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sábado, 25 de julho de 2009

A DIGESTÃO DO PODER

A voracidade do PMDB, símbolo da resistência democrática convertido ao fisiologismo, transformou-se num paradoxo político.

Sem ele, não se governa.
Com ele, abre-se a porteira para a corrupção e o clientelismo

Por Otávio Cabral

A Carta ao Leitor desta edição de VEJA pergunta se o PMDB, o partido brasileiro com o maior número de filiados e dono da maior bancada no Congresso Nacional, entre outros indicadores de grandeza, encarna os grandes males da política ou apenas seus membros se aproveitam com mais eficiência das regras que facilitam a perpetuação da corrupção e do fisiologismo.

A resposta não é tão simples. Se o PMDB desaparecesse por decreto da noite para o dia, a corrupção e o fisiologismo, irmãos siameses, continuariam a permear a atividade política no Brasil. Vale a pena ler a definição da Wikipédia:

"Fisiologismo é um tipo de relação de poder político em que as ações políticas e decisões são tomadas em troca de favores, favorecimentos e outros benefícios a interesses individuais.

É um fenômeno que ocorre frequentemente em parlamentos, mas também no Poder Executivo, estreitamente associado à corrupção política. Os partidos políticos podem ser considerados fisiologistas quando apoiam qualquer governo independentemente da coerência entre as ideologias ou planos programáticos".

Se alguém souber de algum partido político brasileiro que, mesmo não apoiando nenhum governo, não faça "troca de favores" em circunstância alguma, que escreva seu próprio verbete na Wikipédia. Ele pode ficar na letra "P", de pureza, ou "U", de utopia.

Mas, se alguém conhecer algum partido que faça isso tudo com mais desenvoltura, constância, eficiência e na maior cara de pau, que escreva também seu verbete.

Fotos Orlando Brito e Beto Barata/AE

PASSADO NOBRE, PRESENTE POBRE
Ulysses Guimarães foi a encarnação do PMDB que liderou a oposição ao regime militar. Wellington Salgado não teria lugar no partido de Ulysses

O PMDB encarna o paroxismo do fisiologismo. Há um limite na política real que é aceitável: o partido utilizar sua força para eleger grandes bancadas, pressionar o governo e conseguir cargos públicos. Isso poderia até explicar a onipresença do PMDB no poder. Mas o partido vai além do aceitável.

Afirma o cientista político Rubens Figueiredo: "O PMDB usa essa força para promover a corrupção, o compadrio e o nepotismo. Isso resvala na marginalidade. O MDB foi a encarnação do bem no combate à ditadura. Ganhou um P e virou a encarnação do mal na democracia".

Apesar disso (pois seria cinicamente impensável escrever "por causa disso"), o partido é alvo de cobiça.

Está no governo Lula assim como esteve em todos os governos nos últimos 24 anos. Se nenhuma turbulência ocorrer, já se prepara para participar do futuro governo a ser eleito em 2010. Por quê? Porque, pelas cinco características a ser expostas aqui, é quase impossível chegar ao Planalto sem o concurso do PMDB.

1) MALEABILIDADE – Herança dos tempos heroicos, quando se chamava MDB e serviu de Arca de Noé para todo o espectro de opositores da ditadura militar, o PMDB é um partido sem identidade ideológica, sem espinha dorsal programática, o que facilita as conversas na linha "hay gobierno, estoy dentro".

O partido serviu como abrigo e até esconderijo para todas as correntes políticas que faziam oposição aos militares. A convivência entre figuras tão distintas se consolidou com o tempo e fez do partido uma espécie de sigla ecumênica.

"Nós nascemos com o único objetivo de retomar a democracia. Nunca tivemos unidade ideológica, programa econômico ou plano de desenvolvimento.Vencemos a ditadura e ficamos sem bandeira", admite Wellington Moreira Franco, ex-governador do Rio de Janeiro e atual vice-presidente da Caixa. O PMDB talvez seja o único partido do mundo que admite a dissidência em seu estatuto.

O fato de ser uma agremiação sem ideologia, sem programa e sem projeto facilitou ao PMDB estar presente em todos os governos nos últimos 24 anos, sem nenhum conflito.

João Ramid
À PROCURA DE UM NORTE Evento do PMDB na campanha presidencial de 1989: depois do fim da ditadura,o partido só se ocupou de si mesmo

2) ACEFALIA O PMDB não tem um líder histórico ou um cacique incontrastável que dê rumo e aprove coligações. Sua estrutura é formada de células regionais e facções com ampla autonomia para tratar dos interesses mais imediatos de cada grupo.

O PMDB tem nove governadores, seis ministros e a maior bancada do Congresso. Mas não tem uma liderança, alguém capaz de falar em nome do partido. A falta de referencial facilita à sigla compor-se com quem quer que seja.

"O PMDB é um partido com líderes inexpressivos. Alguém se lembra de algo relevante oriundo de Renan Calheiros ou de José Sarney?", questiona o historiador Marco Antonio Villa. Durante a ditadura, o partido teve ícones, como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Hoje tem como farol figuras como Orestes Quércia e Jader Barbalho, que dirigem quadros rasteiros.

Caso do senador Wellington Salgado, um especialista em defender colegas enrolados. Indagado sobre as últimas denúncias contra o senador José Sarney – gravado pela polícia articulando a nomeação do namorado de uma neta para o Senado, Salgado vaticinou: "Ele fez o que todo senador faz".

3) ADAPTABILIDADE Se o Brasil amanhecesse comunista, o PMDB acordaria o partido dos "comissários do povo". Nada abala a convicção dos peemedebistas de que cedo ou tarde o partido no governo e o presidente da República, sejam quais forem, vão precisar de seus préstimos. Daí, então, basta negociar o preço, fazer as mais tenebrosas transações parecerem "alta política" e pegar a chave do cofre apenas como mais uma "missão de servir ao país" confiada a algum correligionário.

O PMDB começou a fazer graduação em teoria fisiológica ainda na ditadura. Na ocasião, não havia eleições diretas para presidente, governador e prefeito de capital – e o partido passou a priorizar os grotões, onde até hoje a promessa de qualquer coisa, seja uma nota de 10 reais, seja um emprego, ainda vale um voto.

Em 1985, depois que José Sarney assumiu a Presidência, o partido começou a aplicar em larga escala suas habilidades em temas heterodoxos, tudo disfarçado de ações supostamente em favor da governabilidade e da formação de maioria.

Na era Sarney, a especialidade da bancada do PMDB era permutar votos por concessões de rádio e TV. No governo Collor, o partido não teve muito espaço e ajudou a derrubá-lo. Na era Fernando Henrique Cardoso, a chantagem virou o instrumento de pressão do partido. Sob Lula, a troca de apoio por cargos chegou ao extremo.

Hoje, o partido comanda órgãos que movimentam um orçamento de 240 bilhões de reais Quem já teve como função negociar com o PMDB sabe que quem não ceder perde: "O que muda é o tamanho da colher. Em um governo, o PMDB tem uma colher de sopa. Em outro, de sobremesa. Em outro, de chá. Mas ele sempre ganha seu bocado de poder", afirma o senador Arthur Virgílio, que foi líder de FHC no Congresso.

Dida Sampaio/AE
SEMPRE NO PODER
Lula e o presidente do PMDB, Michel Temer, um ex-serrista agora com o PT

4) ATRASOEm todas as democracias representativas, o avanço se dá quando o nível de educação e de conforto material permite aos eleitores interessar-se por questões não diretamente ligadas à sua sobrevivência imediata.

Ou seja, quando o eleitor toma decisões baseadas em conceitos antes abstratos, como "interesse nacional" ou "ética".

Da mesma forma que a natureza abomina o vácuo, o PMDB não se interessa pelo eleitor que escapou do lumpesinato e não mais se entrega a qualquer partido que lhe ofereça uma recompensa material básica em troca de seu voto.

Como uma imensa porção da população brasileira ainda depende desse tipo de recompensa, o PMDB tem um futuro risonho a curto e médio prazos.

O PMDB é um partido pragmático. Sabe como chegar ao eleitorado e o que precisa fazer para agradar-lhe. Autor do livro A Cabeça do Eleitor, o sociólogo Alberto Carlos Almeida compara o PMDB ao brasileiro médio. "O PMDB é o partido do centro, da ambiguidade, do meio-termo, da neutralidade, do interior do país, de escolaridade baixa, morador das regiões menos avançadas. É como a média do brasileiro", compara.

E esse brasileiro médio não vota por ideologia ou por afinidade, mas em quem lhe traz um benefício concreto e imediato. Por exemplo, o deputado que indica o gestor da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Por meio do órgão chegarão remédios e obras à base do parlamentar, que terá uma população muito agradecida a ele na eleição seguinte.

Por isso, órgãos como a Funasa, os Correios e o INSS são tão cobiçados pelo PMDB. Há ainda uma segunda vantagem. É comum um parlamentar brigar para indicar diretorias de obras de uma estatal. O alvo nesse caso são as empreiteiras contratadas, que se tornam potenciais doadoras de campanha. "A regra é o pagamento de comissões que vão de 5% a 10% para o partido", afirma um ex-ministro peemedebista.

É por isso que a lista de cargos ocupados pelo PMDB é tão ampla.

Vai de um ministério a um posto de polícia no interior.

5) RESILIÊNCIA – As subestruturas regionais e as facções do partido só atuam em conjunto, com grande eficiência, quando a sobrevivência material do grupo e sua maneira de servir-se do estado são ameaçadas por alguma reforma política modernizante e mais ampla ou por um presidente ousado e destemido que decide acabar com a festa do dinheiro público.

O PMDB é entrave a qualquer mudança necessária para a modernização. O caso mais emblemático é a reforma política. Não há razão em apoiar alterações na regra se as distorções estão na gênese do poder do partido.

"As leis eleitorais não mudarão enquanto beneficiarem essa bancada que não disputa eleição mas se dá bem em qualquer governo", afirma o cientista político Gaudêncio Torquato.

A reforma tributária também fica em segundo plano. Se puxar de um lado, prejudica o empresariado, que financia as campanhas do PMDB. Se puxar de outro, prejudica estados e municípios, nos quais o partido está entranhado na máquina.

Ao negociar alianças prévias com o PT e o PSDB, os dois prováveis adversários nas eleições presidenciais do ano que vem, o PMDB está apenas cuidando do próprio futuro. Para o bem e para mal, também do nosso próprio futuro.

Revista Veja

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