Caso do mensalão
O comparecimento do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma Vara Federal Criminal para prestar depoimento sobre o mensalão está sendo discutido em um Mandado de Segurança em tramitação no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo).
Lula alega nada saber a respeito, motivo pelo qual rejeita comparecer em juízo. Até o momento, o ex-presidente levou a melhor.
Considerando que a convocação dele como testemunha é uma típica jogada midiática, respaldada apenas em notícias de jornais, e que nada acrescentará ao processo, o desembargador Messod Azulay Neto concedeu liminar suspendendo a intimação determinada pela 3ª Vara Federal Criminal do Rio.
No parecer que entregará nesta sexta-feira (4/5) ao TRF-2, a procuradora regional da República Monica Ré se manifestará contrária ao pedido do ex-presidente. Alega não existir justificativas para ele deixar de atender à intimação judicial.
O curioso é que, sem justificativa jurídica plausível, o Mandado de Segurança tramita em segredo de Justiça. No Tribunal Regional Federal tramitam nada menos do que nove processos relacionados a este caso. Destes nove, seis — duas Exceções de Suspeição criminal, dois Habeas Corpus e dos Mandados de Segurança — tramitam abertamente, sem qualquer segredo. Certamente, por não tratarem de dados sigilosos, como o Mandado de segurança do Lula não trata.
Azulay Neto informou na quinta-feira (3/5) à revista Consultor Jurídico que o sigilo veio da primeira instância e prometeu reavaliá-lo ao receber os autos do MPF. A procuradora também considera que não se justifica o segredo no processo.
Lula foi arrolado como testemunha de defesa do ex-procurador da Fazenda, Glênio Sabad Guedes. Ele, junto com o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza e os sócios deste — Rogério Lanza Tolentino e José Roberto Moreira de Melo —, como a ConJur noticiou, respondem ao processo 2006.51.01.523697-3, na 3ª Vara Federal Criminal do Rio, pelos crimes de falsidade ideológica, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
O processo é considerado um filhote do Mensalão. Em 2006, ao apresentar ao Supremo Tribunal Federal a acusação contra os 40 envolvidos no esquema das propinas pagas a políticos por Marcos Valério, o então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, incluiu Guedes no que denominou de “rede própria de servidores corrompidos” que o publicitário mantinha para “facilitar suas atividades ilícitas”.
O caso foi remetido à Procuradoria da República do Rio para prosseguir nas investigações.
Guedes é acusado de receber propinas de Marcos Valério e seus dois sócios para interferir a favor de bancos — notadamente o Rural e o BMG, mas também houve citações ao Opportunity e outros — no Conselho de Recurso do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), conhecido como "Conselhinho", onde tinha assento como procurador da Fazenda Nacional. Ajudava a reverter punições impostas às instituições financeiras pelo Banco Central (BC) ou pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segundo a denúncia.
A propina ficou caracterizada com a descoberta de depósitos das empresas de Marcos Valério nas contas de familiares de Guedes de, pelo menos, R$ 1,5 milhão. A Receita Federal também constatou um crescimento injustificado dos bens do então procurador da Fazenda e seus familiares.
Somente em imóveis foram gastos cerca de R$ 7 milhões, motivo pelo qual os pais dele — Ramon Prestes Guedes de Moraes e Sami Sabbad Guedes —, assim como sua mulher, Cibele Gomes Giacoia, foram denunciados por lavagem de dinheiro.
As investigações demoraram na Polícia Federal e só foram concluídas por interferência do procurador da República Antonio do Passo Cabral, que apresentou a denúncia com base nas apurações dos Processos Administrativos abertos contra Guedes, os mesmos que resultaram na sua demissão do cargo público.
Paralelamente, descobriu-se um esquema de propinas a policiais federais para que não dessem andamento ao inquérito. Isto motivou o procurador da República Marcelo Freire a denunciar o ex-procurador da Fazenda por crime de corrupção ativa. Esta Ação Penal tramita na 1ª Vara Federal Criminal.
Na época da denúncia, Guedes ficou preso 21 dias, o que o levou a entrar com pedidos de indenização contra a União, como noticiado pela ConJur.
O ex-presidente Lula foi arrolado como testemunha de defesa de Guedes no primeiro semestre do ano passado, quando da apresentação pelo réu da sua defesa preliminar.
Ele também arrolou o atual ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ricardo Cueva. Isso porque ele atuou com Guedes no "Conselhinho". Cueva saiu do Conselhinho antes de ser nomeado ministro do STJ.
O pedido para arrolar o ex-presidente como testemunha foi indeferido pelo então juiz substituto da 3ª Vara, Roberto Dantes Schuman de Paula. Schuman entendeu que “o réu fundamentou a necessidade de ouvi-lo em razão de pronunciamentos recentes à imprensa dando conta de “não ter havido o mensalão”.
Como se trata de mera opinião ou manifestação de ordem subjetiva, que inclusive deve ser evitada pelo juiz quando do depoimento da testemunha em juízo, salvo quando inseparável da narrativa, a teor do art. 213 do Código de Processo Penal, não há como deferir sua oitiva”. Na ocasião, diversas outras testemunhas foram recusadas.
Em novembro, contudo, atendendo aos recursos das defesas, o juiz Gustavo Pontes Mazzocchi reconsiderou a decisão, até para evitar anulação do processo por cerceamento de defesa.
Entendeu não haver “na sistemática processual vigente nenhuma previsão de que a pertinência da prova testemunhal seja previamente justificada.
Aliás, há uma única hipótese em que a lei de regência da matéria assim o exige, ”artigo 222-A” do Código de Processo Penal, a dispor que “as cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio”. E só”.
A primeira intimação para Lula foi encaminhada para a 6ª Vara Federal de São Paulo, especializada em lavagem de dinheiro, por meio da Carta Precatória CPR. 0025.000102-5/2011, em 6 de dezembro.
O ex-presidente, por meio de advogados do escritório Roberto Teixeira Advogados Associados, apresentou um documento assinado de próprio punho garantindo não ter o que testemunhar e invocou seu estado de saúde para não comparecer.
Ele alegou que, devido ao tratamento contra o câncer, o contato com terceiros o colocaria em risco de contrair infecções.
A negativa foi abordada em novo despacho do juiz, datado de 21 de março, no qual ele cobra uma posição do acusado Guedes e admite a possibilidade de o depoimento do ex-presidente ser por escrito: “Às fls. 3.822/3.825, a testemunha Luís Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República, informa em documento por ela próprio subscrito nada saber a respeito dos fatos.
Diga o réu Glênio Sabbad Guedes, em 05 (cinco) dias, se ainda assim persiste no propósito de inquiri-la. Acaso afirmativa a resposta, deverá apresentar o rol de indagações que quer ver solvidas, a fim de que se viabilize que a testemunhe preste seu depoimento por escrito, não apenas em face das limitações de saúde apontadas nos autos e já publicizadas, mas também por conta da qualidade invulgar de ex-mandatário da Nação”.
Guedes, porém, não abriu mão do depoimento pessoal do ex-presidente. Alegou que a lei só prevê o depoimento por escrito para presidentes no exercício do mandato e não para ex-presidentes.
Ele não apresentou a lista de perguntas como determinara o juiz, insistindo em inquiri-lo pessoalmente, uma vez que considera que Lula tem sim o que testemunhar sobre o caso.
Na sua manifestação, juntou recortes de jornais que noticiavam a participação de Lula em eventos públicos.
O juiz Mazzocchi determinou a intimação dos advogados da testemunha e, para evitar risco à saúde do ex-presidente que reconhecidamente tinha recomendações médicas de limitar seus contatos com terceiros por riscos de contaminação, admitiu a inquirição pelo juiz da 6ª Vara Federal de São Paulo através de vídeo conferência.
O Mandado de Segurança foi impetrado pelo advogado Cristiano Zanin Martins, em 17 de abril. De imediato, ele passou a tramitar em segredo de Justiça. Na 3ª Vara, o processo corre com segredo por causa dos documentos com dados sigilosos, como a movimentação bancária dos acusados.
Mas todas as decisões estão disponíveis no andamento processual, na página da Justiça Federal na internet. No TRF-2, no andamento do processo, aparece apenas que ele tramita em sigilo.
Os advogados de Lula, pelo que se sabe, apegaram-se ao despacho do juiz Schuman e insistiram que o depoimento nada acrescentaria, pois seria apenas em cima de uma opinião do ex-presidente externada em entrevista a jornais.
Segundo o desembargador Azulay Neto, a liminar foi concedida pelo seu entendimento de que a convocação do ex-presidente é algo midiático.
Como o próprio Lula, no documento apresentado em juízo, alegou desconhecer os fatos tratados no processo, para o desembargador a princípio não se justificaria sua intimação.
Ele também destacou que nem mesmo no processo principal do mensalão, no Supremo Tribunal, o ex-presidente foi inquirido.
Deste entendimento discorda a procuradora Mônica Ré, para quem o ex-presidente deve acatar a intimação e prestar seu depoimento. A decisão, agora, dependerá da 2ª Turma do TRF-2 que julgará o mérito do pedido, sem data marcada para acontecer. Mas não será uma decisão final.
Isso porque cabe recurso ao Superior Tribunal de Justiça, seja pelos advogados de Lula, seja por Guedes, que promove a autodefesa na Ação Penal.
MS 2012.02.01.004922-6
Marcelo Auler é jornalista.
Revista Consultor Jurídico
4 de maio de 2012
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