Enganou-se quem esperava um negro submisso no STF
Ministro nega que seja "encrenqueiro", mas diz que não se cala quando vê algo errado
"ENGANARAM-SE os que pensavam que o Supremo Tribunal Federal iria ter um negro submisso, subserviente", diz o ministro Joaquim Barbosa, ao comentar os desentendimentos com alguns de seus pares -como Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Eros Grau.
Ele atribui os atritos à defesa que faz de "princípios caros à sociedade", como o combate à corrupção. Barbosa entrou em choque com ministros tidos como "liberais" em julgamentos da Operação Anaconda.
Ficou conhecido popularmente como relator do inquérito do mensalão e recentemente discutiu com Eros Grau sobre a liberação de um preso da Operação Satiagraha.
Joaquim Barbosa nega que seja "encrenqueiro" e diz não se sentir isolado no tribunal, onde "não costuma silenciar quando presencia algo errado".
Ele critica, por exemplo, os advogados de "certas elites" que monopolizam a agenda do Judiciário -inclusive no Supremo-, marcando audiências para pedir que seus processos sejam julgados com prioridade, na frente de outros que entraram na Corte há mais tempo.
Barbosa recebeu a Folha quarta-feira, em seu gabinete, onde concedeu entrevista em pé, durante cerca de uma hora. Ele sofre de dores crônicas na coluna, incômodo que se agrava quando fica sentado nas cinco sessões semanais na Corte.
FOLHA - A mídia o aponta como o ministro que mais se desentende com os colegas. O sr. é uma pessoa de temperamento difícil?
JOAQUIM BARBOSA - Engano pensar que sou uma pessoa que tem dificuldade de relacionamento, uma pessoa difícil. Eu sou uma pessoa altiva, independente e que diz tudo que quer. Se enganaram os que pensavam que, com a minha chegada ao Supremo Tribunal Federal, a Corte iria ter um negro submisso. Isso eu não sou e nunca fui desde a mais tenra idade. E tenho certeza de que é isso que desagrada a tanta gente. No Brasil, o que as pessoas esperam de um negro é exatamente esse comportamento subserviente, submisso. Isso eu combato com todas as armas.
FOLHA - Gilmar Mendes chegou a dizer que o sr. "tem complexo". A ministra Carmen Lúcia insinuou que haveria um "salto social", com sua evidência no caso do mensalão. Como o sr. recebe esses comentários?
BARBOSA - A imprensa se esquece de dizer quais foram as razões pelas quais eu tive certos desentendimentos. Quase sempre foram desentendimentos nos quais eu estava defendendo princípios caros à sociedade brasileira, como o combate à corrupção no próprio Poder Judiciário. Sem aquela briga com o ministro Marco Aurélio, o caso Anaconda não teria condenação e cumprimento de penas pelos réus.
FOLHA - No julgamento de uma ação da Anaconda houve o comentário de que o sr. teria "complexo"...
BARBOSA - Achei apropriado naquele momento dar uma resposta dura. Falaram que eu sou encrenqueiro. Eu tenho amigos espalhados pelo Brasil e pelo mundo inteiro. São pessoas decentes. E eu não costumo silenciar quando presencio algo de errado, ainda que no âmbito do tribunal ao qual eu pertenço.
FOLHA - O sr. se sente isolado no Supremo?
BARBOSA - Nem um pouco. Eu tenho meu leque de amizades, que são pessoas que têm afinidades comigo, com aquilo que eu gosto, que não necessariamente coincide com o gosto da maioria do tribunal. Mas tenho boa relação com ministros.
FOLHA - Uma crítica recorrente é que o Supremo favorece as elites. Como o sr. vê essa observação?
BARBOSA - Eu ainda não amadureci a minha reflexão sobre isso. Mas há uma coisa que me perturba, que me deixa desconfortável aqui no tribunal e na Justiça brasileira como um todo. É o fato de que certas elites, certas categorias monopolizam, sim, a agenda dos tribunais. Isso não quer dizer que eu esteja de acordo com a frase de que o tribunal favorece as elites. Monopolizam a agenda.
Por FREDERICO VASCONCELOS
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