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domingo, 18 de maio de 2008

Quando os arapongas vão às compras

ÉPOCA teve acesso à auditoria nos gastos secretos com cartões corporativos da Abin. Ela revela descontrole no uso, despesas inexplicáveis e notas fiscais frias

por Rodrigo Rangel

PARA ONDE FOI?
Carteira usada pelos agentes da Abin. Nos últimos três anos, eles gastaram R$ 22 milhões com cartões corporativos

Serviços secretos, por natureza, costumam manter segredo sobre suas atividades. A Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, não foge à regra. Inclusive nas próprias finanças, sempre bem guardadas sob o manto do sigilo.

Por ironia, a Abin, acostumada a produzir relatórios com informações sigilosas sobre seus alvos – de narcotraficantes a suspeitos de terrorismo, de corruptos de quinta categoria a grandes chefes do crime organizado –, acaba de virar, ela própria, um alvo.

O motivo da investigação está justamente em suas contas secretas. De março de 2006 até o mês passado, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) se debruçaram sobre as faturas sigilosas dos cartões corporativos usados pelos arapongas, como são conhecidos popularmente os agentes da Abin.

Esses gastos consumiram R$ 22 milhões dos cofres públicos nos últimos três anos.

É a primeira vez que o TCU, único órgão externo com atribuição de fiscalizar os gastos secretos da Abin, realiza uma investigação sobre as despesas com cartões na agência.
O resultado do trabalho, a que ÉPOCA teve acesso, revela uma série de problemas na aplicação e na prestação de contas desse dinheiro.

Os auditores encontraram uma lista de gastos suspeitos, que incluem despesa de R$ 5 mil numa churrascaria sofisticada de Brasília, notas fiscais frias, saques milionários na boca do caixa e vultosos pagamentos a informantes sem que haja maneira de averiguar se, de fato, os arapongas gastaram o dinheiro em troca de alguma informação relevante.

Sucessora do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), o temido braço de inteligência da ditadura, a Abin tem por missão municiar o governo, em especial o presidente da República, com informações.

É tarefa da agência, por exemplo, alertar o primeiro escalão da República sobre ameaças de crise, dentro ou fora do país, e fazer o trabalho de contra-espionagem, para proteger os interesses nacionais da ação de agentes secretos a serviço de governos estrangeiros.

A Abin tem em seu quadro 1.400 funcionários, parte formada por militares remanescentes do velho SNI e outra por civis, contratados por concurso público. Os agentes ganham em média R$ 3.500 e, geralmente, trabalham no anonimato, seja infiltrados em órgãos públicos e empresas, seja em campo, colhendo informações.

No ano passado, o orçamento global da Abin foi de R$ 50 milhões. Desse total, R$ 11 milhões foram usados para pagar as faturas dos cerca de 180 cartões corporativos distribuídos entre funcionários da agência.

Pela natureza do serviço, muitos dos gastos realmente precisam ser protegidos por segredo. Mas os auditores afirmam que essa peculiaridade tem servido de pretexto para que despesas corriqueiras, como compra de simples cartuchos para impressoras, sejam lançadas no pacote de gastos secretos.

NOVO CHEFE
Paulo Lacerda, diretor da Abin. Ele fez mudanças na agência para tentar pôr ordem na casa

Ao analisar os gastos, os técnicos verificaram que praticamente tudo o que a Abin gasta com cartões é sacado, antecipadamente, na boca do caixa.

Em 2005, quando as despesas totalizaram R$ 5,2 milhões, 98,7% foram retirados, em dinheiro vivo, em bancos ou caixas eletrônicos.

Em 2006 e 2007, 100% dos quase R$ 18 milhões gastos nos dois anos foram sacados antes de ser usados para bancar as despesas.

Para o TCU, isso configura uma irregularidade grave. “Houve um total desvirtuamento do cartão de pagamento”, escreveram os fiscais no relatório.


Nos próximos dias, o documento chegará às mãos do ministro Ubiratan Aguiar, relator do processo. É justamente dessa prática de saques em dinheiro vivo pelos agentes que derivam todas as outras irregularidades detectadas pela auditoria do TCU.

ÉPOCA

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