diferentes. Há três meses, a Delta é questionada sobre que serviços a Alberto e Pantoja prestou para merecer tanto dinheiro. A Delta não responde. Procurado por ÉPOCA, o ex-diretor para o Centro-Oeste Cláudio Abreu informou que não comentaria as ações de Roseli.
A Alberto e Pantoja foi registrada em fevereiro de 2010 na Junta Comercial do Distrito Federal com documentos fraudados. Segundo Geovane Martins, tabelião do cartório de Gama, cidade próxima a Brasília, a cópia do contrato de constituição da Alberto e Pantoja apresenta sinais evidentes de falsificação. Os carimbos usados não seguem o padrão do cartório, e a assinatura do escrevente responsável não coincide com a original. O ato de constituição da empresa apresenta as assinaturas de duas testemunhas. São dois irmãos donos de um escritório de contabilidade. Diante da reportagem de ÉPOCA, um deles exibiu documentos e assinou para mostrar que sua letra era diferente da registrada nos documentos da Alberto e Pantoja. Mesmo com tantas inconsistências, a turma de Cachoeira levou a papelada até a Junta Comercial do DF e saiu de lá com o registro da Alberto e Pantoja. O grupo ainda se valeu de uma carteira de identidade falsa de Roseli. Para completar, no endereço da Alberto e Pantoja informado à Junta Comercial funciona uma oficina mecânica.
O contador Gilmar Carvalho Moraes é ex-marido de Roseli e responsável, segundo documentos em poder da CPI, pela declaração de Imposto de Renda da Alberto e Pantoja relativa a 2010. Naquele ano, a empresa recebeu R$ 18 milhões da Delta e distribuiu os mesmos R$ 18 milhões.
Moraes afirma que seu nome e o de Roseli foram usados por falsários para abrir a empresa. Segundo ele, Roseli mora em São Paulo e tira seu sustento de vendas ocasionais. “A gente não tem nada a ver com Cachoeira”, diz.
Moraes afirma que Roseli e ele não tiraram proveito das movimentações financeiras.
“Estamos na pior.”
Ao que parece, todos estão. Até mesmo Fernando Cavendish, que alegou estar perto da falência.
Ninguém admite ter visto a cor dos milhões distribuídos pela Delta.
Não há dúvidas de que eles existem.
Falta encontrar seu destino final.23/06/2012
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Na trilha dos milhões da Delta
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