Servidor da Abin exibe prova dos ‘grampos’ no STF
Revista reproduz diálogo de Gilmar Mendes com senador
Foi captado, em 15 de julho, por escuta telefônica ilegal
Ouvidos, os interlocutores confirmaram teor da conversa
Presidente do Supremo aponta 'degradação institucional'
Sérgio Lima/Folha
Três semanas depois da divulgação da notícia de que o presidente do STF, Gilmar Mendes, fora vítima de espionagem, surge uma nova evidência do malfeito.Os repórteres Policarpo Junior e Expedito Filho obtiveram informações e documentos que não deixam dúvida: os telefones de Gilmar foram mesmo grampeados.
Os dados foram repassados por um servidor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Para provar que dizia a verdade, o funcionário entregou a íntegra de um diálogo telefônico que Gilmar mantive com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
Deu-se às 18h32 do dia 15 de julho. A conversa está estampada nas páginas da última edição de Veja (só para assinantes).
Ouvidos, Gilmar e Demóstenes confirmaram o teor da conversa. Falaram por pouco mais de dois minutos. Eis a íntegra da conversa:
- Gilmar: Oi, Demóstenes, tudo bem? Muito obrigado pelas suas declarações.
- Demóstenes: Que é isso, Gilmar. Esse pessoal está maluco. Impeachment? Isso é coisa para bandido, não para presidente do Supremo. Podem até discordar do julgado, mas impeachment...
- Gilmar: Querem fazer tudo contra a lei, Demóstenes, só pelo gosto...
- Demóstenes: A segunda decisão foi uma afronta à sua, só pra te constranger, mas, felizmente, não tem ninguém aqui que embarcou nessa "porra-louquice". Se houver mesmo esse pedido, não anda um milímetro. Não tem sentido.
- Gilmar: Obrigado.
- Demóstenes: Gilmar, obrigado pelo retorno, eu te liguei porque tem um caso aqui que vou precisar de você. É o seguinte: eu sou o relator da CPI da Pedofilia aqui no Senado e acabo de ser comunicado pelo pessoal do Ministério da Justiça que um juiz estadual de Roraima mandou uma decisão dele para o programa de proteção de vítimas ameaçadas para que uma pessoa protegida não seja ouvida pela CPI antes do juiz.
- Gilmar: Como é que é?
- Demóstenes: É isso mesmo! Dois promotores entraram com o pedido e o juiz estadual interferiu na agenda da CPI. Tem cabimento?
- Gilmar: É grave.
- Demóstenes: É uma vítima menor que foi molestada por um monte de autoridades de lá e parece que até por um deputado federal. É por isso que nós queremos ouvi-la, mas o juiz lá não tem qualquer noção de competência.
- Gilmar: O que você quer fazer?
- Demóstenes: Eu estou pensando em ligar para o procurador-geral de Justiça e ver se ele mostra para os promotores que eles não podem intervir em CPI federal, que aqui só pode chegar ordem do Supremo. Se eles resolverem lá, tudo bem. Se não, vou pedir ao advogado-geral da Casa para preparar alguma medida judicial para você restabelecer o direito.
- Gilmar: Está demais, não é, Demóstenes?
Demóstenes: Burrice também devia ter limites, não é, Gilmar? Isso é caso até de Conselhão (risos).
- Gilmar: Então está bom.
- Demóstenes: Se eu não resolver até amanhã, eu te procuro com uma ação para você analisar. Está bom?
- Gilmar: Está bom. Um abraço, e obrigado de novo.
- Demóstenes: Um abração, Gilmar. Até logo
Ao saber que a espionagem ao seu gabinete, que suspeitara ter-se limitado ao monitoramento via rádio, estendera-se aos telefones, Gilmar reagiu assim:
"Não há mais como descer na escala da degradação institucional...”
“...Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do Supremo Tribunal Federal é coisa de regime totalitário. É deplorável. É ofensivo. É indigno".
Decidiu tratar do caso diretamente com Lula: "Não acredito que a ação da Abin ou da Polícia Federal seja oficial, com o conhecimento do governo...”
“...Mas cabe ao presidente da República punir os responsáveis por essa agressão".
Demóstenes foi na mesma linha: "Essa gravação mostra que há um monstro, um grupo de bandoleiros atuando dentro do governo...”
Informou que pedirá providências ao presidente do Congresso, Garibaldi Alves. “É um escândalo que coloca em risco a harmonia entre os poderes".
Vai, de resto, requerer a convocação da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso.
Em depoimento à CPI do Grampo, na Câmara, o diretor-geral da Abin, delegado Paulo Lacerda, negara, em timbre enfático, o monitoramento clandestino no STF.
A julgar pela nova evidência, só há duas hipóteses possíveis: ou Lacerda não sabe o que se passa sob seu nariz ou contou aos deputados uma potoca.
Há mais: o servidor da Abin contou aos repórteres que o grampeamento ilegal de autoridades é coisa corriqueira.
Ao listar os grampeados, mencionou: os senadores Garibaldi Alves, do PMDB; Arthur Virgílio, Alvaro Dias e Tasso Jereissati, todos do PSDB; e Tião Viana, do PT.
Há pior: segundo o servidor da Abin, só em 2008, já passaram pelo setor em que ele trabalha diálogos telefônicos captados ilegalmente de:
Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula; e de dois ministros com assento no Planalto: Dilma Rousseff (Casa Civil) e José Múcio (Relações Institucionais).
A ser verdade, o governo estaria abringando em suas entranhas um monstro comparável ao velho SNI da ditadura.
É algo que não pode ficar sem uma boa investigação.
por Josias de Souza
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