O roteiro da indecência
Muito bem. Numa leitura possível (mas
absurda para quem pretende lidar com a lógica e o bom senso), que
constitui o que chamo de “roteiro da indecência”, cabe aplicar o §2º do
artigo (leiam acima). Como Donadon “sofreu uma condenação criminal em
sentença transitada em julgado” (Inciso VI), então seria preciso “decidir a perda do mandato por voto secreto e maioria absoluta” na Câmara .
Sim, em seu relatório, Sveiter pediu a cassação, mas o fez com base
nessa argumentação. Estava, na prática, começando a livrar a cara de
Donadon, embora parecesse fazer o contrário.
O deputado
Jutahy Jr. apresentou um relatório em separado, alternativo, com outra
argumentação — tantas vezes exposta neste blog e que, na prática, saiu
vitoriosa no STF (5 a 4) no julgamento dos deputados mensaleiros.
Segundo esse outro ponto de vista, muito mais sólido e assentado também
nos Artigos 14 e 15 da Constituição (além do 55) e no Artigo 92 do
Código Penal, há que se aplicar não o §2º do Artigo 55 da Constituição, mas §3º,
aquele que estabelece que basta à Mesa da Câmara fazer um ato
declaratório porque a condenação criminal — em crimes como o de Donadon e
dos mensaleiros — já implica a perda automática do mandato, uma vez que
o parlamentar perdeu os direitos políticos (Inciso IV). Logo, não é
necessário fazer uma votação. Vejamos.
O roteiro da decência
Reza o Artigo 15 da Constituição:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(…)
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Note, leitor. A condenação criminal transitada em julgado implica a perda dos direitos políticos, certo? Certo!
Perdidos
os direitos políticos, então estamos tratando do Inciso IV daquele
Artigo 55. E para o Inciso IV, não é o plenário que decide, mas a mesa
da Câmara, em ato meramente declaratório. Não fosse assim, seria preciso
admitir que existe parlamentar sem direito político. Existe?
Há mais.
Sim, antes do Artigo 15 da Constituição, vem o 14. E ali se estabelece,
no Inciso II do Parágrafo 3º que, para ser candidato é preciso:
II – o pleno exercício dos direitos políticos.
Ora, é
concebível que, para se candidatar, alguém precise estar no pleno gozo
de deus direitos políticos, mas não para ser um parlamentar? Se
dispositivos faltassem para a cassação automática — CONSTITUCIONAIS —,
há ainda a sanção aplicada pelo Artigo 92 do Código Penal:
Art. 92 –
São também efeitos da condenação:
I- a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de
liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados
com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração
Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
É bem
verdade que as penas do Artigo 92 não são automáticas e têm de ser
declaradas em sentença. Mas o Código Penal está aí, à disposição dos
juízes — inclusive dos do STF.
Os mensaleiros e a nova maioria do STF
Seguiu-se, no caso de Donadon, o roteiro
da indecência. E, assim, se chega à espantosa condição de haver um
deputado presidiário. é certo que o lugar de alguns seria mesmo a
Papuda, mas não como representantes do povo. É que ninguém dá bola pra
Banânia! Imaginem se dessem: “Ah, naquele país, preso não vota em
deputado, mas deputado pode ser preso e continuar… deputado!”
No
julgamento do mensalão, por 5 votos a 4 — o tribunal estava com 9 porque
não haviam sido aprovados ainda os substitutos de Cezar Peluso e Ayres
Britto —, o tribunal decidiu que a condenação implicava a cassação
automática dos mandatos dos deputados-mensaleiros: defenderam essa
posição Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso
de Mello. Acharam que a decisão cabe à Câmara e ao Senado os ministros
Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber e Carmen Lúcia. Então os
deputados mensaleiros João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto
(PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) estão cassados, né? Pois é…
Ocorre que
a questão voltou a ser examinada na recente condenação do senador Ivo
Cassol (PP-RR). E aí se deu o evento espantoso! Roberto Barroso, que,
nesta quarta, fez uma candente defesa da moralidade e da ética na
política, resolveu abrir o caminho para a mudança. Alegando amor à letra
da lei — justo ele, que escreveu um livro sobre um tal “novo
constitucionalismo” — houve por bem ignorar os Artigos 14 e 15 e o
Parágrafo 3º do Artigo 55 da Constituição e se fixar apenas no Parágrafo
2º. Para ele, a cassação é atribuição exclusiva das respectivas Casas
Legislativas. Teori Zavascki o seguiu. Os quatro (Lewandowski, Toffoli,
Rosa e Carmen), que já havia expressado essa posição no julgamento do
mensalão, repetiram seu voto. E assim se formou uma maioria de 6 votos
em favor da tese que permite que se repita o que se deu com Donadon: ter
um parlamentar presidiário. É o que pode voltar a acontecer com João
Paulo Cunha (PT-SP) caso se consiga rever aquela decisão.
Acinte, deboche, esculacho
A decisão da Câmara é um acinte, É um
deboche. É um esculacho. Que fique claro: Barroso, Zavascki, Rosa,
Carmen, Toffoli e Lewandowski não têm nada a ver com essa
particularidade do caso Donadon. Eu estou aqui a demonstrar quais são as
consequências práticas da escolha esdrúxula que fizeram no caso de Ivo
Cassol. E é inútil os doutores dizerem que, “se o Congresso é assim”, a
culpa não é deles”. Se nada podem fazer em relação ao caso Donadon,
poderiam ter votado — DE ACORDO COM A LETRA DA LEI — para que essa
vergonha não se repetisse. Mas fizeram justamente o contrário.
É evidente
que a defesa dos deputados mensaleiros vai recorrer para evocar o novo
entendimento do tribunal. Donadon pode estar abrindo o prolífico filão
de parlamentares presidiários. Sob a proteção intelectual e jurídica de
seis togados da mais alta corte do país.
Com aquela toga vistosa,
precisam tomar cuidado para não virar os black blocs das instituições.
E Barroso, não obstante, acha que política deve ser uma coisa mais séria. A política e a Justiça, digo eu.
29/08/2013
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