PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA
RODRIGO RANGEL
O ministro Luís Inácio Adams, chefe da Advocacia-Geral da União
(AGU), era, até a semana passada, uma estrela petista em ascensão.
Considerado pelos colegas um técnico competente e discreto, que se
mantém distante das picuinhas políticas do dia a dia do governo e é
capaz de enfrentar missões espinhosas, aos poucos ele conquistou o
posto de um dos mais prestigiados conselheiros do restrito gabinete
presidencial. Dentro e fora do Palácio, era apontado como nome certo
para ocupar a poderosa Casa Civil, numa reforma ministerial que deve
ocorrer no início de 2013. Havia ainda um intenso lobby no Palácio do
Planalto pela sua indicação à próxima vaga de ministro do Supremo
Tribunal Federal. As possibilidades, enfim, eram inúmeras e todas elas
auspiciosas. Eram. Engolfado pelas investigações da Polícia Federal que
revelaram a existência de uma quadrilha cujos tentáculos se estendiam à
sua antessala, Luís Adams acabou envolvido no mais recente
escândalo produzido por petistas, que mistura mais uma vez poder e
corrupção.
Ainda que não figure no rol de investigados, o ministro ficou em
situação delicada com a descoberta de que o balcão de venda de
facilidades do qual participava Rosemary Noronha, a ex-chefe do
escritório da Presidência da República em São Paulo, se estendia à
AGU, um órgão de estado por onde passam interesses financeiros
monumentais e cuja atribuição principal é defender juridicamente a
União. Isso, por si, já seria grave. Mas é ainda pior: o
braço-direito de Adams, José Weber Holanda, é apontado pela Polícia
Federal e pelo Ministério Público como integrante da quadrilha. Amigo
pessoal do ministro, ele foi escolhido por Adams para ocupar o posto de
advogado-geral da União adjunto, apesar de responder a processos por
irregularidades cometidas quando exerceu cargos importantes em
outros órgãos federais. Weber foi indiciado, segundo a polícia, por
produzir pareceres jurídicos sob medida para atender aos interesses da
quadrilha. Em troca, receberia presentes e favores.
José Weber, também servidor de carreira da AGU, foi chefe direto de
Luís Adams doze anos atrás. Até a semana passada, ele era o
braço-direito do ministro. Ocupava uma sala contígua ao seu gabinete, ao
qual tinha acesso livre. Com frequência, o assessor representava Adams
em audiências com políticos e empresários. Internamente,
funcionários da AGU que precisavam tratar de assuntos de trabalho com o
ministro tinham de passar antes pelo crivo de Weber. O adjunto também
costumava distribuir ordens em nome do chefe. E foi nessa condição
privilegiada que ele se envolveu com o grupo de petistas que conseguia
facilidades usando atalhos construídos com base em amizades
estratégicas dentro do governo. O caso mais revelador envolve o
ex-senador da República Gilberto Miranda, o agora notório petista Paulo
Vieira e duas valiosas ilhas no litoral de São Paulo.
Há anos o ex-senador trava uma disputa judicial pela posse da Ilha de
Cabras, onde construiu uma mansão. Após perder a causa na Justiça
paulista, que o condenou a pagar uma indenização por danos ambientais,
ele tentou uma manobra para anular a sentença. Precisava, porém, do
apoio da AGU — e o conseguiu, segundo a polícia, usando os serviços da
quadrilha. Hoje, o processo está no Supremo Tribunal Federal
(STF), exatamente como pretendia o ex-senador. Existe um segundo caso
estranhíssimo, de interesse do mesmo Gilberto Miranda e também
envolvendo uma ilha, desta vez nas proximidades do Porto de Santos. O
ex-senador precisava de um parecer para obter as licenças para
a construção de um complexo portuário de 2 bilhões de reais. Novamente
com a ajuda da quadrilha, conseguiu. A polícia diz que, pelo trabalho,
Weber recebeu uma viagem. Ele nega (veja o quadro abaixo). “Do ponto de
vista pessoal, eu me sinto magoado, chocado, triste. Ainda acredito que
ele tenha condições de esclarecer”, disse Luís Adams.
Quem fazia as encomendas a José Weber era Paulo Vieira, acusado
de chefiar o esquema — o mesmo que tinha como parceira de negócios
Rosemary Noronha, a amiga do ex-presidente Lula. Weber figura nas
investigações como personagem principal do esquema entranhado na AGU,
mas há evidências de que os malfeitos agora descobertos podem estar
enraizados há mais tempo no órgão. Antes mesmo de Luís Adams assumir o
comando. Pelo menos três servidores de carreira que ocuparam
postos-chave na hierarquia da AGU durante a gestão de José
Dias Toffoli, hoje ministro do STF, como advogado-geral, aparecem no
inquérito mantendo contatos suspeitos com Paulo Vieira — os procuradores
Mauro Hauschild, Evandro Gama e Jefferson Carús. Esse último chegou a
ser detido na semana passada, acusado de favorecer interesses da
quadrilha nos Correios. Outro detalhe: a primeira manifestação favorável
no processo que envolve uma das ilhas do ex-senador Gilberto Miranda
ocorreu no período em que todos esses personagens comandavam a AGU.

Fui envolvido nisso
José Weber Holanda era o braço-direito do ministro Luís Inácio Adams.
Exonerado do cargo na semana passada, como suspeito de integrar uma
quadrilha que negociava pareceres técnicos de órgãos do governo, Weber
diz que não tinha consciência de que estava sendo envolvido pelo
esquema.
O senhor foi acusado de ter recebido vantagens em troca de pareceres de interesse da quadrilha.
Nunca recebi nenhuma benesse de ninguém para dar parecer. Estão me
acusando de receber passagens de cruzeiro. Eu comprei minhas passagens
de cruzeiro, pagas com o cartão da minha esposa em dez vezes sem juros.
Tenho como provar.
Mas a AGU, segundo a polícia, atuou em favor dos interesses do ex-senador Gilberto Miranda.
O ex-senador me pediu para ver se era possível agilizar uma
petição que a AGU tinha feito junto ao ministro Joaquim Barbosa. Queria
que a União fosse recebida no processo como interessada. Eu disse a
ele que o ministro Joaquim Barbosa não atende partes, mas que veria com
meu pessoal como andava a situação do processo. Foi só isso.
O fato, porém, é que a AGU acabou atuando alinhada com os interesses do ex-senador.
A ilha estava sendo declarada propriedade estadual. A Secretaria
do Patrimônio da União estava dizendo que a ilha era federal. O
processo que chegou à Advocacia-Geral da União era “em tese”. Eram
interesses que estavam em conflito de competência jurídica. Isso é o
que foi submetido. Agora, o que estava por trás disso eu não sabia. A
primeira manifestação, aliás, foi dada pela administração passada,
quando o ministro era o Toffoli (Dias Toffoli, ex-chefe da AGU e atual
ministro do Supremo).
Mas o senhor tinha relações com Paulo Vieira, que foi preso acusado de chefiar a quadrilha.
Eu agi de boa-fé. Achei que estivesse tratando com pessoas
sérias, com pessoas de boa índole. Esse Paulo Vieira é uma pessoa
indicada pelo presidente da República, sabatinada pelo Senado, foi da
Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), diretor da ANA
(Agência Nacional de Águas), era representante do governo na
Codesp (Companhia Docas de São Paulo). Como é que se pode dizer que
um cara desses não é ficha-limpa? Para ser indicada, uma pessoa
dessas tem de ter reputação ilibada. Está no regulamento das agências.
No entanto, agora está evidente que havia gente ganhando dinheiro e fazendo tráfico de influência.
Se tudo o que está nos autos for comprovado, realmente havia
uma quadrilha tentando lesar o patrimônio da União. Volto a dizer:
acredito no trabalho da polícia, que é um trabalho benfeito. Mas eu
fui envolvido nisso.
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