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terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

"welfare state".



O cânone stalinista
DEMÉTRIO MAGNOLI

Há 50 anos, no 20 de março de 1956, tornavam-se públicos trechos do chamado "Discurso Secreto de Nikita Kruschev", pronunciado semanas antes perante o 20º Congresso do PCUS (Partido Comunista da URSS). A peça histórica denunciava as perseguições políticas de Josef Stalin e o "culto à personalidade" do ditador morto, deflagrando a "desestalinização". O próprio Kruschev tinha sido um dos colaboradores principais de Stalin -e um agente dos expurgos.

A "desestalinização" foi feita pelos stalinistas soviéticos e difundida como nova doutrina oficial pelos partidos comunistas em todo o mundo. A narrativa que ela construiu tinha que preservar o sistema totalitário na URSS, restringindo a crítica aos "excessos" ou "desvios" de Stalin. À sua sombra, os intelectuais comunistas elaboraram uma interpretação da história do século 20 que se congelou como cânone, "naturalizando-se" em manuais históricos e econômicos.

O primeiro pilar da narrativa é a tese de que o "welfare state" se estabeleceu como fruto da existência da URSS. As classes dirigentes européias e americana teriam cedido aos trabalhadores os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários para reduzir a atração produzida pelo socialismo soviético. O argumento só se sustenta na base da liquidação da história dos movimentos políticos e sindicais que conquistaram, em cada nação, o "welfare state".

O segundo pilar da narrativa é a tese de que a ditadura de Stalin salvou a humanidade do nazismo. Essa proposição aparece, sob forma "sofisticada", na apresentação à nova edição da biografia clássica de Trótski escrita por Isaac Deutscher.

O texto, de Emir Sader, explica que a URSS conseguiu "desenvolver-se suficientemente para poder assestar o golpe decisivo na espinha dorsal do exército de Hitler e assim mudar a história do século 20", e conclui que "o preço a pagar pelo desenvolvimento compulsivo imposto por Stalin, no entanto, foi o da ruptura com a democracia e os espaços de debate".

Ou seja: o totalitarismo mais sanguinário do século (a "ruptura com os espaços de debate", na versão ultra-stalinista do autor) propiciou um "desenvolvimento compulsivo" que redundou na vitória contra Hitler.

Na "era de Stalin", o Estado soviético falsificava a história por meio da tesoura, da cola e dos líquidos fotográficos. Os intelectuais da "desestalinização", carentes do poder de um Estado totalitário, usam o silogismo e a teleologia. O ódio à história é igual. Antes da guerra, Stalin expurgou os melhores generais soviéticos e assinou um tratado de paz e amizade com a Alemanha nazista, deixando seu país à mercê das forças de Hitler. A URSS "assestou o golpe decisivo na espinha dorsal" da Alemanha não graças a Stalin, mas apesar dele, à custa de incomensuráveis perdas humanas e com o auxílio indispensável de armas e suprimentos americanos.

O cânone stalinista sobreviveu ao desmoronamento da URSS, pois, mais que uma interpretação da história, ele é a bússola da razão política dos herdeiros do "socialismo real". No seu âmago, encontram-se o desprezo às liberdades e a noção de "eficiência histórica" das ditaduras. São componentes ideológicos vitais para os líderes, partidos e intelectuais devotados a incensar o regime ditatorial chinês e aplaudir os julgamentos sumários e fuzilamentos cubanos.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2303200607.htm

Dê aos socialistas o gosto pelo poder e eles, como cães robustos, não mais largarão o osso”

H. L. Mencken, jornalista norte-americano (1880-1956)


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