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domingo, 30 de setembro de 2012

O fundo do poço de Lula e de Delfim Netto. Ou: Petistas recorrem até a signatário do AI-5 e último dignitário da ditadura para ameaçar a imprensa



Que coisa!

Eles pertencem a gerações distintas.

Um já foi o antípoda do outro.

Um já achou, com sua compulsão para a simplificação tosca, que o outro era o representante de tudo o que existia de ruim no país.

O outro já considerou que um era uma espécie de representante das hordas bárbaras
.

Por Reinaldo Azevedo

Hoje — e já há bastante tempo — estão juntos, do mesmo lado. Refiro-me a Luiz Inácio Lula da Silva e a Delfim Netto.

Quando Tancredo Neves estava prestes a vencer a disputa no Colégio Eleitoral, chegou a afirmar que o líder da oposição a seu governo seria Delfim. Afinal, ele era o último, vá lá, intelectual do antigo regime.

Quis o destino — e isto fala muito tanto de Delfim como de Lula — que os dois estejam irmanados, agora, numa campanha contra um dos fundamentos do regime democrático.

Faz sentido: cada um a seu modo, ambos são admiradores de regimes de força.

O signatário alegre e saltitante do AI-5 escreveu ontem um artigo na Folha em que, sem meias palavras, faz ameaças à imprensa. E expõe o motivo: a suposta tentativa de destruir a imagem de Lula.

Resta-me o quê? Responder ao artigo de Delfim parágrafo a parágrafo, evocando alguns fatos.

Ele segue em vermelho; eu em azul.
Lula
O título é esse mesmo, leitor, composto dessas quatro letras, como se qualquer outra palavra diminuísse a importância da personagem. Devemos tomá-las por quatro outras: DEUS! 
Desde a Constituição de 1988, as instituições vêm se fortalecendo e o poder incumbente tem, com maior ou menor disposição, obedecido aos objetivos nela implícitos: primeiro, a construção de uma República onde todos, inclusive ele, são sujeitos à mesma lei sob o controle do Supremo Tribunal Federal; segundo, a construção de uma sociedade democrática com eleições livres e à prova de fraudes; terceiro, a construção de uma sociedade em que a igualdade de oportunidades deve ser crescente, por meio de um acesso universal e não oneroso de todo cidadão à educação e à saúde, independentemente de sua origem, cor, credo ou renda.
Muito bem! Já que Delfim começa pelas questões, digamos, de fundo, cumpre-me fazer o mesmo. Em primeiro lugar, lembro que aquele que já foi o czar da economia o foi num tempo em que se podia agir assim sem muita dificuldade. Com o AI-5 na mão e algumas ideias na cabeça, exerceu seu ofício sem ter de enfrentar a democracia que agora ele exalta. Uma exaltação certamente tardia, já que esteve entre aqueles que lutaram bravamente contra as eleições diretas para a Presidência da República e que depois se juntaram a Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Tivesse vencido o seu candidato, talvez não tivéssemos a Constituinte, não é?
Mas isso ainda não diz tudo. Lembro que o Plano Real, que refundou as bases da economia brasileira, foi implementado sob as mais severas críticas de… Delfim Netto! Todas as suas antevisões, então, sobre o futuro do plano e seus desdobramentos falharam de forma cabal. Em São Paulo, juntou-se a Paulo Maluf e com ele seguiu até quando vislumbrou naquele que já foi chamado pelo petismo de “pessoa nefasta” algum futuro. Aí se bandeou para o PMDB. Ressentido porque a geração do Real não lhe deu a menor bola — não o quis nem mesmo como oráculo —, aproximou-se de Lula e passou a ser um de seus conselheiros tão logo o Apedeuta chegou ao poder. É até possível que tenha colaborado para evitar que o petismo dos dois primeiros anos fizesse alguma bobagem — e, por isso, por que não?, podemos lhe dar algum crédito. Mas vir, agora, ameaçar a imprensa? Ora, feche a sua boca, meu senhor, que demonstra estar ainda torta pelo uso do cachimbo em outra era.
Vivemos um momento em que se acirram as legítimas disputas para estabelecer a distribuição do poder entre as várias organizações partidárias e que é propício aos excessos verbais, às promessas irresponsáveis e à agressão selvagem.
Afrouxam-se e liquefazem-se os compromissos com a moralidade pública, revelados no universo da “mídia”. Esta também, legitimamente, assume o partido que melhor reflete sua “visão do mundo”.

Huuummm… Baixou um Conselheiro Acácio no velho Delfim! Política é assim mesmo, né? Acirram-se as disputas etc e tal. Em seguida, é visível, ele trata com um certo nojinho a política — daí que tenha vivido de modo muito confortável sob o AI-5. Quando ao “afrouxamento e liquefação dos compromissos com a moralidade”, dizer o quê? Quem segurou a vela para Maluf até outro dia sabe muito bem do que fala.
Quanto ao mais, meu senhor, as lambanças noticiadas estão no UNIVERSO DOS FATOS, NÃO NO UNIVERSO DA MÍDIA. Mas eu entendo: os autoritários de hoje e de ontem, os admiradores da ditadura de hoje e de ontem, os que odeiam o regime de liberdades hoje e ontem, essa  gente tende a achar que o mal está na imprensa que noticia, não nos fatos noticiados. Daí que a ditadura militar, de que Delfim foi o último dignitário, tenha recorrido à censura. Daí que os petistas, no poder, tenham tentando implementar métodos de censura — e vão tentar de novo, já anunciou aquele deputado cujo assessor usava a cueca como casa de câmbio: José Guimarães.
A situação é, agora, mais crítica porque a campanha eleitoral se processa ao mesmo tempo em que o Supremo Tribunal Federal julga um intrincado processo que envolve o PT e, em breve, vai fazê-lo em outro, da mesma natureza, que envolve o PSDB.
É próprio de alguém que ainda não entendeu como a democracia funciona sugerir que a Justiça tem de se deixar levar pelo calendário eleitoral. Não tem! Pouco importa o partido que esteja em questão.
O que alguma mídia parece ignorar é que o uso abusivo do seu poder é corrosivo e ameaçador à necessária e fundamental liberdade de opinião assegurada no artigo 220 da Constituição, onde se afirma que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
De que “alguma mídia” fala este senhor? Por que não dá nome aos bois? Mais: por que não aponta em que caso a imprensa fez “uso abusivo do seu poder”? Eis aí Delfim Netto, um sobrevivente da ditadura, recorrendo ao que ele chama “mídia” para ameaçar a… própria mídia! Como não lembrar que este senhor é colunista da “Carta Capital”, aquela revista que só existe porque existem o estado e as estatais? O que macula — não chega a ameaçar — a democracia é a existência de veículos que são, direta ou indiretamente, financiados pelo dinheiro público para satanizar os adversários do governo e a própria imprensa livre.
Primeiro, porque o parágrafo 5º do mesmo dispositivo previne que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. E, segundo, porque no art. 224 a Constituição fecha o ciclo: “Para os efeitos do disposto nesse capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei”. Dois dispositivos suficientemente vagos que podem acabar criando problemas muito delicados no futuro.
Huuummm… Delfim é um tolo ao supor que tolos são os outros. Aí onde parece haver uma advertência de boa-fé à imprensa, alertando-a para os “dispositivos suficientemente vagos que podem acabar criando problemas muito delicados no futuro”, há, na verdade, uma ameaça nada velada. O signatário do AI-5 deve andar meio encantado com a Beiçuda de Buenos Aires, esperando, como esperam alguns de seus amigos na Carta Capital e coisas ainda piores, que Dilma imponha no Brasil algo como a “ley de medios” chavista.
No que me diz respeito, agradeço o conselho de Delfim, mas repudio. Ele que continue lá a puxar o saco de Lula. Já cheguei a achá-lo até divertido, mas jamais o tomaria como um guia em questões que dizem respeito à liberdade de expressão. Isso é coisa séria demais para ser deixada sob os cuidados de sua pena. Eu sempre o tive como um doutor em ditadura — um doutor inteligente —, mas jamais como um doutor em democracia.
Um exemplo daquele abuso é a procura maliciosa de alguns deles de, no calor da disputa eleitoral, tentar destruir, com aleivosias genéricas, a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ignorando o grande avanço social e econômico por ele produzido com a inserção social, o fortalecimento das instituições, a redução das desigualdades e a superação dos constrangimentos externos que sempre prejudicaram o nosso desenvolvimento.
Maliciosa é a ameaça desse leão desdentado. “Aleivosias genéricas” são aqueles que Delfim vivia e vive fazendo de seus adversários intelectuais, em conversinhas ao pé do ouvido. Ainda que todas as questões que ele evoca fossem mesmo conquistas do governo Lula — como se não tivesse havido antes um Plano Real, AO QUAL DELFIM NETTO SE OPÔS, REITERO!!! —, o ex-presidente deveria, por isso, ser poupado dos fatos e de sua biografia. Não é um dos réus do mensalão petista, mas e se fosse? A democracia correria riscos por isso?
Segundo Delfim, como os dispositivos da Constituição são vagos, qualquer coisa pode acontecer. Tudo dependeria, a gente fica sabendo, de como Lula será tratado pela imprensa. Se ela for boazinha e comportada e tratá-la como DEUS, então tudo bem! Se não for, aí a coisa pode ficar feia. Vale dizer: para o signatário do AI-5 e hoje dignitário desta particular ditadura petista, quem garante a imprensa livre não é a Constituição, mas os humores de Lula — que, como se nota, resiste em admitir a decadência mais do que o próprio Delfim Netto.
Despeço-me de Delfim com uma citação a que volta e meia recorro porque o Brasil me obriga. O jovem poeta português Antero de Quental (1842-1891), expressão do movimento realista, passou uma descompostura no velho poeta Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875), um vulto do romantismo. Escreveu assim — e é o que digo a Delfim, o amante de ditaduras:
“Levanto-me quando os cabelos brancos de V. Exa. passam diante de mim. Mas o travesso cérebro que está debaixo e as garridas e pequeninas coisas que saem dele, confesso, não me merecem nem admiração nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança. V.Exa. precisa menos cinquenta anos de idade, ou então mais cinquenta de reflexão. É por estes motivos todos que lamento do fundo da alma não me poder confessar, como desejava, de V.Exa. nem admirador nem respeitador”.
A única coisa que não bate aí são os cabelos brancos. Delfim os mantém mais negros do que os de Iracema, que já eram mais negros do que as asas da graúna… Mas as ideias que vão debaixo dele continuam a não merecer nem estima nem consideração…
27/09/2012


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