Inspirados em Cuba, líderes latinos ignoram conquistas democráticas e avançam contra a imprensa livre, sob o discurso da
'democratização dos meios de comunicação'
MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo
Ao vencedor, uma viagem paga para Havana.
Quem explica por que, no momento mais democrático da história da América Latina, ainda resistem nos palácios tantos impulsos autoritários em nome do povo?
Com exceção à ilhota de Cuba, sempre ela, a democracia constitucional é o regime declarado do Rio Grande à Patagônia. Ou melhor, 33 das 34 nações das Américas Central, do Sul e do Caribe subscrevem, por princípio e lei, eleições abertas, justiça e parlamentos independentes, e liberdades individuais e de imprensa.
Já, na prática, a intimidação e a mordaça correm soltas e a vítima é, quase sempre, a mesma sociedade pela qual o poder oficial julga zelar.
Abusos existem, até nas democracias mais vibrantes, mas os últimos tempos têm sido exemplares. Tribunais tutelam a intimidade familiar, como na lei da palmada brasileira (nascerá a delação premiada doméstica?).
Governantes "cozinham" dados para ocultar mazelas, como na maquiagem da inflação argentina ou na proibição aos jornais venezuelanos de publicar fotografias do surto de criminalidade.
E, onde quer que seja, a mídia se vê obrigada a defender-se dos arroubos de controle social, que é a censura com a plumagem do politicamente correto ("democratização da informação") com endosso de praticamente todos os partidos de esquerda.
Para alguns, é o ranço autoritário herdado da época militar.
Para outros, um cacoete cultural que data do paternalismo colonial.
Os piores casos brotam do flanco mais instável da região - do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e de sua aliança bolivariana, para quem apenas o direito de aplauso é livre.
Mas o reflexo autoritário não é privilégio do socialismo do século 21.
Prospera onde quer que o inquilino do poder se imagine seu proprietário e o xerife confunda sua pistola com a lei.
A prática parece talhada para a chacota da campanha política brasileira, se a chacota política não fosse proibida, até a semana passada, também.
Para quem se sinta perplexo com esse consentimento calado frente ao cerceamento da liberdade, o novo livro da cientista política argentina Claudia Hilb é um achado.
Silêncio, Cuba (Paz e Terra) é uma pequena joia que em cem páginas destrói a ideia de que a tirania, o sufoco, a críticas e obediência cega que tomaram conta da Revolução Cubana foram desvios de conduta ou sacrifícios infelizes na longa e gloriosa luta pela igualdade social.
Ao contrário, foram condição fundamental para construir essa igualdade radical, obra de uma revolução que não reconhecia diferenças nem direitos fora dos concedidos por ela.
O silêncio também fala.
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MAC MARGOLIS É COLUNISTA DO "ESTADO" E CORRESPONDENTE
DA REVISTA "NEWSWEEK"
DA REVISTA "NEWSWEEK"
29 de agosto de 2010
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