A volta do vira-lata
O complexo de vira-lata que assola a alma brasileira (segundo Nélson Rodrigues) não poderia faltar na visita do presidente Barack Obama aos trópicos.
Boa parte do noticiário girou em torno de como o "dono do cachorro" o afagaria em sua pretensão de ser integrante permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Se seria enfático, se seria suave, se se omitiria, se faria com o Brasil o que fez com a Índia (endosso formal).
É evidente que a posição dos Estados Unidos a respeito do que quer que ocorra no planeta é relevante, por se tratar da única superpotência remanescente, depois do fim da União Soviética (que, aliás, revelou-se superpotência de pés de barro).
Mas daí até ficar pendente de uma palavra do presidente norte-americano como se fosse a tábua da lei vai uma distância considerável que não é preciso percorrer.
O Brasil vai (ou não) ser membro do CS da ONU, o coração do sistema Nações Unidas, pelo que é, principalmente, e também pelo que faz (ou deixa de fazer). Não pelo que diga ou deixe de dizer Obama ou qualquer outro líder.
Logo, acabará ganhando sua vaga no Conselho, a menos que seus governantes façam muita besteira. Desde a redemocratização, foram de fato feitas incontáveis asneiras por diferentes presidentes, mas nenhuma delas suficiente para invalidar a condição natural do Brasil como candidato à vaga.
Os dois presidentes mais recentes, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, puseram o país na agenda do planeta, mais Lula do que FHC, o que não deixa de ser contraditório com a condição de intelectual globalizado deste em contraste com um operário que parecia muito mais voltado para o interior.
É evidente que há críticas --internas e externas-- a algumas ações ou omissões de um e de outro. Eu mesmo, nos espaços que a Folha-papel comete o erro de me emprestar, fiz e ainda faço todas as críticas que achei corretas --e não me arrependo de nenhuma delas.
Mas uma coisa é discordar de alguma ação ou omissão, outra, completamente diferente, é entender que ela inabilita o país para voos ainda mais altos.
Ante as condições naturais do Brasil --e olhe que sou o inimigo número 1 do patrioteirismo--, qualquer palavra de Obama beira, no médio e longo prazo, à irrelevância.
Até entendo que a visita acabou produzindo menos emoções que a princípio se supunha, o que leva o jornalismo a se agarrar em detalhes nem sempre relevantes.
Mas o público não deve se enganar. Primeiro, a reforma da ONU anda em passo de tartaruga e é razoável supor que a decisão, se chegar finalmente a ser tomada, ficará para a época do sucessor do sucessor de Barack Obama.
Segundo, nesse momento, salvo, repito, a hipótese de uma grande bobagem, o Brasil terá a sua vaga garantida.
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".
21/03/2011
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