O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, e o revisor do processo, Ricardo Lewandowski(e), chegam ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, para mais uma tarde do julgamento do processo do mensalão
(Andre Dusek/AE)
O esquema do valerioduto recebeu dinheiro público por meio de repasses irregulares do Banco do Brasil (BB). A conclusão é do relator do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que evidenciou, de forma detalhada nesta segunda-feira, como o réu Henrique Pizzolato participou do desvio de milhões de reais da instituição financeira para a DNA Propaganda, de Marcos Valério, e ainda atuou de forma irregular ao antecipar em benefício do publicitário mineiro dinheiro do banco público. Em seu voto, o magistrado votou pela condenação de Pizzolato pelos crimes de peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Do total pago irregularmente pelo Banco do Brasil, 2,9 milhões dizem respeito ao chamado bônus de volume, uma gratificação paga pelos veículos de comunicação a anunciantes. De acordo com o contrato firmado entre o Banco do Brasil e a DNA, esses recursos deveriam ser pagos à instituição financeira. Mas a DNA se apropriou do montante. Outros 73,8 milhões foram pagos pelo Banco do Brasil à companhia de Valério sem que houvesse comprovação de qualquer serviço prestado. Parte dos pagamentos foi justificada com notas fiscais frias.
Ao tratar dos bônus de volume embolsados pela DNA, o ministro foi enfático: “A clareza da obrigação de devolução e o fato de todos os valores de bônus de volume de que a DNA Propaganda se apropriou pertencerem expressamente ao Banco do Brasil (permite concluir que) houve irrecusavelmente o crime de peculato”, disse o ministro. De acordo com ele, dados contratuais constataram que os valores deveriam ser devolvidos à instituição financeira, mas acabaram desviados. “O público não se transmuta em privado pelo fato da mera detenção provisória e precária por parte do particular”, criticou o ministro. "Está devidamente comprovado que a DNA Propaganda se apropriou de recursos que deveriam ser devolvidos ao Banco do Brasil, conforme determinação contratual", completou ele.
Ao explicar o papel desempenhado por Henrique Pizzolato no esquema criminoso, o ministro Joaquim Barbosa ressaltou que o então funcionário do Banco do Brasil foi propositadamente omisso, se eximindo de exigir o cumprimento do contrato e, consequentemente, não atuando para garantir que os bônus de volume voltassem aos cofres públicos. "O réu não exerceu seu dever funcional de exigir o cumprimento do contrato e permitiu o desvio dos valores em proveito particular da DNA Propaganda", relatou. "O conluio para a prática do crime é reforçado pelo fato de Pizzolato manter reuniões com Valério. Ao todo, foram cerca de dez reuniões", disse ainda Barbosa.
Visanet - Na segunda parte das anotações em que conclui que o valerioduto se valeu de recursos públicos, Joaquim Barbosa disse que Henrique Pizzolato recebeu propina de cerca de 326 000 reais como pagamento pelos serviços prestados à quadrilha. Entre as razões para o ex-diretor ter sido beneficiado por Valério, conforme denúncia do Ministério Público, está o fato de o Banco do Brasil ter autorizado o pagamento adiantado de mais de 73 milhões de reais à DNA.
“As informações são cristalinas. A Visanet só enviou recursos à DNA Propaganda por determinação do Banco do Brasil, acionista do fundo. Os repasses milionários as agências de Marcos Valério e de seus sócios foram determinados por meio de notas técnicas comandadas pela diretoria de Marketing do grupo”, disse o ministro. “Portanto, quem pagou a DNA Propaganda foi o Banco do Brasil, e não a Visanet, que foi mera repassadora dos recursos”, argumentou ele.
Na avaliação do ministro relator, ainda que Henrique Pizzolato não fosse o gestor do Banco do Brasil junto ao fundo Visanet, “é incontornável a conclusão de que, no exercício da função, era a autoridade máxima a comandar em nome do Banco do Brasil as vultosas transferências de recursos em nome da DNA”. “Embora Pizzolato não fosse gestor do Banco do Brasil junto do fundo Visanet, a atuação desse gestor dependia de sua prévia autorização por meio das chamadas notas técnicas, nas quais (Pizzolato) indicava a DNA como favorecida”, disse Barbosa.
Apesar de ter destinado um trecho de seu voto unicamente para abordar a acusação de compra de parlamentares no esquema do mensalão, o ministro antecipou haver “colaboração criminosa” entre o grupo de Valério para atuar no esquema do mensação e, sob comando do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, distribuir recursos a parlamentares. O relator ainda mostrou, de forma didática, como os recursos pagos irregularmente pelo Banco do Brasil foram usados para a cooptação de parlamentares pelo governo Lula: no mesmo dia em que recebeu 35 milhões de forma irregular, por exemplo, a DNA transferiu 10 milhões de reais uma conta-investimento no Banco BMG. Quatro dias depois, esse montante serviu de garantia para o empréstimo concedido pelo BMG ao empresário Rogério Tolentino, comparsa de Marcos Valério. No mesmo dia, Tolentino transferiu 3,1 milhões de reais para a Bônus-Banval, empresa que distribuiu recursos diretamente a deputados do PP indicados por Delúbio Soares.
“Os empréstimos simultâneos serviram para dissimular os desvios de recursos do BB para os fins privados dos acusados Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach e para as pessoas indicadas por Delúbio Soares”, disse Barbosa sobre as formas como os recursos públicos iam parar no valerioduto.
Serviços - O relator também listou vários problemas nos serviços prestados pela DNA Propaganda – como "baixa qualidade nos textos" , "acabamento inadequado" e "inconsistência das propostas de mídia" – e mostrou que Henrique Pizzolato agiu de forma criminosa ao renovar o contrato com a companhia de Valério.
Único ministro a se manifestar nesta segunda-feira no plenário do STF, Joaquim Barbosa também não eximiu o publicitário Marcos Valério e seus sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, de responsabilidade nas fraudes na destinação dos recursos dos bônus de volume. Para o magistrado, ao contrário do que diz a defesa, os auxiliares de Valério “não desempenhavam meramente funções internas nas agências". Ele chegou a adiantar que os dois atuaram na fraude de empréstimos bancários, sobretudo no Banco Rural. A veracidade da tomada de recursos nesta instituição financeira também é parte da denúncia do esquema do mensalão. Ao final do voto, Barbosa opinou pela condenação de Valério e de seus sócio pelos crimes corrupção ativa e peculato.
“As provas demonstram que (Cristiano e Ramon) mantiveram reuniões com agentes públicos, que pagaram vantagens indevidas a parlamentares, paralelamente a contratação de suas agencias por órgãos públicos. As três agências (de publicidade DNA, SMP&B e Graffiti) simularam empréstimos bancários sobretudo no Banco Rural, importante etapa para a lavagem”, disse.
Luiz Gushiken - Seguindo sugestão do Ministério Público, o ministro Joaquim Barbosa concluiu não haver provas de que o ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, Luiz Gushiken, tenha praticado o crime de peculato. Na CPI dos Correios, Henrique Pizzolato havia atribuído ao então auxiliar de Lula a ordem para autorizar os pagamentos em benefício de Valério.
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