Por Reinaldo Azevedo
Caetano Veloso não se emenda — e isso, reconheço, é parte do seu sucesso. É novidadeiro. Costuma opinar com desassombro sobre coisas que conhece. Mas é ainda mais desassombrado quando fala sobre o que ignora. Já deixou claro que não gosta de mim. Ok. Talvez seja burro o bastante para me achar idiota, mas não sou idiota o bastante para achá-lo burro. No geral, ele sabe o que faz em benefício da própria carreira e dessa persona pública obcecada por encontrar um lugar único no discurso. Muito antes de Gilberto Kassab, Caetano já não era nem de direita, nem de esquerda nem de centro. E, sim!, gosto de várias músicas suas. Mas vamos ao que interessa agora.
No dia 5 de agosto, no Twitter, Caetano convocou:
“Vamos todos ver o Pablo Capilé no Roda Viva hoje. Ele e o grupo Fora do Eixo são das coisas mais interessantes acontecendo no Brasil hoje, Caetano Veloso.”
Muito bem! Pablo Capilé deu o seu showzinho particular no Roda Viva, exibindo por que é “das coisas mais interessantes acontecendo no Brasil”. Àquela altura, as redes sociais já traziam depoimentos às pencas de pessoas que passaram pelas “casas Fora do Eixo” e denunciavam trabalho similar à escravidão, apropriação indébita das obras, não pagamento de cachê, constrangimento psicológico, doutrinação ideológica, apropriação de bens de internos…
A coisa pegou fogo quando reproduzi aqui os testemunhos da cineasta Beatrriz Seigner e da estudante de jornalismo Laís Bellini. Capilé, então, que acha que a “mídia tradicional” está acabando em razão de uma “crise de narrativa”, teve de apelar à… mídia tradicional para tentar se explicar. Ao se defender, no entanto, Capilé e o Fora do Eixo admitiram o não pagamento de cachê, o não pagamento de salário, a apropriação — consentida, claro! — de bens dos internos, calote em dívidas feitas na praça… Mas tudo tem uma explicação: o líder da seita acha razoável que uma banda não receba nada para tocar porque o Fora do Eixo está colaborando para formar o público dos artistas, entenderam? A entidade, não obstante, recebe farto patrocínio — em moeda corrente no país — de órgãos oficiais.
É possível que Caetano, naquele dia 5, não soubesse de nada disso. Nem tinha a obrigação. Já os jornalistas que entrevistaram Capilé (e Bruno Torturra) estavam obrigados a saber, sim. Mas… Muito bem! A realidade fala por si. Os testemunhos estão aí. As evidências também. Até mesmo pessoas que estavam bem próximas da cúpula desertaram e denunciaram os métodos autoritários de Pablo Capilé, a “coisa interessante”.
Mas Caetano ainda não se deu por achado. Em sua página na Internet, publica um texto exaltando as qualidades do grande Paulo Rónai. Ele o faz, claro!, à sua maneira, misturando dados da própria biografia com a do intelectual. Mas tudo bem! Trata ainda de uma porção de outras coisas, num estilo muito seu, que a gente poderia chamar de “miscelânea ilustrada”. E eis que surge no texto… Pablo Capilé. Assim:
“Leio que o ministro Joaquim Barbosa tratou o colega Lewandowski de modo no mínimo inapropriado. E que o dólar subiu mais do que em 2009. Uma manifestação é tida como desproporcional por, contando com 200 participantes, ter parado o trânsito da cidade por mais de sete horas. O Capilé, o Fora do Eixo e mesmo a Mídia Ninja, me contam, vêm sendo linchados nas redes sociais. Quantos esforços temos que fazer para dar conta do que nos é apresentado pela realidade! Precisamos de calma e firmeza, destreza e maleabilidade, tudo num ritmo adequado à capacidade de superação de crises.”
Voltei
Linchados? Linchadores não oferecem a ninguém chance de defesa. Capilé dispõe de uma força impressionante na rede para se explicar. Mais: os veículos “tradicionais” de comunicação lhe franquearam a oportunidade de dar a sua versão. Infelizmente para o bom senso, Capilé e o Fora do Eixo endossaram as acusações, só que procuraram tirar o seu sinal negativo. Não pagar cachê, dizem, é parte do esforço para formar público. Apropriar-se de bens alheios é só uma manifestação da filosofia coletivista. Dar calote é coisa muito comum entre pessoas que lidam com a cultura. E vai por aí.
Linchamento? O que está a dizer Caetano? Que mentem todas as pessoas que vêm a público revelar a sua traumática experiência com o grupo Fora do Eixo? O mais curioso é que seu texto canta as glórias de um, com efeito, pequeno grande livro de Rónai: “Como aprendi o português e outras aventuras”, que foi reeditado pela Casa da Palavra (comprem!). Capilé, o seu herói injustiçado, acha que os livros, especialmente os clássicos, em qualquer formato, são coisa do passado, sepultados pela cultura digital.
Coerência?
Pois é… Eu acredito que as pessoas devam viver conforme o credo que defendem. Caetano deveria dar o exemplo aos novos artistas e, em apoio à causa de Capilé, dar um show para as plateias convocadas pelo Fora do Eixo, tendo o seu cachê pago em “cubo cards”. Havendo tempo, deve se internar numa das casas e trabalhar de graça.
Finalmente, lembro que Caetano pediu a permanência de Ana de Hollanda no Ministério da Cultura. Como sempre, ele defende com muita energia tanto uma coisa quanto o seu contrário. Sobre as tentativas de derrubar a hoje ex-ministra, afirmou, segundo publicou a Folha:
“E essa história pode ser essa vontade de derrubar Ana porque acreditam demais na magia benigna da internet. É uma bolha mítica. Não é nada além disso. Há muita mitologia do novo mundo da internet, do admirável muito [mundo?] novo. É uma espécie de bolha conceitual. Sou velho o suficiente pra dizer que é bobagem.”
Caminho para o encerramento
Atenção! Quem, definitivamente, desestabilizou Ana de Hollanda foi o… Fora do Eixo. Eram os seus comandados que saíam por aí a vaiar a ministra em eventos públicos. Ainda hoje, os principais braços de Pablo Capilé da rede a acusam de ter tentado destruir o legado de Gilberto Gil e Juca Ferreira — este, sim, hoje um mero funcionário espiritual da turma. Capilé foi a mão que balançou o berço da ex-ministra da Cultura e acabou por derrubá-la. Entre outras razões porque esses “caras interessantes” acham que direito autoral também é coisa do passado — com o que as ex-ministra não concordava. Caetano, como se vê, acusava uma conspiração para derrubar Ana, mas não se furta a expressar a sua ativa simpatia pelos conspiradores e a acusar um suposto linchamento quando se joga luz nos porões do coletivismo à moda Capilé.
Se ele achar que não é assim, basta pegar o telefone e ligar para Ana de Hollanda. Ela poderá lhe dizer como foi e como é tratada ainda hoje pelo Fora do Eixo. Sob o pretexto de apoiar o novo, Caetano Veloso se alinha com um sujeito que se transformou numa espécie de coroné das leis de incentivo. E coroné em sentido pleno, com o uso de uma mão de obra que as leis brasileiras e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) consideram similares à escravidão.
Mas Caetano, como Chacrinha, uma espécie de ícone pop do Tropicalismo, veio para confundir, não para explicar.20/08/2013
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Caetano Veloso, o fã de Pablo Capilé, tem de participar dos festivais do “Fora do Eixo” e receber seu cachê em “cubo cards”. Ou: Artista exalta o grupo que derrubou Ana de Hollanda, que ele, Caetano, defendia
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