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sábado, 24 de maio de 2008

A MÃO GRANDE DO PODER EXECUTIVO

por Maria Lucia Victor Barbosa

Nosso Executivo sempre prevaleceu sobre o Legislativo e o Judiciário e isso é fácil de demonstrar revendo um pouco da nossa história:

O Estado brasileiro foi organizado através do projeto constitucional elaborado pela Assembléia Constituinte de 1823.

Entretanto, os choques de poder entre Dom Pedro I e os parlamentares, notadamente os Andrada, levariam o imperador a dissolver a Assembléia Constituinte em 11 de novembro de 1823.

Dom Pedro, então, nomeia um grupo de dez notáveis para redigir um projeto constitucional, em tudo parecido com o anterior, exceto por um detalhe: ao lado dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, surge um quarto, o Poder Moderador, capaz de facultar ao Imperador atribuições, entre as quais, escolha de senadores, livre nomeação de ministros, vetos dos atos do Legislativo.

Até 1826 o imperador governará de forma absoluta apoiado pelo partido português.

Diante do que se passava, o povo, em sua quase totalidade, se quedava indiferente, distante anos luz dos bastidores do poder e achando muito natural os cargos públicos preenchidos por apaniguados, enquanto o governo abertamente favorecia os interesses que representava e o partido português manejava o poder a seu gosto.

Como se nota nosso Executivo já nasceu forte e assim permaneceu até hoje, apesar de que a “felicidade geral” e a “justa liberdade dos povos” sempre deixaram a desejar.

Tal realidade, contudo, jamais ensejou atitudes revolucionárias contra os poderes constituídos e o povo brasileiro seguiu pelos séculos de sua história demonstrando uma passividade raiando à submissão.

A explicação dessa passividade deve ser buscada em nossas origens, pois como bem enfatizou Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil:

“Entre nós, o domínio europeu foi, em geral, brando e mole, menos obediente a regras e dispositivos do que à lei da natureza”. “A vida parece ter sido aqui incomparavelmente mais suave, mais acolhedora das dissonâncias sociais, raciais e morais”. “Nossos colonizadores eram, antes de tudo, homens que sabiam repetir o que estava feito ou o que lhes ensinara a rotina”.

No entanto, é importante compreender que, por detrás da aparente brandura brasileira, da amenidade no trato social, esconde-se a violência que pode brotar a qualquer momento.

Ressalvando-se, porém, as organizações criminosas que aterrorizam a vida urbana e os ditos movimentos sociais, como o MST que faz o que bem entende sob a complacência e o estímulo governamentais, a violência do brasileiro é geralmente individualizada, desordenada, desorientada, originando-se da frustração, do desespero, do rancor, e não de uma consciência popular que exija seus direitos ou atitudes coerentes por parte do poder.

O fato é que desde os primórdios do Estado brasileiro, até hoje, nossa mentalidade não mudou.

No momento o Executivo concentra um enorme poder e a seu reboque seguem, como sempre, o Legislativo e o Judiciário.

Indiferente aos jogos da ambição política, aos escândalos que sucedem com tal velocidade que os mais recentes fazem esquecer rapidamente os anteriores, a malversação dos recursos públicos, ao ônus que representa a pesada máquina burocrática governamental, ao peso da corrupção que impede nosso progresso, o povo se inclina ao paternalismo estatal sempre em busca de um líder magnânimo, de um salvador que lhe provoque reações emocionais.

Não importa se a mão grande do Executivo toma de forma exorbitante as migalhas dadas. Com indiferença a população aceita que tenhamos os impostos mais altos do mundo, que a nefasta CPMF em breve ressuscite, que a arrecadação federal tenha atingido novo recorde em abril, ou seja, R$ 59,7 bilhões, 11,4% a mais do que o mesmo mês de 2007.

Nem a inflação que já acelera, especialmente, para os mais pobres, incomoda.

E quando a mão grande do Executivo se fecha sobre entidades sociais que funcionam exemplarmente como o Sesc, o Sesi, o Senac e o Senai, entidades mantidas pelo empresariado, para surrupiar seus recursos, ninguém toma conhecimento.

Tão pouco não há reação quando a mão grande do Executivo interfere nos planos de saúde para atrapalhá-los. Afinal, toda vez que a enorme mão do Leviatã, através do Executivo, aparece, acaba danificando o que funciona.

Por isso termino esse pequeno artigo fazendo minhas as palavras de H. L. Mencken:

“O governo ideal de qualquer pessoa dada à reflexão, de Aristóteles em diante, é aquele que deixe o indivíduo em paz – um governo que praticamente passe despercebido”.

“Este ideal, acredito, se concretizará no mundo cerca de vinte ou trinta séculos depois de eu ter partido”.

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, professora e escritora.

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