Suspeita de usar documento fraudado para vencer licitação em Brasília, a empreiteira Delta contou com o lobby da turma de Carlinhos Cachoeira
Revista Época
NO LIXO
Caminhões da Delta em aterro sanitário no Distrito Federal. Abaixo, o documento apresentado pela Delta para vencer a licitação – que a Polícia Federal afirma ter falsificações. Com o papel, a empresa obteve contratos de R$ 472 milhões
(Foto: Bruno Peres/CB/D.A Press)
A Delta Construções é uma das maiores empreiteiras do Brasil.
Num ranking elaborado pelo setor em 2010, ela ocupava o sexto lugar, com um faturamento anual de R$ 3 bilhões.
A Delta foi fundada em 1961, no Recife, em Pernambuco, pelo empresário Inaldo Soares, e sua ascensão é recente.
Começou em 1996, quando o filho de Soares, o engenheiro Fernando Cavendish, que abandonara o ramo de confecções, assumiu os negócios.
Cavendish revelou-se um especialista em vencer licitações em órgãos públicos.
No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a Delta transformou-se na empreiteira com mais negócios no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Há três anos, é a empresa que mais recebe dinheiro do governo federal (leia o quadro abaixo).
A empreiteira é agora investigada pela Polícia Federal (PF), por suspeita de envolvimento com o bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Documentos e escutas obtidos com exclusividade por ÉPOCA dão uma ideia da proximidade entre a Delta e Cachoeira. De acordo com as investigações da Polícia Federal nas últimas semanas, já se sabia que Cachoeira trabalhara para indicar para o governo de Brasília nomes de pessoas favoráveis à Delta.
Os novos documentos mostram que ele foi mais longe em sua defesa dos interesses da empresa. Outra linha de investigação tenta decifrar o acesso que Cachoeira tinha aos escalões superiores da Delta.
Ao longo do processo, a Delta vem alegando que Cachoeira tinha contato apenas com um dos funcionários da empresa, o diretor Cláudio Abreu.
Segundo a Polícia Federal, as novas investigações trazem vários indícios de que o principal executivo da empresa, Carlos Pacheco, esteve próximo de Cachoeira por intermédio de Abreu.
Independentemente do interlocutor, a PF já sabe que cerca de R$ 39 milhões saíram dos cofres da Delta para empresas fantasmas controladas por Cachoeira.
O rosto mais conhecido da Delta é Cavendish, presidente do Conselho. Pacheco conduz o dia a dia da Delta. Mora num hotel no centro do Rio de Janeiro, de segunda a quinta-feira, para trabalhar na Delta.
Às sextas-feiras, volta para a casa da família no Recife. Pacheco é identificado pela Polícia Federal e por Cláudio como o “chefe”, mencionado em algumas conversas da organização.
LIGAÇÕES PERIGOSAS
O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (à esquerda), e o bicheiro Carlinhos Cachoeira (à direita). A turma de Cachoeira tentou indicar nomes para o governo do petista
(Fotos: Breno Fortes/CB/D.A Press e Bruno Stuckert/Folhapress)
Numa gravação do dia 1º de junho do ano passado, Abreu e Cachoeira tentam marcar uma reunião entre o senador Demóstenes Torres (sem partido) e Pacheco, em Goiânia.
A polícia acredita que eles tratavam de um negócio envolvendo uma subsidiária de uma grande construtora.
“Vê se o Demóstenes dá pra ele (sic) chegar aqui umas três, quatro horas no máximo, pra gente bater o martelo com o Pacheco no assunto”, diz Cláudio.
Cachoeira cobra de Abreu pagamentos atrasados de Pacheco. “Amanhã você dá uma cacetada no Pacheco porque não entrou nada, viu? Tudo atrasado”, diz Cachoeira.
Abreu propõe a Cachoeira que Pacheco se torne sócio do bicheiro num empreendimento relacionado ao programa habitacional Minha Casa Minha Vida, do governo federal.
Comenta que viajará com Pacheco no avião de Cachoeira.
Em outro diálogo, Abreu pergunta se Cachoeira quer “encontrar com o chefe”.
Cachoeira pergunta se é com o “governador”.
Abreu diz “com o Fernando”. Segundo a PF, trata-se de Fernando Cavendish, o dono da Delta.
O ex-vereador de Goiânia Vladmir Garcez (PSDB) foi preso na operação Monte Carlo por ser um dos principais assessores de Cachoeira na organização criminosa.
Garcez é investigado pela PF como outro elo entre a cúpula da Delta e os negócios conduzidos por Abreu e Cachoeira.
O presidente da Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop), Jayme Rincón, afirma que Garcez representava os interesses da Delta no órgão. “Ele esteve mais de 30 vezes por lá. Inclusive já tive uma reunião na Agetop e um almoço com Pacheco, Cláudio Abreu e ele (Garcez) para tratar de assuntos de interesse da Delta”, diz Rincón.
“Todo mundo sabia que Garcez representava a Delta na Agetop.”
Em pouco mais de um ano, a Delta fechou contratos superiores a R$ 150 milhões com o governo de Marconi Perillo (PSDB) em Goiás.
Cavendish, o dono da Delta, cultiva boas relações na política. É amigo do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
Entre 2006 e 2011, a Delta firmou contratos no valor de R$ 1 bilhão com o governo fluminense. No ano passado, Cabral foi ao aniversário de Cavendish num resort em Trancoso, na Bahia.
A viagem se tornou pública porque um helicóptero que transportava os convidados caiu, e sete pessoas morreram. Entre elas estavam a namorada de um dos filhos de Cabral e a mulher de Cavendish.
O envolvimento da Delta com Cachoeira passa pelo Distrito Federal.
A Delta é acusada de usar um documento falso para conseguir um contrato com o governo.
Em 2009, a empresa apresentou ao governo do DF os documentos para participar de uma concorrência pública feita pelo Serviço de Limpeza Urbana (SLU). A Delta disputava um contrato para coleta e varrição de lixo em Brasília. E venceu.
Desde então, mantém dois contratos, que podem render R$ 472 milhões até 2015. O resultado da disputa é questionado na Justiça Federal. A PF investiga indícios de falsificação no documento apresentado pela Delta.
ÉPOCA teve acesso aos laudos feitos por peritos criminais a pedido do delegado Hugo Haas. Eles identificaram inconsistências no atestado apresentado pela Delta. Trata-se de um atestado de capacidade técnica, peça fundamental para conseguir contratos públicos. Nele, um cliente afirma que a empresa tem capacidade de cumprir determinada tarefa. Os peritos afirmam que o atestado de quatro páginas, assinado por Jair Correia Júnior, presidente da Agência de Serviços Públicos de Palmas, Tocantins, e entregue pela Delta em Brasília, sofreu alterações.
A primeira constatação é que houve adulteração física. As páginas 2 e 3 têm textos impressos com letras de tamanhos diferentes das demais. Isso sugere, segundo a perícia, que elas tenham sido impressas em momentos distintos.
A polícia também detectou que os dados no documento não correspondem à realidade. O atestado informa que a Delta presta uma quantidade de serviços superior à que prestaria na realidade.
Também foram incluídos dados que não faziam parte do contrato da empresa com a prefeitura de Palmas. Os dados foram incluídos, principalmente, nas páginas 2 e 3 – as mesmas que, segundo os peritos da polícia, foram impressas em momento distinto das demais.
“Com base nessas informações, pode-se afirmar que o atestado não reflete a realidade observada na prática”, diz a PF.
Mesmo depois de vencida a disputa, a Delta enfrentou problemas em Brasília. Escutas telefônicas feitas pela PF mostram que a turma de Cachoeira atuou com força para defender os interesses da empresa, logo após a eleição do governador Agnelo Queiroz (PT).
No dia 30 de dezembro de 2010, dois dias antes da posse de Agnelo, Cachoeira conversou com o então diretor da Delta no Centro-Oeste, Abreu, e com o sargento Idalberto Matias, o Dadá, um dos arapongas da organização.
Os três articulavam uma conversa do senador Demóstenes (então no DEM) com Agnelo.
Demóstenes foi escalado e participou do lobby para controlar o Serviço de Limpeza Urbana (SLU), justamente o órgão para o qual a Delta trabalhava no Distrito Federal.
No encontro, Demóstenes pediria a Agnelo a nomeação do tenente-coronel da Polícia Militar Paulo Abreu para a presidência da SLU.
De acordo com as gravações, Paulo Abreu usaria o cargo para beneficiar a Delta.
“O governador já está sabendo, entendeu e vai tomar as providências para atender”, diz Dadá para Cláudio Abreu.
Apesar do lobby, Paulo Abreu não assumiu o cargo e é hoje investigado pela Polícia Federal.
Por intermédio de sua assessoria, Agnelo diz que “jamais foi ventilada” a nomeação de Abreu e negou ter participado de qualquer “reunião privada com Demóstenes”.
A Delta contesta afirmações surgidas das investigações feitas pela PF. Por intermédio de sua assessoria de imprensa, afirmou que os questionamentos sobre a validade dos atestados de capacidade técnica foram feitos por uma das empresas derrotadas na licitação.
“A Delta Construção venceu o certame por ter apresentado o menor preço para a execução dos serviços. Todos os questionamentos já foram respondidos no foro judicial”, afirma a empresa.
“A prestação de serviços de coleta de lixo no Distrito Federal vem sendo feita regularmente pela empresa, conforme contrato. A excelência desse serviço prestado pela Delta já é, por si, a prova da capacidade técnica da empresa para a prestação desse tipo de serviço. Há decisões judiciais sobre o caso que ainda não transitaram em julgado e sobre as quais cabem recursos.”
A Delta afirma ainda que Fernando Cavendish e Carlos Pacheco foram apresentados a Carlinhos Cachoeira apenas “socialmente”.
A Delta nega que o ex-vereador Wladmir Garcez, preso com Cachoeira, tivesse vínculos com a empresa.
A Delta, assim como o senador Demóstenes, sustenta não ter tido nenhum contato criminoso com Cachoeira.
Diante das informações obtidas pela PF, parece mesmo que os envolvidos falam outro idioma.
Aos esforços da polícia, soma-se agora uma comissão parlamentar para descobrir quem não está dizendo a verdade.
05.05.2012
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