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terça-feira, 21 de agosto de 2012

‘Os papéis da Era Dirceu’


Editorial do Estadão

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA TERÇA-FEIRA



A importância dos documentos publicados anteontem por este jornal sobre a atuação do então ministro da Casa Civil do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, de janeiro de 2003 a junho de 2005, consiste em que atestam a amplitude do seu envolvimento com assuntos e protagonistas partidários.

Isso, sem falar no que revelam do poderio do “capitão do time”, como o chamava seu chefe, para além das atribuições inerentes ao cargo na coordenação da máquina administrativa e participação nas decisões estratégicas do governo.

E a importância desse percurso pelos bastidores da Era Dirceu no Palácio do Planalto ─ tornado possível graças à Lei de Acesso à Informação a que recorreu a repórter Alana Rizzo ─ consiste no fato de desembocar na corroboração dos indícios veementes de que o ex-presidente do PT, muito diferentemente do que alega, não se distanciou dos interesses do partido à sombra do governo.

Tais interesses, como é notório, estão na gênese do mensalão, a esbórnia financeira que servia para aglutinar a heterogênea aliança partidária em torno do presidente Lula ─ a qual, por sua vez, se destinava a assegurar a perpetuação do poder petista.

A defesa do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, o primeiro entre os seus 35 pares para quem a Procuradoria-Geral da União pediu a condenação ao Supremo Tribunal Federal (STF) por um rosário de crimes, alega que não há nos autos “uma única testemunha que sustentasse a acusação” contra o réu, tido pelo Ministério Público como a figura central do “maior escândalo de corrupção do Brasil”.

O processo, de fato, não conseguiu agregar contra Dirceu elementos consistentes que avalizassem os das conclusões da CPI dos Correios e do inquérito da Polícia Federal em que se baseou a inculpação dos mensaleiros.

No entanto, a papelada obtida pelo Estado ─ mensagens confidenciais, bilhetes e ofícios em profusão que, por lei, a sociedade brasileira conquistou o direito de conhecer ─ torna ainda mais nítida a evidência de que, do lugar privilegiado que ocupava, Dirceu exercia com desenvoltura ainda mais exacerbada do que de costume a função de embaixador plenipotenciário do PT na esfera federal da República.

Quando, por exemplo, ele incumbe o seu chefe de gabinete, Marcelo Sereno, de dar andamento a um pedido do deputado Valdemar Costa Neto, presidente do PL, futuro réu do mensalão, para empregar na Radiobrás dois de seus apadrinhados, ele está rigorosamente a serviço do que é adequado chamar “petismo de resultados”.

Nada que os companheiros já não soubessem ─ e não se tem em mente apenas aqueles que viriam a compor com ele o “núcleo político” do mensalão, o presidente da sigla, José Genoino, e o tesoureiro Delúbio Soares.

Se assim não fosse, uma deputada estadual paulista não lhe pediria audiência para “consolidar a relação partidária com as ações governamentais, em especial assuntos relativos à atuação desta parlamentar na Baixada Santista”.

Nem o presidente do PT sergipano pediria para falar-lhe da “apresentação dos indicados para os cargos federais no Estado” e “o que mais ocorrer” (sic). Dirceu operava do mais miúdo do varejo à grande política ─ “grande”, obviamente, não no sentido que deriva de termo grandeza.

Nem a presunção de inocência levada a alturas estratosféricas pode ser invocada para dissociar do mensalão quem obrava para receber, antes do seu então colega no Ministério da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, a transcrição de conversas interceptadas pela polícia.

Desde a irrupção do escândalo, a questão nuclear não era se Dirceu tinha conhecimento ou, mais do que isso, comando da operação ilícita.

Era se Lula mandava no jogo, deixando para Dirceu distribuir as cartas. Os documentos que dão a medida da envergadura do ministro confirmam paradoxalmente a sua subordinação hierárquica.

Autoridades costumam fazer, aqui ou ali, coisas com as quais não tomam o tempo de seus chefes. Mas o que Dirceu fazia ─ do que os documentos obtidos não deixam dúvida alguma ─ era demais para ficar à revelia de Lula.

Ele nem sequer precisava ter dito que nada fez “sem antes consultar o presidente.

Nada.”

21/08/2012

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