Por Beatriz Bulla, Gustavo Aguiar, Ricardo Brandt, Julia Afonso e Fausto Macedo
Estadão
No ofício que enviou ao Supremo Tribunal Federal para explicar porque mandou grampear o ex-presidente Lula e porque deu publicidade aos áudios, o juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, cravou que o petista quis ‘intimidar’ e ‘obstruir’ as investigações de que era alvo. Para o magistrado, a conduta de Lula pode ‘configurar crime de obstrução à Justiça’ – tipificado na Lei 12.850/13, que define organização criminosa.
“Mesmo sem eventual tipificação, condutas de obstrução à Justiça são juridicamente relevantes para o processo penal porque reclamam medidas processuais para coartá-las”, anotou o juiz.
Moro transcreveu, na peça de 30 páginas, doze interceptações telefônicas da Polícia Federal anexadas aos autos da Operação Aletheia, desdobramento da Lava Jato que pegou Lula e a ele atribui a propriedade do sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP) – o que é negado veementemente pela defesa do petista.
O juiz chamou a atenção para um grampo em especial, no qual Lula disse a seu interlocutor ‘eles têm que ter medo’, em referência aos investigadores que vasculham sua vida. Para Moro, o ex-presidente fez tal afirmação ‘sem maiores pudores’.
“Não se trata de uma afirmação que não gere naturais receios aos responsáveis pelos processos atinentes ao esquema criminoso da Petrobrás. Entendeu este Juízo que, nesse contexto, o pedido do Ministério Público Federal de levantamento do sigilo do processo se justificava exatamente para prevenir novas condutas do ex-presidente para obstruir a Justiça, influenciar indevidamente magistrados ou intimidar os responsáveis pelos processos atinentes ao esquema criminoso da Petrobrás. O propósito não foi, portanto, politico-partidário.”
Um grampo que Moro transcreve pegou Lula com o ministro Nelson Barbosa, da Fazenda. O ex-presidente demonstra contrariedade com a ação da Receita no Instituto Lula e na LILS Eventos e Palestras. Aparentemente, ele sugere ao ministro que cobre do Fisco investigações em emissoras de TV e até na fundação do adversário político Fernando Henrique Cardoso.
“O ex-presidente contatou o atual ministro da Fazenda buscando que este interferisse nas apurações que a Receita Federal, em auxílio às investigações na Operação Lava Jato, realiza em relação ao Instituto Lula e a sua empresa de palestras. A intenção foi percebida, aparentemente, pelo ministro da Fazenda que, além de ser evasivo, não se pronunciou acolhendo a referida solicitação”, destaca Moro.
Para o juiz, ’em princípio, não se pode afirmar que o referido diálogo interceptado não teria relevância jurídico-criminal e, se tem, não se pode afirmar que a divulgação afronta o direito à privacidade do ex-presidente’.
Documento
O OFÍCIO DE SÉRGIO MORO PDF
“A colheita fortuita do diálogo com autoridade com foro privilegiado, entretanto, não implica a necessidade de mudança do foro para o Supremo Tribunal Federal, pois não há qualquer elemento probatório que autorize conclusão de que o ministro Nelson Barbosa cedeu às solicitações indevidas do ex-presidente, o contrário se depreendendo do diálogo. Isso, porém, não torna inválida à interceptação ou impede a utilização ou a divulgação do diálogo, a pretexto de preservar privacidade, pois não há esse direito em relação ao investigado Luiz Inácio Lula da Silva, já que o diálogo, para ele, tem relevância jurídico-criminal”, assinala o juiz.
Moro aponta ‘outros diálogos do ex-presidente intencionando ou tentando obstruir ou influenciar indevidamente a Justiça’.
“Há também diálogos nos quais revela a intenção de intimidar as autoridades responsáveis pela investigação e processo.”
Aqui, o juiz transcreve diálogo de 26 de fevereiro, uma semana antes de Lula ser conduzido coercitivamente pela Polícia Federal para depor no inquérito da Operação Aletheia. O ‘investigado’ Roberto Teixeira – compadre e advogado de Lula – fala com um assessor do petista e pede para que o ex-presidente seja informado do nome da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, encarregada da ação em que a defesa questiona as investigações do Ministério Público Federal e do Ministério Público de São Paulo. “Sugere que seria conveniente que ele falasse com terceiro a esse respeito.”
Em outro trecho do ofício, Moro cita diálogo de 27 de fevereiro – Lula conversa com Paulo Vannuchi, ex-ministro, ‘e, aparentemente, trata de nova tentativa de influenciar indevidamente, através de terceiro, o Supremo Tribunal Federal’. “No mesmo diálogo, há reclamação contra o então SubProcurador Geral da República, Eugênio Aragão (atual ministro da Justiça), e há afirmação acerca da intenção do ex-presidente de utilizar parlamentares federais para intimidar o Procurador da República que seria responsável por investigação de condutas do ex-presidente em contratos do BNDES.”
Moro observa que ‘apesar desses diálogos interceptados serem relevantes na perspectiva jurídico-criminal para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já que indicam o propósito de influenciar indevidamente ou intimidar Procurador da República, não há nos autos nenhuma prova ou indício de que as autoridades com foro por prerrogativa de função tenham cedido às solicitações indevidas dele, com o que também não havia causa para, por conta deles, remeter o processo ao Supremo Tribunal Federal’.
Um outro grampo, também de 27 de fevereiro, pegou Lula e o presidente do PT Rui Falcão. “O ex-presidente revela ciência antecipada de que haveria busca e apreensão em sua residência e de seus associados e, aparentemente, revela intenção de convocar parlamentares federais para aguardarem no local as buscas, a fim aparentemente de obstruí-las ou de constranger os agentes policiais federais.”
Novamente, Moro ressalva. “Apesar desse diálogo interceptado ser relevante na perspectiva jurídicocriminal para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já que indicam o propósito de
intimidar ou obstruir a Justiça, não há nos autos nenhuma prova ou indício de que as autoridades com foro por prerrogativa de função, os inominados parlamentares federais, tenham cedido às solicitações indevidas dele, com o que também não havia causa para, por conta deles, remeter o processo ao Supremo Tribunal Federal.”
O juiz transcreve escutas de Lula com o senador Lindbergh Farias e com o deputado Wadih Damous (PT/RJ). Para este último, ele sugere ‘tem que trucar o Janot e triturar’, numa referência ao procurador geral da República, Rodrigo Janot.
Moro destaca também grampo em que Lula diz que o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça estão ‘totalmente acoverdados’. “Mesmo o trecho em que o ex-presidente ataca o Supremo Tribunal Federal tem sua relevância, já que se insere em um contexto, como apontado, de obstrução, intimidação e tentativas de influenciar indevidamente as instituições judiciárias.”
Ao se referir à ministra Rosa Weber, do Supremo, que estava para decidir sobre qual Ministério Público teria competência para investigar propriedades atribuídas ao petista, Lula disse ao então ministro da Casa Civil Jaques Wagner. “Tá na mão dela pra decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram.”
Nesse ponto do documento, mais uma vez, Moro ressalta que não há indicativo de que autoridade com foro privilegiado, no caso Jaques Wagner, atendeu ao apelo do ex-presidente – o que afastava a obrigação de mandar o caso para a Corte máxima. “Apesar desse diálogo interceptado ser relevante na perspectiva jurídicocriminal para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já que indica o propósito de influenciar indevidamente magistrado, utilizando o sistema político, não há qualquer indício ou prova de que o então ministro Chefe da Casa Civil atendeu à solicitação ou mesmo que a ministra Rosa Weber, que, como adiantei na decisão atacada, é conhecida por sua elevada honradez e retidão, tenha sido sequer procurada, sendo, aliás, de se observar que denegou o pleito em favor do ex-presidente. Assim, limitando-se a relevância jurídico criminal do diálogo à conduta do ex-presidente, não havia também causa para, por conta dele, remeter o processo ao Supremo Tribunal Federal. Apesar disso, pela relevância desse diálogo para o investigado, não há falar em direito da privacidade a ser resguardado, já que ele é relevante juridico-criminalmente para o ex-presidente.”
Adiante, o diálogo de 11 de março, entre Lula e seu irmão, Vavá, sobre a manifestação pelo impeachment de Dilma. “Há referência à aparente utilização de militantes e de violência contra manifestantes do dia 13 de março caso esses fossem protestar junto à residência do ex-presidente.”
“Domingo, domingo eu vou ficar um pouco escondido, porque, porque vai ter um monte de peão na porta de casa pra bater nos coxinha. Se os coxinhas aparecer, vão levar tanta porrada que eles nem sabem o que vai acontecer”, disse Lula.
Ao esclarecer os motivos que o levaram a dar publicidade aos áudios do ex-presidente, o juiz da Lava Jato anotou. “O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato políticopartidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional, mas, atendendo ao requerimento do Ministério Público Federal, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça. O propósito não foi politico-partidário, mas sim, além do cumprimento das normas constitucionais da publicidade dos processos e da atividade da Administração Pública, prevenir obstruções ao funcionamento da Justiça e à integridade do sistema judicial frente a interferências indevidas.”
Moro esclareceu que é uma praxe em suas decisões abrir o sigilo, não apenas neste caso envolvendo Lula. Apontou, ainda, para o interesse público. “O entendimento deste Juízo foi motivado pela avaliação da relevância jurídico criminal dos diálogos interceptados para o ex-presidente e associados sem foro por prerrogativa de função e que, portanto, não estavam protegidos pelo direito à privacidade, pela então avaliação de que não haviam sido identificadas condutas criminais dos interlocutores do ex-presidente que possuíam foro por prerrogativa de função, e pela compreensão de que a publicidade era a melhor maneira de prevenir novas condutas ou tentativas de obstrução ou intimidação da Justiça, que a competência, antes da posse dele como ministro ainda era deste Juízo, e, por último, que a Justiça e o interesse público seriam melhor servidos com a publicidade do processo e não com a imposição de segredo sobre o ocorrido, seguindo-se ademais a praxe deste Juízo em casos semelhantes.”
O juiz da Lava Jato afastou a hipótese de que estava prestes a decretar a prisão preventiva do petista. “Mesmo no caso envolvendo o ex-presidente, apesar de todo esse contexto, de aparente intimidação, obstrução e tentativas de influenciar indevidamente magistrados, e não obstante toda a especulação a respeito, não havia sequer qualquer pedido de decretação de prisão cautelar do Ministério Público Federal contra o investigado, o que significa que medida drástica sequer estava em cogitação por parte deste Juízo.”
“Observo que, como também consignado na segunda decisão de 16 de março, é praxe deste Juízo levantar o sigilo sobre interceptações telefônicas após o encerramento da diligência, a fim de garantir o contraditório e a publicidade do processo, inclusive em relação a diálogos interceptados relavantes para a investigação criminal.”
Moro acrescentou que a interceptação e os processos conexos tinham por objeto apurar supostas condutas criminais atribuídas ao ex-presidente que, até 17 de março, não havia tomado posse como ministro chefe da Casa Civil e, portanto, não tinha direito ao foro por prerrogativa de função. “Rigorosamente, como teve os efeitos da nomeação ou posse suspensos, permanece até o momento em que presto essas informações destituído dessa prerrogativa. Por outro lado, jamais foi requerida ou autorizada interceptação telefônica de autoridades com foro privilegiado no presente processo. Diálogos do ex-presidente e de alguns de seus associados com autoridades com foro privilegiado foram colhidos apenas fortuitamente no curso do processo, sem que eles mesmo tenham sido investigados.”
Ainda segundo Moro. “Com o foco da investigação nas condutas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o entendimento deste julgador foi no sentido de que a competência para decidir a questões controvertidas no processo, inclusive sobre o levantamento do sigilo sobre o processo, era da 13.ª Vara Criminal Federal até que ele tomasse posse como ministro chefe da Casa Civil, como previsto inicialmente no dia 22 de março.”
Aletheia. Moro listou dez pontos que reputa fundamentais para o fato de ter mantido sob sua tutela a Operação Aletheia:
1) A interceptação tinha justa causa e estava amparada na lei.
2) A medida tinha por foco exclusivo condutas do ex-presidente e associados destituídos de foro por prerrogativa de função.
3) Foram colhidos fortuitamente diálogos do ex-presidente com autoridades com foro por prerrogativa de função sem que estas tenham sido investigadas ou interceptadas.
4) Foram colhidos diversos diálogos do ex-presidente com conteúdo jurídico-criminal relevantes por revelarem condutas ou tentativas de obstrução ou de intimidação da Justiça ou mesmo solicitações para influenciar indevidamente magistrados, sendo também colhidos diálogos relevantes para o objeto da investigação em curso, de fundada suspeita de ocultação de patrimônio em nome de pessoas interpostas.
5) Não foram colhidas provas de condutas criminais dos interlocutores com foro por prerrogativa de função, inclusive de que algum deles teria aceito as solicitações do ex-presidente para obstruir, intimidar ou influenciar indevidamente magistrados.
6) Roberto Teixeira (advogado de Lula) foi interceptado porque investigado, envolvido diretamente nos supostos crimes sob investigação, a suposta aquisição do sítio em Atibaia com utilização de pessoas interpostas, e não como advogado, não havendo imunidade, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando o advogado envolve-se em práticas criminosas.
7) Foram juntados aos autos e, por conseguinte, publicizados apenas diálogos considerados juridicamente relevantes para a investigação criminal e os demais, quer protegidos por sigilo profissional ou eminentemente privados, foram resguardados em arquivos eletrônicos não publicizados e que deverão ser submetidos, após o contraditório, ao procedimento de inutilização.
8)Há diálogos selecionados pela autoridade policial como relevantes e que parecem ser eminentemente privados, mas em realidade contém aspectos relevantes para a investigação, como aqueles que indicam que o sítio em Atibaia está no poder de disposição da família do ex-presidente e não do formal proprietário.
9) A praxe deste Juízo sempre foi o de levantar o sigilo sobre processos de interceptação telefônica, inclusive para diálogos relevantes para a investigação, após o encerramento da diligência, o que não discrepa da prática adotada em outros Juízos e, aparentemente, também por este Egrégio Supremo Tribunal Federal, conforme, salvo melhor juízo, precedente acima referido.
10) A competência, focada a investigação nas condutas do ex-presidente, para decidir sobre o pedido de levantamento de sigilo sobre o processo, que continha diálogos relevantes para investigação criminal de condutas do ex-presidente, era deste Juízo, em 16 de março, quando o ex-presidente não havia ainda tomado posse como Ministro (da Casa Civil).
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