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domingo, 18 de julho de 2010

Documentos secretos guardados nos arquivos da Abin informam que a narcoguerrilha colombiana Farc deu 5 milhões de dólares a candidatos petistas em 2002

16 de março de 2005

Laços explosivos

Documentos secretos guardados nos arquivos da Abin informam que a narcoguerrilha colombiana Farc deu 5 milhões de dólares a candidatos
petistas em 2002


Policarpo Junior


Scott Dalton/AP

GUERRILHEIROS E TRAFICANTES
Fileiras das Farc: um controvertido amontoado de guerrilheiros, terroristas e narcotraficantes

guerrilheiro seqüestrador das Farc
Nos arquivos da Agência Brasileira de Inteligência em Brasília há um conjunto de documentos cujo conteúdo é explosivo.

Os papéis, guardados no centro de documentação da Abin, mostram ligações das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) com militantes petistas.

O principal documento nos arquivos foi datado de 25 de abril de 2002, está catalogado com o número 0095/3100 e recebeu a classificação de "secreto".

Em apenas uma folha e dividido em três parágrafos, esse documento informa que, no dia 13 de abril de 2002, um grupo de esquerdistas solidários com as Farc promoveu uma reunião político-festiva numa chácara nos arredores de Brasília.

Na reunião, que teve a presença de cerca de trinta pessoas, durou mais de seis horas e acabou com um animado forró, o padre Olivério Medina, que atua como uma espécie de embaixador das Farc no Brasil, fez um anúncio pecuniário.

Disse aos presentes que sua organização guerrilheira estava fazendo uma doação de 5 milhões de dólares para a campanha eleitoral de candidatos petistas de sua predileção.

A notícia foi recebida com aplausos pela platéia.

Faltavam então menos de seis meses para a eleição.

Um agente da Abin, infiltrado na reunião, ouviu tudo, fez um informe a seus chefes, e assim chegou à Abin a primeira notícia de que as relações entre militantes esquerdistas, alguns deles petistas, e as Farc podem ter ultrapassado a mera simpatia ideológica e chegado ao pantanoso terreno financeiro.

Sob a condição de não reproduzi-los nas páginas da revista, VEJA teve acesso a seis documentos da pasta que trata das relações entre as Farc e petistas simpatizantes do movimento.

Dos seis documentos, três fazem menção explícita à doação de 5 milhões de dólares.

Num deles, está descrita a forma de pagamento: o dinheiro sairia de Trinidad e Tobago, um pequeno país do Caribe, e chegaria às mãos de cerca de 300 pequenos empresários brasileiros simpáticos ao PT, que, por sua vez, fariam contribuições aos comitês regionais do partido como se os recursos lhes pertencessem.

Em outro documento, aparece a informação de que o acerto financeiro fora celebrado entre membros do PT e das Farc durante uma reunião realizada numa fazenda no Pantanal Mato-Grossense – e que os encontros de cúpula seriam articulados com a ajuda de Maria das Graças da Silva, uma funcionária da Câmara dos Deputados em Brasília que já militou no PC do B e seria amiga muito próxima do "comandante Maurício", apontado como a maior autoridade das Farc no Brasil.

Ao contrário da doação financeira e do mecanismo do pagamento, que são descritos em detalhes nos documentos da Abin, a menção à reunião no Pantanal aparece seca e sem detalhes.


Cristiano Mariz
ARQUIVOS VIVOS
Na Abin, em Brasília, há pelo menos três documentos falando da milionária doação das Farc
"Conheço ele, sim, mas e daí?

Não articulei encontro nenhum", garante a funcionária Maria das Graças, que diz ignorar qualquer reunião no Pantanal.

Nas últimas cinco semanas, VEJA investigou a veracidade das informações arquivadas na sede da Abin.

Será que houve mesmo um encontro numa chácara em Brasília?

O encontro teve a presença de representantes das Farc?

Falou-se ali na doação de 5 milhões de dólares?

Para responder a essas perguntas, VEJA localizou o agente da Abin que se infiltrou na reunião das Farc e ouviu outros dois funcionários da agência que tiveram contato com a investigação, além de procurar os esquerdistas que foram ao encontro.

A apuração comprovou a reunião, o local, a data e os personagens. Só não encontrou indícios suficientemente sólidos de que os 5 milhões de dólares tenham realmente saído das Farc e chegado aos cofres do PT.

A doação financeira é dada como realizada pelos documentos da Abin, mas a investigação de VEJA não avançou um milímetro nesse particular.

Pode ter sido apenas uma bravata do padre Olivério Medina, codinome de Francisco Antônio Cadenas Colazzos, para alegrar seus convivas esquerdistas?

Pode. Além da convocação manifestada nos documentos da Abin, a revista não encontrou elementos consistentes para que se faça uma afirmação sobre esse aspecto.

Os contatos políticos entre petistas e guerrilheiros das Farc são antigos.

Começaram em 1990, quando o PT realizou um debate com partidos políticos e organizações sociais da América Latina e do Caribe para discutir os efeitos da queda do Muro de Berlim.

De lá para cá, as relações se intensificaram, principalmente por meio das correntes esquerdistas do PT, como a Democracia Socialista, cuja estrela mais conhecida é o ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário.

Mesmo os quadros mais moderados do PT demonstram uma certa simpatia pelas Farc.

Como instituição, porém, o partido há muito tempo quer distância das Farc.

"A guerrilha representa tudo o que nós abominamos em termos de política. Não se pode esquecer que o PT já nasceu em oposição à luta armada. O governo do presidente Lula tem as melhores relações com o governo constituído da Colômbia e apóia o presidente Álvaro Uribe", diz o senador Aloizio Mercadante.

E completa: "Se essa doação existiu, o que não acredito, ela não foi feita ao PT, mas a indivíduos que se dizem ligados ao partido. Se eles forem identificados e forem do partido, serão expulsos".


Robson Meireles
Cristiano Mariz
DEBAIXO DAS ÁRVORES
O padre Olivério Medina, que atua como "embaixador" das Farc no Brasil, e a chácara onde foi realizada a reunião: na rua, para evitar grampo
Em virtude do passado de companheirismo com as Farc, a cúpula do PT, ainda antes das eleições presidenciais de 2002, sentiu que seria adequado tranqüilizar o governo da Colômbia em relação a uma possível eleição de Lula.

O hoje ministro José Dirceu, da Casa Civil, procurou a embaixadora colombiana em Brasília para avisar que, se Lula fosse eleito, a política de seu governo em relação às Farc seria a do Estado brasileiro – e não a da ala esquerda do PT.

A palavra tem sido cumprida, embora o governo brasileiro insista em considerar oficialmente as Farc como um grupo guerrilheiro – e legítimo, portanto –, recusando-se a reconhecer o que elas realmente são. Ou seja: um conluio oportunista de guerrilheiros, terroristas e narcotraficantes.

Considerando-se o currículo das Farc, a história também faz sentido lógico. Fundadas na década de 60, as Farc começaram a se envolver com o tráfico na década de 90, quando os maiores traficantes colombianos passaram a remunerar os guerrilheiros em troca de segurança armada para os plantadores de coca (veja reportagem).

Com o envolvimento direto com o tráfico, a organização acabou tornando-se financeiramente poderosa.

Sabe-se que os cartéis colombianos da cocaína usam as ilhas de Trinidad e Tobago como um entreposto, estocando ali a droga que embarcam para a Europa.

Por coincidência, é de Trinidad e Tobago que o dinheiro das Farc sairia para entrar nos cofres dos candidatos esquerdistas, conforme mostram os documentos arquivados na Abin.

Apesar da verossimilhança e da aparência lógica do esquema, é vital ressaltar que, fora os registos feitos pelos espiões da Abin, não foram encontradas evidências sólidas da ajuda financeira da guerrilha da Colômbia.

O padre Olivério Medina, representante das Farc no Brasil, nega. "Não houve essa ajuda financeira", disse ele a VEJA, falando de um telefone público em Brasília e encerrando o assunto sob a alegação de que, como estrangeiro, não poderia falar sobre política.


Dida Sampaio/AE
O PROCESSO E O SILÊNCIO
O deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, há dois anos, procurou o deputado Fraga, falou do risco de processo, e não tocou mais no assunto
O secretário de Relações Internacionais do PT, Paulo Ferreira, encarregado dos contatos do partido com o exterior, garante que as relações petistas com a guerrilha colombiana não são amistosas. "Ao contrário. Hoje, nós temos conquistado o ódio das Farc", diz.

Uma das razões é o fato de que o PT aprovou uma recomendação para que as Farc sejam barradas nos foros internacionais de discussão sobre assuntos da América Latina.


"Não há interesse em manter relações com um grupo belicista que, entre outras coisas, usa métodos como o seqüestro de civis", afirma Ferreira.

A posição do secretário de Relações Internacionais do PT, no entanto, não é a unanimidade do partido. Em Brasília, por exemplo, o comitê que apóia ações das Farc é integrado e dirigido por militantes do PT.

"Essas ligações existem à revelia do partido. Posso dizer que são até criminosas",
afirma Ferreira.

Para ele, as ligações entre PT e Farc descritas nos relatórios da Abin, se existiram tal como informaram os agentes de inteligência, foram "clandestinas".

A reunião na chácara em Brasília foi uma mistura de encontro político com festa de amigos. A chácara chama-se Coração Vermelho, pertence ao sindicalista Antônio Francisco do Carmo e fica a 40 quilômetros de Brasília.

O encontro começou às 11 da manhã e terminou no início da noite. Aconteceu em torno de uma mesa debaixo de árvores, para evitar que um grampo clandestino pudesse captar as conversas.

No início, com todos de pé, abriu-se uma bandeira das Farc e cantou-se o hino da guerrilha. Para entrar na chácara, os participantes tinham uma senha: bater com a mão espalmada no peito.

Ao meio-dia, serviu-se um churrasco, com arroz e vinagrete, cerveja e refrigerante. Um dos presentes era o vereador Leopoldo Paulino, secretário de Esportes do então prefeito de Ribeirão Preto, o hoje ministro Antonio Palocci.

Pouco antes, Paulino fundara o primeiro comitê de apoio às Farc no Brasil, em Ribeirão Preto.

Na chácara, exibiu-se um vídeo com a inauguração do comitê, e Paulino explicou seu funcionamento.

"Não temos presidente ou diretor. Somos todos guerrilheiros ou não somos. Se somos, então todos fazem parte da luta", disse ele, conforme o relato transcrito pelo agente infiltrado da Abin. Foi aplaudido pelos presentes.


Cristiano Mariz
ELE TAMBÉM ESTAVA LÁ
Antônio Viana, militante de esquerda que esteve na reunião da chácara: falou-se de tudo, menos de dinheiro
A VEJA, o vereador Leopoldo Paulino, que foi guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional (ALN) e hoje é filiado ao PSB, negou que tenha participado de qualquer reunião na chácara Coração Vermelho.

Outro que esteve presente, porém, o bancário Antônio Carlos Viana, um aguerrido militante comunista, confirmou a VEJA que a reunião foi feita, que o assunto era o apoio às Farc, mas disse que ninguém falou em dólares.

"Só defendemos que as Farc sejam reconhecidas como força beligerante", diz ele, que trabalha no departamento de tecnologia do Banco do Brasil.

O dono da chácara, o sindicalista Antônio Francisco do Carmo, militante do velho PCB, também confirma que, em várias ocasiões, cedeu sua propriedade para encontros em que o padre Olivério Medina esteve presente.

Ele ressalta, no entanto, que eram encontros festivos, e não reuniões de caráter político, nas quais nunca se mencionou financiamento da guerrilha colombiana para o PT.

"Sou amigo do padre e ele já almoçou e jantou várias vezes na minha chácara",
diz.

É certo que a reunião na chácara, até pela baixa estatura hierárquica de seus participantes, não tomou nenhuma decisão sobre Farc, PT ou milhões de dólares.

Na chácara, a doação do dinheiro veio à tona, talvez acidentalmente, e acabou captada por um agente da Abin. O general Alberto Cardoso, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo tucano e da Abin, soube da reunião na Coração Vermelho com antecedência e até abortou uma operação policial que planejava invadir a chácara e prender todos os participantes.

O general preferiu deixar a reunião acontecer e manter o monitoramento por meio do agente infiltrado.

Com isso, conseguiu pescar uma informação valiosa: o espião da Abin gravou a reunião e, na fita cassete, que também se encontra nos arquivos da agência, o padre Olivério Medina pode ser ouvido fazendo o anúncio da doação financeira aos petistas.

Depois do anúncio, numa conversa com um grupo reduzido, o padre relatou como o dinheiro entraria no Brasil.

Contou que sairia de Trinidad e Tobago, passaria pelos 300 pequenos empresários e chegaria a comitês regionais petistas.

Os documentos arquivados na Abin, sucessora do velho SNI do regime militar, são célebres por seus erros e equívocos, motivados em geral pela paranóia anticomunista de seus agentes na época da ditadura.

Os papéis que relatam a transação em que as Farc prometem ajuda financeira a candidatos esquerdistas no Brasil também não são imunes a erros.

A trajetória dos papéis na hierarquia do serviço de inteligência sugere, porém, que as informações partiram de um espião experiente que gozava da confiança de seus superiores.

Os documentos mostram que as informações ali contidas foram checadas com afinco. Um relatório elaborado por um agente de base costuma ser examinado por um analista, que avalia, reúne, compara informações e sistematiza-as de acordo com o objetivo de cada missão – ou manda tudo para o lixo.

O segundo filtro sobre a qualidade de uma informação é feito por um diretor de departamento, que recebe informações de outros setores e, em tese, está mais bem equipado para avaliar o conjunto das informações.

Depois, tudo ainda vai ao diretor-geral da agência, que avalia se o assunto é ou não relevante e se deve ou não ser levado ao conhecimento do presidente da República. O documento 0095/3100, de 25 de abril de 2002, o principal entre todos os que narram as ligações entre militantes petistas e as Farc, passou por todas essas etapas e acabou com um carimbo de "secreto".

Isso significa que suas informações eram críveis e seu conteúdo tinha consistência suficiente para ser levado ao conhecimento do presidente da República.

A primeira suspeita da generosidade financeira das Farc com esquerdistas brasileiros apareceu há dois anos, quando o deputado Alberto Fraga, hoje filiado ao PTB, contou que agentes da Abin lhe narraram a história.

O deputado fez um discurso-denúncia sobre o assunto na tribuna da Câmara e tentou em vão abrir uma CPI. Não conseguiu recolher o número necessário de assinaturas de deputados. Sua denúncia não recebeu muito crédito, mas o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, do PT paulista, procurou-o.

Disse que estava incumbido pelo governo de processar Fraga e queria saber se o deputado tinha provas da denúncia que fizera. Fraga blefou. "Eu disse que podia até apresentar testemunhas em juízo." Diante disso, Greenhalgh nunca mais tocou no assunto, segundo Fraga. "Eu só falei para que ele tomasse cuidado com aquela história. Disse que ele poderia acabar sendo processado porque a história não era verdadeira", desmente Greenhalgh.

"Eu não estava falando em nome do governo."

Quando Fraga fez a denúncia, a Abin chegou a abrir uma investigação interna para descobrir quem era o responsável pelo vazamento. A apuração encontrou um responsável. O resultado está arquivado no Departamento de Inteligência.

As suspeitas em torno de ligações do PT com as Farc costumam servir para manipulações políticas, com o objetivo de envolver o partido com um grupo terrorista.

Na campanha presidencial em 2002, por exemplo, o programa eleitoral do então candidato tucano, José Serra, chegou a perder preciosos minutos em direito de resposta por ter veiculado a acusação segundo a qual o PT teria ligações clandestinas com as Farc.

O fato que agora vem a público, porém, está despido de motivações políticas – foi apurado por uma agência oficial, ficou nos arquivos e, hoje, tais arquivos estão sob o comando do investigado.

Na quarta-feira passada, VEJA pediu esclarecimentos ao Gabinete de Segurança Institucional, abaixo do qual fica a Abin. Recebeu a resposta oficial na sexta-feira. Ei-la: "O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República informa que não vai se pronunciar a respeito".

Quatro horas depois, o GSI emitiu outra resposta. Dizia com um tortuoso malabarismo verbal que a Abin investigou as Farc – o que, no fundo, não quer dizer nada. Seria uma investigação histórica medir a dimensão dos tentáculos das Farc no Brasil e o nível hierárquico em que eles chegaram a penetrar no partido que detém o Poder Executivo.

 


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