Imagem: Abobado
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo
Por sua extrema gravidade, não basta que se investigue a fundo a denúncia de que o ministro do Esporte, Orlando Silva, do PC do B, se beneficiou pessoalmente do desvio de recursos do programa Segundo Tempo, criado para promover atividades esportivas com crianças e adolescentes pobres.
O programa foi terceirizado para organizações não governamentais (ONGs) conveniadas com a pasta - e, claro, dirigidas por gente do partido do ministro.
A acusação, divulgada no fim da semana pela revista Veja, deixou Orlando Silva sem condições de continuar no cargo.
Ele pediu à Polícia Federal que investigue o caso, que certamente acabará nos tribunais. Mas, no âmbito da política, o princípio da presunção de inocência não se aplica nem se pode esperar que sentenças transitem em julgado.
O ministro precisa sair não apenas para não ter a sua autoridade cada vez mais desgastada, que é o que costuma acontecer nessas circunstâncias, mas sobretudo para poupar a presidente Dilma Rousseff de novas atribulações no campo minado da corrupção - bem agora que o Esporte ganhou uma projeção sem precedentes, com os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 no País e dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, dois anos depois.
Em fevereiro último uma série de reportagens deste jornal revelou que o Segundo Tempo era uma mina de ouro para o PC do B, graças justamente aos convênios da pasta com entidades ligadas à sigla, realizados sem licitação. Somente em 2010 o aparelhado Ministério desembolsou R$ 30 milhões em transferências - em mais de um sentido - do gênero.
Ao que tudo indica, o contubérnio começou com o antecessor de Orlando Silva, Agnelo Queiroz, que se elegeu governador do Distrito Federal (DF) depois de trocar o PC do B pelo PT.
Comissões de 20% que teriam sido pagas ao partido da foice podem ter somado ao longo da era Lula cerca de R$ 40 milhões.
Mas os "comunistas" não guardavam tudo para si. Teriam ajudado a cobrir gastos da campanha do presidente, em 2006, diz o policial militar (PM) e ex-militante do PC do B João Dias Ferreira.
Em abril do ano passado, ele foi preso na Operação Shaolin, da Polícia Civil do DF, por suspeita de participação no desvio de R$ 1,99 milhão repassado pelo Ministério dos Esportes, mediante dois convênios, à Associação João Dias de Kung Fu.
Ferreira é o principal acusador de Orlando Silva. O ministro alega que o PM se voltou contra ele porque o Ministério pediu ao Tribunal de Contas da União que investigasse os convênios com as suas ONGs e as obrigasse a devolver ao erário R$ 3,16 milhões.
Pode ser.
Mas pode ser também porque o ministro e o partido, diferentemente do que lhe teriam prometido, o deixaram entregue à própria sorte nas investigações da Shaolin.
Não foi a primeira vez, nem será a última, que a vingança acaba expondo os podres do governo e da política.
À Veja, Ferreira confirmou que o Segundo Tempo servia para favorecer correligionários e irrigar as finanças do PC do B - mas a denúncia bombástica foi outra.
Um comparsa do policial, o motorista Célio Soares Pereira, contou ter recolhido dinheiro de quatro entidades ditas sem fins lucrativos que recebiam verba do programa e que o entregou ao ministro Orlando Silva dentro da garagem do Ministério, numa caixa de papelão. "Eram maços de notas de 50 e 100 reais."
Para embolso pessoal ou caixa 2 de partidos, desvios de recursos de convênios entre a administração pública e ONGs de fachada - não raro constituídas para esse fim, instaladas em endereços fictícios, em nome de laranjas - são talvez o maior dos ralos por onde escorre dinheiro do contribuinte.
Como notou ontem no Estado o colunista José Roberto de Toledo, em 2010 o governo destinou R$ 5,4 bilhões a 100 mil ONGs, ante R$ 1,9 bilhão em 2004.
Esses gastos têm crescido mais do que as transferências para Estados e municípios. Ironicamente, de início se esperava que a participação dessas entidades, além de engajar a sociedade na implementação de políticas públicas, ajudaria a combater o burocratismo, o desperdício - e a corrupção.
A leniência do governo Lula com a bandalheira transformou uma colaboração em princípio saudável numa gazua.
Mesmo assim, até agora ninguém tinha acusado um ministro de receber dinheiro vivo de um convênio de promoção social.
18 de outubro de 2011
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