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terça-feira, 20 de agosto de 2013

Fim do Bolsa Miami



Por Rodrigo Constantino
Veja.com


A forte alta do dólar em quase três meses já fez o preço de produtos e serviços aumentarem até 42% para o consumidor.
O setor de aviação e turismo, muito suscetível à variação da moeda americana, é um dos que mais sofrem o impacto. Já há pacotes para fins de semana em Buenos Aires sendo vendidos a R$ 2.000 por pessoa, ante R$ 1.400 em agosto de 2012.

Em lojas de produtos importados, a alta nos preços chegou a 15%. E a indústria de produtos de limpeza sente o custo maior da matéria-prima e avalia que o repasse será inevitável.

Na operadora de turismo ACC Tours, o preço dos pacotes para destinos internacionais subiu, em média, 30% de junho até a primeira quinzena de agosto, em relação a igual período do ano passado.

Uma das maiores altas foi o pacote para Buenos Aires, que aumentou 42%, para R$ 2.000. A procura por viagens internacionais caiu até 70%.

— Aqui o telefone não toca. Está assustador — diz Franklin Campos, dono da ACC Tours.

Foi bom enquanto durou
.


Mas ao que tudo indica, chegou ao fim a Bolsa Miami da classe média.

O dólar mais caro veio para ficar.
Tem ligação com fundamentos, não é apenas um ataque especulativo como as autoridades monetárias dão a entender. É parte fenômeno global, parte “made in Brazil”.

Quando o movimento era o contrário, a presidente Dilma chegou a reclamar do “tsunami monetário”, a enxurrada de dólares que buscavam opções atraentes no país, fortalecendo o real. À época, escrevi textos lembrando que, às vezes, é melhor tomar cuidado com aquilo que desejamos. Se o fluxo se invertesse, haveria sofrimento.

Parece que estamos nesse estágio agora. Os investidores estão retirando dólares do Brasil, mandando-os de volta para os Estados Unidos. São alguns fatores responsáveis por isso. Em primeiro lugar, o próprio fortalecimento da economia americana, e a expectativa de que o Fed (Banco Central americano) terá de reduzir ou acabar com os estímulos monetários.

Esta é a parcela global do fenômeno, que afeta todos os emergentes, todos aqueles que devem em dólar ou atraíram a moeda americana nos últimos anos. A segunda parte é local, diz respeito aos nossos frágeis pilares macroeconômicos.

O governo não fez reforma estrutural alguma nos últimos anos, e o país não experimentou ganho de produtividade. O “Custo Brasil” segue intacto, com impostos escandinavos que só crescem, para serviços africanos. Temos uma legislação trabalhista anacrônica, dificultando a vida das empresas. Uma burocracia asfixiante. Uma carga tributária não apenas absurda, mas complexa. E uma infraestrutura caótica.

A reação do governo diante dos problemas que surgiram foi intervir mais ainda na economia, gerando perda de credibilidade. Não funciona. Segurar preços, congelar a gasolina e a tarifa de transporte, impor queda nas tarifas de energia, forçar a redução artificial dos juros, tudo isso produz efeitos não desejados na economia. O cobertor é curto: o governo puxa de um lado, desnuda do outro.

Diante do quadro cada vez mais grave, as autoridades monetárias insistem nos erros do passado. O governo não anuncia um corte efetivo dos gastos públicos, tampouco muda sua postura de “malabarismos contábeis” para mascarar a situação. Os bancos estatais seguem agindo de forma irresponsável, expandindo fortemente o crédito, como se estivesse tudo bem.

A “nova classe média” foi muito celebrada pelo governo marqueteiro, mas ela está em xeque. O crédito farto garantiu um padrão elevado de consumo, que não mais se sustenta. Muitos pensaram estar mais ricos em dólares, descobrindo a Disney e Miami pela primeira vez. Os aeroportos ficaram abarrotados, como rodoviárias (com a incompetente estatal Infraero incapaz de reagir). A era da bonança acabou.

O Mickey cobra em dólares, e estes estão cada vez mais caros. É um processo de ajuste natural, para equiparar preço com fundamentos. Aquela prosperidade tinha muito de artificial. Sinto ser o mensageiro da má notícia, mas é preciso dizer a verdade.

Quanto antes o povo se der conta disso, melhor será. Quem sabe assim a classe média, agora menos entorpecida pela sua Bolsa Miami, não pressione mais o governo pelas necessárias reformas estruturais e pelo fundamental corte dos gastos públicos?
20/08/2013


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