Dora Kramer
O Estado de S.Paulo
Em seu depoimento ao Conselho de Ética do Senado, durante cinco horas o senador Demóstenes Torres transitou entre dois papéis.
Ora mostrava profundo conhecimento do mundo e suas circunstâncias,
exibindo credenciais de larga experiência nas áreas jurídica, política e
administrativa, ora se apresentava como um néscio enganado durante 13
anos por um amigo íntimo, incapaz de se aperceber da impropriedade do
uso de telefone, despesas de festas e viagens em aviões pagos por
terceiros.
Como a figura do simplório não se coaduna com a atuação de
ex-procurador-geral de Goiás, ex-secretário de Segurança Pública do
mesmo Estado e senador sempre alerta para assuntos de desvios éticos e
corrupção, a versão que apresentou sobre suas relações com Carlos
Augusto Ramos (Cachoeira) revelou-se inverossímil.
Demóstenes Torres disse ao conselho que conheceu o hoje presidiário
em 1999, mas só veio saber de suas atividades ilegais em 29 de fevereiro
de 2012 quando Carlos Cachoeira foi preso, acusado de chefiar uma
organização criminosa envolvida em jogatina ilegal, lavagem de dinheiro,
tráfico de influência, espionagem e corrupção.
Buscou confundir a cena recorrendo a uma frase de efeito - "quero ser
julgado pelo que fiz não pelo que falei", como se a fala não traduzisse
no mínimo a intenção do gesto - e ao argumento de que é vítima de um
conluio entre o Ministério Público e a Polícia Federal, "para pegar um
parlamentar e instituir um estado policialesco no Brasil".
Além de surrada, a alegação conspiratória, de largo uso entre alvos
da cruzada ética em que o senador sustentou sua carreira, soa delirante
diante do fato essencial.
E este é a natureza de suas relações com Carlos Cachoeira.
O senador saiu do Conselho de Ética com elas mais complicadas do que quando entrou.
O senador saiu do Conselho de Ética com elas mais complicadas do que quando entrou.
A opção pela negativa de total desconhecimento sobre as atividades do
acusado de chefiar uma organização criminosa acabou conferindo
inverosimilhança à defesa do senador, justamente pela contradição
existente entre a argúcia marcante em sua trajetória profissional e a
ingenuidade extrema que buscou exibir ao se defender.
Com o quê, então, o rigoroso senador que no próprio dizer frequentava
todas as rodas de poder, defendia os interesses "republicanos"
(discernia-os, portanto) que fosse instado a defender, não percebeu que o
amigo próximo ao ponto de pagar pelos fogos de artifício da festa de
formatura da mulher era o mesmo flagrado pagando propina a Waldomiro
Diniz e depois indiciado pela CPI dos Bingos?
Segundo ele, acreditou quando Cachoeira lhe assegurou ter-se afastado
dos negócios ilegais.
Então sabia das ilegalidades, mas o teve como redimido?
Justiça seja feita ao senador Demóstenes, não foi o único alegadamente crédulo nessa questão.
Então sabia das ilegalidades, mas o teve como redimido?
Justiça seja feita ao senador Demóstenes, não foi o único alegadamente crédulo nessa questão.
O governador de Goiás, Marconi Perillo, bem como vários outros
empresários e políticos compraram a palavra de Carlos Cachoeira pelo
valor de face deixando ao encargo do passado os fatos que, como logo se
viu, estiveram sempre presentes.
No trânsito entre os dois personagens incorporados no depoimento, o senador Demóstenes deixou ao mais sagaz deles o cuidado de não envolver colegas, embora tenha acentuado as relações do réu com "dezenas de parlamentares", numa evidente aposta na salvação pelo voto secreto do plenário.
Ilegal, e daí?
Um trecho de telefonema entre Demóstenes Torres e Carlos Cachoeira publicado pelo Estado e citado no Conselho de Ética pelo relator Humberto Costa, diz bastante sobre doações legais e ilegais para campanhas eleitorais.
Um trecho de telefonema entre Demóstenes Torres e Carlos Cachoeira publicado pelo Estado e citado no Conselho de Ética pelo relator Humberto Costa, diz bastante sobre doações legais e ilegais para campanhas eleitorais.
Demóstenes demonstra receio de que a construtora Delta tenha feito
"doação oficial" para ele. Tranquiliza-se quando Cachoeira garante que
não.
Ou seja, caixa 2 tudo bem.
Recursos devidamente contabilizados já são complicados, pois podem vir a servir de prova ou indício em eventuais investigações sobre ilícitos envolvendo doador e receptor.
30 de maio de 2012
Recursos devidamente contabilizados já são complicados, pois podem vir a servir de prova ou indício em eventuais investigações sobre ilícitos envolvendo doador e receptor.
30 de maio de 2012
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