por Dora Kramer
Uma situação e duas cenas desenham o perfil do governo, mas principalmente da persona política, Luiz Inácio da Silva.
Terça-feira, no Espírito Santo, de macacão cor-de-laranja, óculos, capacete, mãos sujas de óleo, o presidente comandava o ato oficial de extração simbólica do primeiro campo do pré-sal.
Em Brasília, o tempo esquentava nos Poderes Legislativo e Judiciário por causa da disseminação das escutas ilegais que no dia anterior fizera o Supremo Tribunal Federal exigir do chefe da Nação uma posição em defesa do Estado de Direito.
Pois para o presidente, os acontecimentos tiveram peso inverso, numa demonstração eloqüente das preocupações em sua escala de prioridades.
O problema concreto de caráter institucional acontecendo aqui e agora foi tratado com ligeireza.
Em declaração rápida, Lula deu por “resolvido” o assunto da disseminação de escutas ilegais República a dentro, com o afastamento da diretoria da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) “para garantir a transparência nas investigações”.
Já o resultado de estudos preliminares sobre uma monumental, mas ainda hipotética e não quantificada reserva de petróleo na costa entre os Estados de Santa Catarina e Espírito Santo mobilizou todo aparato oficial e mereceu do presidente 40 minutos de discurso permeado por muito riso e pouco siso.
“Estamos indo tão fundo para procurar petróleo que qualquer dia a Petrobrás traz um japonesinho em sua broca e aí vai ser um problema internacional sem precedentes”, disse Lula entre outras manifestações de entusiasmo que fizeram gargalhar a platéia, mas não informaram nada a respeito do que pensa seja necessário para a concretização bem-sucedida da obra.
O presidente nunca escondeu sua ojeriza por más notícias e entende otimismo como sinônimo de alienação. Entre enfrentar um problema ruim para evitar que fique péssimo e comemorar a conquista de terrenos no paraíso, fica com a segunda opção.
Isso não resolve as questões objetivas - antes as empurra ao estado de paroxismo, como vimos na crise aérea -, mas alegra as pessoas e robustece seu capital político. Na mesma ocasião, o próprio Lula explicou o fenômeno:
“Eu tenho sorte”.
A frase se presta a duas leituras. Do ponto de vista da população, a sorte é que a maioria acha que as coisas acontecem só porque é Lula o presidente; sob a ótica dele, pontua a sorte de contar com o benefício desse entendimento.
Em parte torto de nascença, em parte entortado pela eficiente máquina de propaganda que escreve o roteiro, prepara o cenário e deixa o texto por conta do personagem principal.
O termo “improviso” foi propositadamente evitado, pois o caso é de um muitíssimo bem planejado plano de perpetuação, senão da presença física, mas da marca “Lula” cuidadosamente registrada em fatos positivos e prudentemente mantida - quando possível - distante dos negativos.
Aqui importa a aparência, como convém a quem põe o exercício da política partidária e eleitoral acima de tudo. Eleito muito por causa da fadiga do material dos “políticos tradicionais”, Lula faz política em tempo integral. Nas horas vagas, faz alguma referência tão veemente quanto oca sobre os problemas do País.
Como hábito, eles servem à sustentação do embate de poder todo ele escorado na hiperatividade presidencial. Em boa parte das vezes, inconseqüente.
Lula já comemorou a auto-suficiência brasileira em petróleo, já decretou a entrada do Brasil na Opep por conta do biocombustível, já lançou as Parcerias Público-Privadas, já prometeu arrumar todas as estradas.
Todo mundo se lembra dos atos, mas não dá a mínima para os fatos, tais como o Brasil continuar importando petróleo, as PPPs não terem saído do papel, as estradas continuarem isso que se vê e do etanol nunca mais ter sido tema de discursos.
Perde-se tempo com cobranças de conteúdo. A coisa é feita mirando a forma para, ao final dos oito anos, Lula apresentar um substancial portfólio de realizações, mesmo que não tenham ultrapassado o campo das intenções.
Nesse cardápio incluirá as reformas da Previdência, tributária e política.
Se não foram concluídas ou nem mexidas, problema do Congresso.
Como à maioria não ocorrerá mesmo que o governo absteve-se de pôr sua força política a serviço da organização e da mediação para fazer as coisas acontecerem, a conta vai sobrar para o sucessor.
Isso se for pessoa de fora da área de influência do presidente. Terá ao mesmo tempo de enfrentá-lo como chefe da oposição, conviver com a marca “Lula” registrada no embrião de muitas ações, repartir com ele eventuais ônus e pagar sozinho os possíveis bônus.
Mas o mais difícil mesmo para o pobre futuro marquês ou marquesa (se o plano Dilma Rousseff não tiver o destino dos citados acima) vai ser convencer o País de que, embora o ambiente tenha ficado menos festivo e divertido, seriedade é bom porque funciona em prol do coletivo.
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