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domingo, 27 de março de 2016

O que Marcelo Odebrecht levou em conta para aceitar fazer delação premiada


Crédito Cicero Rodrigues/ World Economic Forum


Por Livia Scocuglia
São Paulo
 
O ex-presidente da maior empreiteira do Brasil, Marcelo Odebrecht, levou nove meses para mudar de ideia sobre a delação premiada. Antes crítico à medida, agora vai colaborar com as investigações.

Por que só agora? Qual o potencial de ganho dele com a delação? Quais os riscos que ele teria levado em conta para romper o silêncio, se até então, o próprio executivo havia afirmado que não tinha nada a delatar?

Alguns aspectos podem ter pesado na decisão, como os documentos apreendidos na fase Xepa da operação Lava Jato que revela pagamentos da empreiteira Odebrecht para mais de 200 políticos e a mudança recente de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a execução da pena.

O JOTA ouviu advogados sobre os cálculos estratégicos que Odebrecht poderia ter feito para se valer do benefício previsto nas leis: 9.807/89 artigos 13 a 15, Lei 8.072/90, dos crimes Hediondos, Lei 9,034/95, das organizações criminosas, 9.080/95, de Lavagem de Dinheiro, e na Lei 9807/99 que ampliou a possibilidade para outros crimes.

A operação Lava Jato usa muito este instituto para obter informações e documentos que levam a mais buscas e apreensões de novos documentos como provas contra o cartel que prejudicou a Petrobras e a Eletrobras.

O que disse a Odebrecht

Em nota oficial, o Grupo Odebrecht informou, na terça-feira (22/4), que todos os executivos, inclusive Marcelo Odebrecht, negociarão acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República nos processos da operação Lava Jato. O ex-presidente foi preso na operação Erga Omnes e está afastado desde 19 de junho.

Na quarta-feira (23/3), a Procuradoria da República do Paraná divulgou nota afirmando que não existe sequer negociação iniciada sobre acordos de colaboração com executivos ou leniência com o Grupo Odebrecht. Afirmaram ainda que a “simples manifestação” da vontade de delatar pela imprensa não tem qualquer consequência jurídica e por isso as investigações continuarão em andamento. A nota aponta ainda que a divulgação de qualquer intenção de acordo por meio de imprensa fere o sigilo das negociações exigido pela lei para a celebração do acordo.

“O Ministério Público Federal mantém o entendimento de que acordos de leniência e de colaboração premiada somente são possíveis com o completo desvelamento, por parte dos envolvidos, dos fatos criminosos que já são investigados, além da revelação plena de outras ilegalidades que tenham cometido e que ainda não sejam de conhecimento das autoridades, e da reparação mais ampla possível de todas essas ilegalidades”, diz a nota.

A efetivação do acordo de delação é uma decisão delicada porque não tem volta, segundo advogados ouvidos pelo JOTA. Cada vez menos os delatores terão novas informações que possam contribuir para a apuração dos fatos. Ou seja, há uma corrida para fornecer o maior número de detalhes novos para a investigação, antes que outros investigados o façam.

O último réu que quiser fazer delação premiada provavelmente não terá muito o que revelar. Tudo depende da aprovação do Ministério Público que vai avaliar se há interesse em assinar um acordo de delação com aquela pessoa. Além disso, se houver prova de que o delator mentiu ou omitiu algum dado relevante poderá perder os benefícios do acordo, o que comprometerá sensivelmente o seu futuro na ação penal.

A “corrida” pode ter ficado ainda mais intensa após a mudança de entendimento do Supremo, que determina a execução provisória da pena a partir da decisão em segunda instância. Segundo advogados, essa nova jurisprudência serviu de incentivo para que os executivos da empresa repensassem sua posição e passassem a colaborar.

O criminalista Pierpaolo Bottini aponta que quando a execução da pena é antecipada a possibilidade de fazer acordo de delação premiada fica “muito mais urgente”. Ele explica que no processo, geralmente, existem teses relevantes que só serão reconhecidas no STF, e até a ação chegar lá, o réu já está preso.

Segundo Bottini, a maioria dos réus leva em consideração a delação premiada os números de provas e indícios contra ele que estão no processo. Além disso, avaliam se há nulidade no processo, se a prescrição está próxima e se existe outros envolvidos que fecharam o acordo.

Para o criminalista Jair Jaloreto a influência também é certa. “É natural que a mudança de jurisprudência por parte do STF incentiva os advogados dos réus a aconselharem seus clientes a celebrar em acordos de colaboração premiada, visto ser muitas vezes a única saída para não se verem presos prematuramente, ou definitivamente”.

Além disso, ele aponta que o advogado diligente sempre tem como presumir se seu cliente será condenado ou absolvido, principalmente ao considerar decisões anteriores do juiz do caso.

O mesmo aponta o advogado e professor de Direito Penal do Mackenzie Rodrigo Felberg.

Segundo ele, a decisão do STF, “não obstante a clareza do dispositivo constitucional que presume a inocência com o trânsito em julgado”, pode ensejar uma reconfiguração da estratégia de defesa dos réus.

“É inegável que a opção pela delação premiada, que já vinha sendo largamente utilizada por alguns, passou a ser considerada fortemente. E isto porque a complexidade do sistema recursal brasileiro viabiliza a interposição de inúmeros recursos aos tribunais, postergando a definitividade das decisões e, muitas vezes, levando à prescrição dos crimes”, explica.

Felberg trabalhou na operação Porto Seguro, um dos primeiros casos em que houve colaboração no país.

Mudança de entendimento do STF

Por sua vez, o criminalista Daniel Zaclis entende que a mudança de paradigma do STF não teve influência na mudança de postura dos réus.

“Essas pessoas estão presas preventivamente, ou seja, sob os fundamentos de uma prisão cautelar. Penso que a decisão de delatar é muito mais algo imediatista do que qualquer outra coisa. Fosse o contrário, as pessoas que estivessem soltas, com medo do paradigma novo do STF, estariam correndo para delatar também. O que não acontece nos caso”, afirmou.

Segundo Zaclis, ao aceitar o acordo da delação premiada, o réu leva em consideração a probabilidade de ter que permanecer no cárcere por algum tempo, tanto na prisão preventiva quando na prisão-pena. Ele afirma que no caso da operação Lava Jato, as “penas duras” que vêm sendo aplicadas, e as prisões cautelares infindáveis, tornam a delação um bom negócio para alguns réus.

“Não acredito numa repentina ‘bondade’ do acusado, que deseja auxiliar na revelação da verdade”, assinalou.

Uma nova forma de defender o cliente

Outro ponto de debate é sobre os advogados que fazem a defesa de Marcelo Odebrecht e diziam ser contrários à delação premiada. É certo que os profissionais críticos ao instituto da delação premiada se sentem desconfortáveis quando seu cliente resolve celebra-la, mas será que o mesmo advogado que negava colaborar, vai passar a negociar o acordo com o Ministério Público Federal?

Quanto a isso, os especialistas não veem problema, ainda que possa não ser a situação mais favorável para o réu. Segundo Zaclis, não há nenhum problema em ter o mesmo advogado na defesa do cliente após a delação.

“Talvez não seja estrategicamente interessante para o cliente, mas não percebo qualquer vedação ética nesse sentido”, disse.

Felberg também pensa assim. Ele aponta que a mudança não implica troca de perfil da banca de advogados que representam o delator, salvo se, eventualmente, haja convicção pré-estabelecida dos defensores a não realização de acordos de delação com a Justiça.

De qualquer jeito, o advogado aponta que não há qualquer vedação à possibilidade de alteração da estratégia da defesa no deslinde da ação penal. “Como o nome sugere, o ‘acordo’ de delação é um consenso bilateral entre Ministério Público e o defendente, que pode ter sido recusado em algum momento pretérito, mas passa a ser considerado oportuno em outro momento. Nem mesmo com a sentença afasta-se a possibilidade de delação.”

O objetivo do Judiciário é o de buscar a verdade mais próxima da realidade possível, o que, segundo o advogado Jailton Ribeiro Chagas, é uma difícil tarefa uma vez que os criminosos estariam mais preparados do que o sistema e eles planejam anos para colocar em execução aquilo que planejam.

“O melhor é um bom acordo com uma boa delação para se safar de nosso sistema prisional, que é um dos piores do mundo, até porque a máxima de prisão privilegiada para quem tem curso superior, somente perdura enquanto não houver sentença transitada em julgado, depois cumprirá pena em presídio comum, e com certeza não serão bem recebidos”, afirmou.


 26 de Março, 2016

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